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domingo, 4 de março de 2018


"Vivemos num século em que as coisas inúteis são as mais necessárias."

Oscar Wilde

Suicídio de preso


Responsabilidade objetiva

Trata-se de ação de reparação de danos ajuizada pelo MP, pleiteando indenização por danos morais e materiais, bem como pensão aos dependentes de preso que se suicidou no presídio, fato devidamente comprovado pela perícia. A Turma, por maioria, deu parcial provimento ao recurso, reconhecendo a responsabilidade objetiva do Estado, fixando em 65 anos o limite temporal para o pagamento da pensão mensal estabelecida no Tribunal a quo. Outrossim, destacou o Min. Relator já estar pacificado, neste Superior Tribunal, o entendimento de que o MP tem legitimidade extraordinária para propor ação civil ex delicto em prol de vítima carente, enquanto não instalada a Defensoria Pública do Estado, permanecendo em vigor o art. 68 do CPP

. Para o Min. Teori Albino Zavascki, o nexo causal que se deve estabelecer é entre o fato de estar o preso sob a custódia do Estado e não ter sido protegido, e não o fato de ele ter sido preso, pois é dever do Estado proteger seus detentos, inclusive contra si mesmo. REsp 847.687-GO, Rel. Min. José Delgado, julgado em 17/10/2006.

História do Infanticídio



Um pouco da história do infanticídio


Trecho de um trabalho publicado por João Franco

Na relação entre a mãe e o seu filho a eliminação deste por aquela, após o nascimento, foi mais frequente do que se gostaria de lembrar.  O procedimento de recusa ou o reconhecimento da impossibilidade - quer real ou imaginária - de assumir as responsabilidades da maternidade conduziram mães a duas  opções:  a primeira consistia  no  abandono do filho por doação ou simples depósito ao relento, numa expectativa de ser acolhido por  uma  pessoa caridosa  e a segunda conduzia  ao  simples e puro homicídio. 

O Corão, disciplinando a vida de milhares de seres humanos submetidos as suas normas, já estabelecia como regra o respeito à vida. Condenava o homicídio, ainda que se tratasse de pena; o suicídio era repudiado (“não deveis destruir a vós mesmos”), e o infanticídio constituía-se em crime contra o ser humano e ofensa a Deus, por duvidar de sua providência: “Não mateis vossos filhos por temor a indigência. Nós os proveremos, e a vós. Matá-los é um grande pecado.”
Relatado em toda a antiguidade  o infanticídio foi  melhor  registrado no desenrolar do Séc. XIV, permitindo que se examine o comportamento feminino voltado  a desembaraçar a  mãe dos filhos indesejados, quer  pela  morte  ou por intermédio do abandono  dos  recém-nascidos. É nessa época tornada clara a dificuldade enfrentada pela autoridade, quer civil ou religiosa, para regulamentar e punir o comportamento homicida. 
Se a legislação então vigente sobre o infanticídio se revelava severa, por outro lado tornava-se quase impossível exercer qualquer controle no domínio da vida privada no interior dos campos e lares.  “Existem informações de que aproximadamente 30% das crianças abaixo dos quatro anos perdiam a vida vítimas de acidentes mortais.[1]  Este fato  levou  aos  clérigos  e os que exerciam  o poder  civil a advertirem severamente os responsáveis  pelos recém nascidos,  lembrando  que  cada  infante  morto  pesava na consciência das mães  e das amas. Já no Séc. XV o aprimoramento da legislação tornou possível um aumento de acusações desse delito e julgamento de mulheres infanticidas.  A legislação sobre a morte de crianças recém nascidas chegou a exigir que uma mãe solteira declarasse a sua gravidez, sob pena de, na falta desse, ato ser automaticamente acusada de assassínio se a criança nascesse morta, cabendo o ônus da prova de inocência à mãe.”  (Georges Duby e Michelle Perrot, História das Mulheres, Vol III pág. 111 Ed. Afrontamento-Porto.)

[...]

