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domingo, 11 de novembro de 2012

Espaço do acadêmico - Amanda Raissa Abreu e Lima



Monitora de Direito Penal III



Breve análise do Caso Cristian à luz do Direito brasileiro


Nos Estados Unidos, um menino de 13 anos está sendo acusado de ter levado a óbito por espancamento seu irmão de 2 anos de idade e de ter agredido sexualmente outro parente de 5 anos idade, podendo vir a ser condenado pelo crime de homicídio doloso, em prisão perpetua, sem possibilidade de liberdade condicional. Tal caso ganhou grande repercussão social devido aos possíveis traumas vividos pelo menor, advindo do descaso familiar e do próprio Estado, sofrido pela criança.

A pequena trajetória de vida de Cristian Fernandez não se enquadra nos contos de fadas, mundo colorido, onde a imaginação é combustível de fantásticas aventuras e de super heróis, e sim em pesadelos que perpetuam na realidade e seus próprios pais são os monstros.

Em relatos oficiais, Bianelle Susana aos 12 anos foi vítima de estupro e deu à luz a Cristian, sendo o genitor deste condenado a prisão pelo crime cometido. Aos 2 anos de seu nascimento, Cristian foi encontrado despido, abandonado, andando de madrugada nas ruas do Sul da Flórida. A avó, suposta “responsável”, posteriormente foi localizada, em um hotel de estrada, em uma maratona de uso de entorpecentes. No ano de 2007, o Departamento de Crianças e Famílias da Flórida investigou a arguição de abuso sexual sofrido por Cristian, cometido pelo seu primo. Apesar de demonstrar um excelente desempenho escolar, os históricos da autoridade local constam em sinais de distúrbio de comportamento do menor, ao matar um filhote de gato e simular atos sexuais no interior da escola. Novamente em 2010, Cristian sofre agressões físicas, levando um soco no olho com posterior suicídio do seu padrasto, evidenciando o emprego de violência e falta de estrutura familiar.

Dentro do ordenamento normativo brasileiro, a responsabilidade civil dos pais possuí o afeto como fundamento da família e norte para o convívio entre seus membros. A família como instrumento de desenvolvimento dos direitos fundamentais da pessoa. A Constituição Federal do Brasil atribuí como dever dos pais, Estado e sociedade, o direito à convivência e fornecer subsídios para o pleno desenvolvimento físico e mental da criança e do adolescente. A família caracteriza-se como instituição basilar do corpo social, determinando os limites, modo de comportamento, fornecendo valores sociais e éticos, em virtude do desempenho de habilidades e da personalidade de seus membros, ocasionando à família como primeiro núcleo de convívio social. O descuido quanto à responsabilidade civil, o não cumprimento do dever de oferecer a dignidade preconizada na Carta Magna ao menor, acarreta em prejuízos físicos e mentais a este, pois a ausência de orientação pode gerar traumas, patologias, repercutindo em danos ocasionados pelo próprio abandono, refletidos em ações violentas estendidas ao meio. Logo, tal dever vai além de questões puramente jurídicas, pois interfere no desenvolvimento da natureza humana em reflexo ao convívio social.

A lei nº 8069/90 deu origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente, visando à proteção ao menor como sujeito de direitos em desenvolvimento. Tal estatuto fundamenta-se na Doutrina da Proteção Integral, afirmando o valor intrínseco da criança e do adolescente como ser humano e demonstrando a necessidade especial do menor como pessoa em desenvolvimento. Tal doutrina pressupõe a garantia à satisfação integral da criança, merecedora da proteção da família, do Estado e da sociedade. A lei deve respeitar as características da criança enquanto criança e sendo incapaz deve se caracterizar a impossibilidade da invocação subjetiva na aplicação do poder coercitivo em caráter genérico, com respaldo no dispositivo legal do art.121 da lei nº 8069/90.

Segundo o art.59 do Código Penal brasileiro a fixação da pena deve atentar para a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias, no cometimento do crime. Logo, a determinação da pena não deve ser realizada discricionariamente, devendo possuir respaldo normativo e ser a última via de punição para a recuperação do indivíduo.

É de suma importância avaliar o contexto histórico ao qual o caso exposto está inserido, pois em um país onde vigora a prisão perpétua, prevalece à punição em detrimento do próprio indivíduo como ser capaz de recuperação.

Através de um olhar sensível e brasileiro do caso, observa-se uma predisposição a vários traumas correlacionados ao baixo nível de tolerância à frustração, pois a criança necessita de referências identificatórias para organizar seus impulsos destrutivos. Cristian, enquanto criança é vítima da precária estrutura familiar, cuja referência paterna está relacionada ao crime de estupro que ocasionou sua gestação. Seu nascimento está associado à violência, sendo, portanto, a prova viva do trauma sofrido por sua genitora, que pode ter lhe tratado de forma pouco cuidadosa e afetuosa por ele ser filho das referidas circunstâncias que lhe fizeram sofrer. Logo, o trauma quando não trabalhado para sua superação, em relação ao caso em questão, poderá ser absolvido pela criança, como que esta representa o sofrimento vivido pela sua mãe.