Conforme Jean Delumeau em “O pecado e o medo” (Vol. 1, Pág 530. Ed.Edusc São Paulo 2003) a Igreja Católica propagou o medo da morte sem batismo. Essa é a razão principal do Édito de Henrique II em 1556 ordenando às moças grávidas que declarassem seu estado, e depois do parto, às autoridades, agindo então o rei num contexto de cristandade como responsável pela vida, mais ainda pela salvação espiritual de seus súditos. O texto do edito prova o grande temor do soberano e de seus conselheiros era que as moças seduzidas, fazendo desaparecer os filhos ilegítimos, os privassem do batismo. O infanticídio era grave, sobretudo porque excluía a sua vítima do paraíso. Tendo a criança “sido privada do batismo e da sepultura pública e habitual”, declara o edito que a mãe seja “tida como assassina de seu filho”. E “como reparação punida de morte e derradeiro suplício, e com o rigor que a qualidade do caso merecer”.
  
 [...]

Existia uma verdadeira angústia na época medieval no tocante a certeza quanto à legitimidade da filiação. Nas reuniões sociais ou nos lares os contos eram um entretenimento comum e as narrativas veladamente ameaçavam as esposas dos nobres de trazerem à luz monstros disformes em caso de adultério através de trágicas histórias.  Nas classes menos abastadas tudo conduzia a facilitar uma gestação não desejada, a partir do insuficiente espaço nas casas onde um só quarto abrigava todos os seus habitantes; do ambiente rústico onde se desenrolava  a vida; dos débeis laços de autoridade urdidos entre aqueles que estavam primordialmente preocupados em obter o mínimo de alimento para assegurar a sobrevivência;  do fato - hoje esquecido - de que a expectativa de vida  raramente atingia quatro décadas;  do total desconhecimento de métodos anticoncepcionais dando  margem à proliferação de poções e tinturas tão  inúteis a  esse fim como o uso de amuletos.  A isso se unia a  severa  noção do pecado  da  concupiscência  e  a  consequente  repulsa  a indisfarçável  culpada.  A mãe não casada tornava-se um fardo social  e motivo de vergonha para sua própria família, obrigada a coabitar com uma pecadora que gerava filhos “bastardos”. 
  
Ocorria na época uma particular situação: até os chamados filhos bastardos, ou seja, os gerados fora do casamento por linha paterna podiam contribuir para a riqueza de uma linhagem, inclusive na nobreza, sendo, contudo, - salvo por doação direta - difícil a eles participar dos bens paternos por ocasião da distribuição dos quinhões hereditários.  E nesses momentos era uma presença, no mínimo, incômoda.

Este tipo de fecundidade fora do casamento era interdito na linha feminina, podendo levar à morte da acusada.  Deve-se admitir que fosse difícil apresentar provas de adultério feminino quando os filhos nasciam no quadro do casamento. As raras acusações sobre relações adulterinas registradas em nível de nobreza, como as apontadas à Rainha Guinevere, esposa do Rei Arthur, geralmente terminavam  em  uma  ordália,  enquanto  a  “leitura  das ricordanzi burguesas é encontrar um  bando de bastardos domésticos.  Margherita Datini  queixa-se de suas empregadinhas (1390), e  o cambista  Lippo del Sega  festeja  seus  setenta  anos violando sua criada (Florença, 1363).  Em casa  a presença de primas e sobrinhas pode  ser perturbadora, sobretudo  quando  se  partilha  o  mesmo quarto.  Processos por incesto são por vezes julgados  perante  os  tribunais (Uma prima, uma sobrinha,  Condado de Pisa, 1413)” (Philippe Ariés e Georges Duby, História da Vida Privada, Vol II, pág. 296  Companhia das Letras)


HISTÓRICO

O Direito Romano considerava a morte do filho como consequência de ação do pai um não crime, um direito do mesmo, já que ele dispunha do jus vitea et nescis. A mesma ação praticada pela mãe era considerada como parricídio.

As crianças nascidas com deformidade ou aspecto monstruoso poderiam ser mortas de conformidade com a Lei das XII Tábuas (Século V a.C.) Só com o Código Justiniano, que sofreu pesada influencia do cristianismo é que houve alteração em tal aceitação, com a cominação de severas penas em caso de morte das crianças recém nascidas.

O Direito Canônico considerou o dever de proteção e cuidado por parte dos pais, a debilidade da vítima e a premeditação na prática de tal morte, punindo com rigor a morte do filho pelos pais, considerando a ação como homicídio.