Neste contexto de gestação, nascimento e desenvolvimento bastante conturbado, Cristian estrutura-se como um ser psíquico sem limites e passa a ser considerado uma ameaça para a sociedade que, de acordo com suas leis resolve lhe impor um sistema de vida privado, tirando-lhe toda e qualquer possibilidade de reestruturar-se na tentativa de dar um novo sentido para sua vida.

A potencialidade para ser mal e bem é do próprio ser humano. A criança como sujeito em desenvolvimento necessita receber apoio, limites, para entender seus atos. O limite com amor, pois para ser respeitado necessita respeitar. No caso Cristian, depara-se com a possibilidade da existência de diversos traumas interiores e exteriores que ocasionaram distúrbios psicológicos no menor, necessitando este ser conduzido a um sistema protetivo correlacionado a educação, más não só aprendizagem escolar, como também e primordial o direcionamento no que diz respeito às relações sociais e suas próprias pulsões. O sofrimento vivenciado pelo ser humano pode vir a gerar o sentimento de revolta que leva a onipotência, indagando por diversas vezes a questão: se o mundo foi cruel comigo porque vou ser um cidadão de bem? A carência de altruísmo está associada à falta de valores familiares e amor próprio, pois o indivíduo, em especial a criança, necessita de ajuda para construir e desconstruir sua vida.

Em um paralelo comparativo do Caso Cristian com a realidade brasileira, esta não se distancia daquele, pois enquanto que na abstração vigora o princípio da pena não ultrapassar a pessoa do réu, na realidade fática há um prejuízo quanto a sua aplicação. Já dizia Thomas Hobbes “o homem é o lobo do homem”. Em um país, como o Brasil, onde a desigualdade social é um traço cultural, diversas crianças fruto dessa injustiça são marginalizadas, excluídas do seio social e até mesmo condenas por crimes de terceiros, na maioria dos casos dos seus próprios pais.  Surgir a partir de um crime é nascer já condenado? Esse dilema vivenciado por diversos brasileirinhos e também observado no Caso Cristian, acarreta na inversão de valores ao punir quem de fato necessita de auxilio, pois antes de serem agentes de crimes essas crianças são vítimas de tantos outros, ressaltando a omissão do Estado como guardião dos direitos fundamentais do ser humano.

O sistema normativo, a lei, é fundamental para a manutenção da vida em sociedade. O pacto social determina abrir mão de direitos individuais em virtude do coletivo, mas diferentemente deste que é imposto ao homem, o pacto do individuo com ele mesmo não é rompido, pois está entranhado na sua própria natureza, prevalecendo seus desejos inconscientes. Logo, o homem necessita ser moldado, auxiliado, em especial a criança que configura a base do indivíduo, visando o seu desenvolvimento e distanciamento do estado de natureza. A aplicação rígida da lei poderá levar a suma injúria, pois o homem como um ser predominantemente subjetivo esta, em muitos casos, fadado a seguir seus desejos, devendo as circunstâncias do caso concreto serem avaliadas para a aplicação da lei. A unidade do sistema normativo é fundamental, como também a adaptação de sua aplicação.

Em vista do exposto, a questão não é como punir ou “punir por punir”, mas sim como recuperar esse sujeito. O problema não está em qual o melhor meio, mecanismo de punição, mas como auxiliar, dar apoio a essa criança que suplica inconscientemente por socorro, através de seus próprios atos que evidenciam distúrbios patológicos, exercidos como uma revolta e resposta a sociedade do descaso sofrido em sua vida pregressa. Para a avalição da configuração de um crime é fundamental identificar o ânimo do agente, o que este quer, se suas ações são uma forma de revolta a realidade que está inserido ou é apenas maldade. Independente do país, sistema normativo, que o sujeito está subordinado, as condutas ilícitas devem sofrer punição, pois o castigo faz parte do crescimento do indivíduo, mas a punição deve estar aliada a inserção social e recuperação do indivíduo. No Caso Cristian, a punição desta criança deve sair de cena e dar espaço para o apoio psicossocial que este menor necessita, para enfim ser concretizada a justiça e o direito a dignidade humana ser efetivado.




Bibliografia:

  • Constituição Federal do Brasil
  • Código Penal brasileiro
  • Código Civil brasileiro
  • Lei nº 8069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente.
  • Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos, Andréa Rodrigues Amin.

·         (NBR 6023:2002 ABNT):

MIRANDA, Amanda Oliveira Gonçalves de. Responsabilidade civil dos pais nos casos de abandono afetivo dos filhos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3242, 17 maio 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21799>.


Um comentário:

  1. Olá, gostaria de saber como posso participar do "Espaço Acadêmico"...

    email:thiagonagib@hotmail.com

    obrigago

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