Com o Iluminismo, sob a aparência de benignidade e compreensão sobre os dramas pessoais por parte de algumas mães foi proposto um tratamento mais tolerante. Em Beccaria (Dos delitos e das penas. § 36) se vê a justificativa do tratamento benevolente: 

“[...] o infanticídio é o efeito quase inevitável alternativa em que se vê uma desgraçada, que apenas cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu aos esforços da violência. Por uma parte a infâmia, da outra a morte de um ente incapaz de avaliar a perda da existência: como não preferiria essa última alternativa que a subtrai à vergonha, à miséria, juntamente com o infeliz filhinho?”

A partir de 1800 o infanticídio passou a ser visto como um homicídio privilegiado, devendo ser verificado as condições físicas e psíquicas da mulher durante o parto, buscando o equilíbrio entre o conflito envolvendo a lei, a prevalência da honra e o instinto maternal.

No Brasil Império (1830) estava prevista uma pena reduzida à mãe que matasse o filho para ocultar desonra própria. Um terceiro envolvido na morte da criança ao nascer seria igualmente beneficiado com essa pena reduzida se o fizesse na primeira semana de vida. 

Parto - Desonra



Infanticídio

O jurista Álvaro Mayrink da Costa apresenta em sua obra Direito Penal um criterioso estudo sobre o infanticídio. Com a acuidade que lhe é peculiar vê a questão da “honra” como justificadora o delito e as transformações sociais que tornaram tal critério obsoleto e não mais capaz de sustentar o tipo. Na realidade a solução contida no Código Francês atual para o antigo crime de infanticídio é a mais lógica.

Diz ele que  o art. 410 do Código Penal espanhol sofreu modificação a partir da Lei Orgânica nº 10/950, e desaparece a figura do infanticídio em seu art. 136 (“a mãe que matou o filho durante ou logo após o parto e estando sob a influência perturbadora é punida com a pena de prisão de 1 a 5 anos”), eliminando a ocultação da desonra como fundamento do privilégio. A legislação francesa de 1994 acabou com o tipo de injusto do infanticídio, deixando para a agravação no plano da tipicidade do homicídio doloso de menores de 15 anos (art. 221-4).

Ressalte-se que a causa honoris está totalmente superada pela nova estrutura da sociedade civil, pela emancipação da mulher. A causa de ocultar a desonra que historicamente foi o sustentáculo da figura autônoma do infanticídio como forma privilegiada do homicídio era explicada pelos valores éticos até meados do século XCIX, relativos ao estigma da desonra para a mães não casadas ou de gravidez indesejada, ligada ao tabu da perda da virgindade.

A maternidade da mulher solteira não é mais causa de desonra, mas expressão livre de afirmação e desafio socioeconômico. Tal justificação é atentatória à dignidade da própria mulher. Outrossim a influência do estado puerperal não apresenta uma exata significação, inexistindo critério científico seguro e absoluto para a fixação do limite de duração do puerpério. Ora, se há perturbação da saúde mental da autora do ato punível, reduz-se-lhe a capacidade por força da impunidade plena ou relativa. Desta maneira, sustentamos a inexistência de espaço normativo em uma legislação contemporânea para o infanticídio.(Álvaro Mayrink,  Direito Penal vol 4 p. 249)


Doença mental grave



 Infanticídio – Tratado de obstetrícia

O Direito Penal deve lançar mão das diversas ciências para manter atualizados os seus preceitos e bem aplicar as suas normas. Com referência ao art. 123 do Código Penal, ao tratar da questão do infanticídio, torna-se importante para os profissionais que atuam na área o conhecimento da visão da medicina dobre o a puerperalidade. Para colaborar na divulgação dos conceitos mais modernos comentamos para fins de estudo alguns tópicos do Tratado de Obstetrícia da Febrasgo-Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia:

SÍNDROME DA TRISTEZA PÓS-PARTO
O texto chama a atenção para o fato de que a gravidez pode representar um momento de crise para a gestante, crise essa entendida como uma perturbação passageira de um estado de equilíbrio. É interessante notar que Erich Fromm em seu estudo sobre as consequências de uma agressão já havia registrado que no homem cada novo estado de desequilíbrio força o homem a procurar um equilíbrio novo. Muitas vezes, quando forçado a encontrar uma nova solução, o homem avança rumo a uma situação de impasse, de que tem de livrar-se para reencontrar o seu equilíbrio. Na gestante a gravidez pode soar como uma crise, entendida como um momento transitório de perturbação de um estado de equilíbrio. A perturbação pode ter lugar na mudança do papel de esposa para um novo, totalmente diferente e irreversível, de mãe. Isso além das inegáveis mudanças econômicas em sua vida e, ao lado de novas relações afetivas, a perda ou alterações nas antigas. Pode ocorrer, então, uma fase de relativa desorganização pessoal se a mãe já convive com os demais em um nível neuroticamente constituído.

Tal fato que conduz a uma fase melancólica, conhecida como maternity blues” ou simplesmente blues. Esse nome derivado de um gênero de música norte americano que possui um colorido de lamento, dor e tristeza característicos.

Os autores esclarecem: “Ao observarmos com sensibilidade e atenção uma paciente puérpera, podemos notar não raramente variações de estado de humor, com tendência à depressão, labilidade emocional, expressões, falas, gestos e condutas que evidenciam todo o complexo da nova situação vivenciada -, a adaptação a ela -, não só do ponto de vista biológico, mas emocional e social.

Ora, isso pode contrastar com a realidade concreta vivida com a presença do bebê sadio e desejado, constituindo “matéria prima” para vivências conflitivas que mobilizam auto-reprovação, constrangimento e sentimento de culpa na mente da paciente e que, com frequência é pouco entendida e compreendida pelo marido e/ou companheiro e familiares que podem complicar mais a situação.”

 (...)

Esclarecem ainda que “A ação terapêutica do obstetra consiste em poder propiciar que nessa oportunidade a paciente fale, pense e, portanto, elabore sua intimidade em conflito com alguém que a compreenda neste estado e possa ajudá-la a sair dele, utilizando seus próprios recursos mentais e não tendo o médico que resolver por ela.

O blues pode, eventualmente, ter sintomatologia mais séria que simples tendências e oscilações depressivas do humor, como, por exemplo, ideação hipocondríaca, insônia, além de vivência de desrealização e despersonalização. Costumam iniciar nos primeiros dias do puerpério e remir em duas semanas aproximadamente. São auto-resolutivas e não costumam deixar sequelas do ponto de vista psicopatológico clínico, porém é necessária a abordagem adequada do obstetra como medida de prevenção das dificuldades psicodinâmicas na relação mãe-bebê ou mesmo evitar evolução eventual para psicose puerperal.”

DEPRESSÃO PUERPERAL OU DEPRESSÃO NEURÓTICA PÓS-PARTO

A depressão puerperal ou depressão neurótica pós-parto - esclarecem os autores – “é uma intercorrência cujo quadro clínico é de descrições pouco consistentes e semelhantes ao blues puerperal, só que de modo mais intenso e estruturado, onde se fala em angústia e irritabilidade correlata, mascarando a depressão, depressão ansiosa e depressão atípica por não piorar no fim do dia e começar com insônia etc., mas que é um quadro depressivo sem melancolia ou psicose.

A paciente apresenta-se triste, com humor depressivo, labilidade emocional, estados mentais instáveis, anorexia, insônia, auto-acusações e reprovações, sentimentos de não ser ”suficientemente boa” ou “adequadamente” mãe para cuidar de seu bebê, amamentá-lo ou amá-lo.  Enfim, fantasias que põem a puerpéra em situações muito desconfortáveis perante ela mesma e a maternidade, não podendo usufruir a realidade vivida, vivenciando-a de modo sofrido e angustiado.

Aqui também está presente e de modo mais intenso o anteriormente referido conflito entre a vivência do estado depressivo contrastando com a situação de realidade de ter tido um filho saudável e desejado conscientemente, agravado pelas incompreensões, cobranças e até hostilidade por parte do marido, companheiro e de familiares, como mãe e sogra, ficando a paciente constrangida ou muito envergonhada de sentir-se assim.

Entre outros os autores consideram fatores preditivos ou de risco:

a)    Episódios depressivos pretéritos;

b)    Estados depressivos e ansiosos durante o ciclo gravídico-puerperal, emergentes da dinâmica e conflitiva pessoal;

c)    Crises conjugais relacionadas ou desencadeadas com a situação vivida;

O diagnóstico diferencial deve ser feito com o blues puerperal.

São quadros mais duradouros, mais estruturados psicopatologicamente, que podem se cronificar se não bem orientados, com consequências não só para a paciente, mas para o desenvolvimento emocional e cognitivo do filho.”

Para o advogado merecem especial atenção as psicoses puerperais ou distúrbios afetivos psiótico-puerperal.

Nestas, diferentemente das duas primeiras entidades, que são distorções emocionais da realidade em níveis distintos, encontramos “rotura com a realidade. As formas clínicas são várias, semiologicamente não se distinguem dos quadros habituais, como já referimos, e há um predomínio das alterações de humor, com tendência à depressão, sintomas produtivos como ideação delirante, de caráter depressivo ou persecutório, alucinações auditivas e visuais, aceleração, lentificação e desagregação do pensamento, além de agitação psicomotora eventual.”

Na hipótese, continuam, “são possíveis, portanto, os diagnósticos de depressão psicótica, surtos maníacos e quadros esquizomórfos ou esquizoa-afetivos puerperais. Iniciam-se de modo abrupto nas duas ou três primeiras semanas pós parto e podem, com frequencia, ter pródomos que podem sugerir, de início enfermidades menos graves, como labilidade emocional, insônia, cefaléia, inquietação ou retraimento.

O que há de específico e frequente nestes delírios e alucinações é o seu conteúdo com referência à gravidez, parto e ao neonato. Há uma tendência a negação do ocorrido e franca agressividade e hostilidade dirigidos à criança, numa clara evidência, como já observamos antes, da patologia do vínculo mãe-bebê, parâmetro de saúde-doença, fundamental neste período.

Como realmente há risco de agressões e até morte do neonato por parte da mãe, é preciso, nos casos de maior comprometimento psicopatológico, de maior desagregação da personalidade, separar o bebê da mãe, embora se saiba que isso pode contribuir para manutenção de sua doença. Trata-se de uma situação que exige especial atenção dos profissionais nela envolvidos, e a questão prioritária é resguardar o bebê por motivos óbvios. Com o decorrer do tratamento psiquiátrico em regime de internação, procura-se fazer a reaproximação aos poucos e sob vigilância cuidadosa e constante de profissionais habilitados.

Matar um filho nesse período é sintoma de doença mental grave, tanto é que no Código Penal Brasileiro tais fatos perpretados pela mãe não são passíveis de penalização, cabendo, na linguagem jurídica o que se chama de medida de segurança: traduzindo em linguagem médica, significa reclusão para tratamento em instituição adequada.”

Elementar no homicídio


CP123 - Elementar do crime

Trata-se de um elemento integrante do tipo penal incriminador. Ex.: “matar” e “alguém” são elementares do deito de homicídio.

Há determinadas circunstâncias ou condições de caráter pessoal que são integrantes do tipo penal incriminador, de modo que, pela expressa condição legal, nessa hipótese, transmite-se aos demais coautores e partícipes. Ex.: se duas pessoas – uma funcionária pública, outra estranha à administração – praticam a conduta de subtrair bens de uma repartição pública, cometem peculato-furto (art.312, § 1º do CP). A condição pessoal – ser funcionário público – é elementar do delito de peculato, motivo pelo qual se transmite ao coautor.

A polêmica do concurso de pessoas no infanticídio

Muitos autores chegaram a sustentar a incomunicabilidade da circunstância de caráter pessoal. Afinal o puerpério é perturbação físico-mental exclusivo da mãe. Não seria justo dizem, que o autor ou partícipe fosse favorecido, uma vez que se estaria cuidando de circunstância personalíssima.

Atualmente poucos autores sustentam a possibilidade de punir por homicídio aquele que tomou parte no infanticídio praticado pela mãe, ou mesmo quando executou o núcleo do tipo, a pedido da mãe, que não teve forças para fazê-lo sozinha. Os argumentos voltados a essa ótica estão voltados a corrigir uma injustiça promovida pela própria lei penal, que deveria ter criado uma exceção pluralística à teoria monista. Não o fez. Assim, há quem pretenda a aplicação do art. 29 § 2º, dizendo que se o executor matar o recém nascido, porém com o beneplácito as mãe, esta teria querido participar de crime menos grave, isto é, aquele teria desejado cometer homicídio e a genitora, infanticídio. Olvida-se, nessa tese, que a vontade de matar é exatamente a mesma e que o infanticídio é apenas uma forma privilegiada de homicídio. Logo, tanto a mãe quanto o estranho querem “matar alguém”.

Outras soluções tentam apontar para a utilização, para a mãe, do disposto no art. 26 § único, enquanto para o executor, estranho à criança, seria reservado o homicídio. Ora, trata-se, ainda que com eufemismo, de quebra de unidade do delito. Não houve homicídio, com participação de pessoa perturbada (no caso a mãe). A circunstância especial de perturbação da saúde mental está prevista em um tipo penal especial, que deve ser aplicado, goste-se ou não da solução, entenda-se ou não ser ela injusta. Logo, se ocorreu um infanticídio, por expressa aplicação da comunicabilidade prevista no art. 30, outra não é a solução sendo ambos punidos pelo infanticídio.

A doutrina firmou entendimento nesse sentido. A exceção, constante da parte final do dispositivo, determina que haverão elas de comunicar-se, desde que elementares do crime. In casu, o estado puerperal, embora configure uma condição personalíssima, é elementar do crime. Faz parte integrante do tipo, como seu elemento essencial. Logo, comunica-se ao coautor.

Tanto faz se o estranho auxilia a mãe a matar o recém-nascido, após o parto, em estado puerperal, ou ele mesmo, a pedido da genitora, executa o delito: ambos respondem por infanticídio (Souza Nucci. Código Penal Comentado. RT)

Infanticídio



A participação de terceiros

Nelson Hungria:
Nas anteriores edições deste volume (Comentários ao Código Penal) sustentamos o ponto de vista de que não tinha aplicação no caso a regra do art. 29, sem atentarmos no seguinte: a incomunicabilidade das qualidades e circunstâncias pessoais, segundo o código helvético é irrestrita (...) ao passo que perante o Código pátrio (Art. 30) é feita uma ressalva: Salvo quando elementares do crime. Insere-se nessa ressalva o caso de que se trata. Assim, em face do nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas a eles cominadas.


André Stefan e a nova visão quanto à participação de terceiros

Predomina, atualmente, o entendimento de que, em sendo a mulher quem realiza os atos materiais tendentes à ocisão da vida do infante, responde ela por infanticídio, delito que também será atribuído aos eventuais concorrentes do fato (por exemplo, a enfermeira que, ciente de tudo, lhe fornece o instrumento utilizado para matar a criança). Isso porque as elementares do crime, ainda que de caráter pessoal (como é o caso do estado puerperal), comunicam-se aos outros autores ou partícipes (art. 30 CP). Se o terceiro, contudo, realizar atos executórios destinados à supressão da vida do nascente ou recém-nascido, responderá por homicídio (André Stefan. Direito penal – Parte Especial. Saraiva).

Infanticídio



I
Puerpério e psicose puerperal

         O Tratado de Psiquiatria Forense de Guido Arturo Palomba (São Paulo: Atheneu Editora, 2003. p.207) diz:

         “O puerpério é o período que vai da dequitação da placenta à volta do organismo materno às condições pré-gravídicas, que dura de cerca de seis a oito semanas. [...] A puérpera pode ser acometida de severa depressão, sentimento de abandono; principalmente a mulher infantil, que encara a criança como uma rival indefesa e independente que competirá com ela pela afeição do marido. Não são raros o infanticídio, o abandono do recém nascido e os atos tresloucados de toda ordem.”

         Com referência ao logo após do art 123 do CP:

         “Embora não conste do Código quanto dura, juridicamente vai até o décimo dia após o parto, o que não coincide com o período puerperal inteiro, que medicamente é sempre maior.”

         O distúrbio mental mais grave que ocorre no puerpério, e não é tão raro assim, é a psicose puerperal, quadro, via de regra, grave, que se inicia normalmente até a quarta semana do parto, com a presença de alucinações auditivas ou visuais, inquietação, agitação, períodos de confusão mental e estupor, intercalados com episódios de lucidez. E comum o humor estar deprimido, podendo associar-se a ideias delirantes paranoides, hipocondríacas e niilistas.”