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domingo, 4 de março de 2018

História do Infanticídio



Um pouco da história do infanticídio


Trecho de um trabalho publicado por João Franco

Na relação entre a mãe e o seu filho a eliminação deste por aquela, após o nascimento, foi mais frequente do que se gostaria de lembrar.  O procedimento de recusa ou o reconhecimento da impossibilidade - quer real ou imaginária - de assumir as responsabilidades da maternidade conduziram mães a duas  opções:  a primeira consistia  no  abandono do filho por doação ou simples depósito ao relento, numa expectativa de ser acolhido por  uma  pessoa caridosa  e a segunda conduzia  ao  simples e puro homicídio. 

O Corão, disciplinando a vida de milhares de seres humanos submetidos as suas normas, já estabelecia como regra o respeito à vida. Condenava o homicídio, ainda que se tratasse de pena; o suicídio era repudiado (“não deveis destruir a vós mesmos”), e o infanticídio constituía-se em crime contra o ser humano e ofensa a Deus, por duvidar de sua providência: “Não mateis vossos filhos por temor a indigência. Nós os proveremos, e a vós. Matá-los é um grande pecado.”
Relatado em toda a antiguidade  o infanticídio foi  melhor  registrado no desenrolar do Séc. XIV, permitindo que se examine o comportamento feminino voltado  a desembaraçar a  mãe dos filhos indesejados, quer  pela  morte  ou por intermédio do abandono  dos  recém-nascidos. É nessa época tornada clara a dificuldade enfrentada pela autoridade, quer civil ou religiosa, para regulamentar e punir o comportamento homicida. 
Se a legislação então vigente sobre o infanticídio se revelava severa, por outro lado tornava-se quase impossível exercer qualquer controle no domínio da vida privada no interior dos campos e lares.  “Existem informações de que aproximadamente 30% das crianças abaixo dos quatro anos perdiam a vida vítimas de acidentes mortais.[1]  Este fato  levou  aos  clérigos  e os que exerciam  o poder  civil a advertirem severamente os responsáveis  pelos recém nascidos,  lembrando  que  cada  infante  morto  pesava na consciência das mães  e das amas. Já no Séc. XV o aprimoramento da legislação tornou possível um aumento de acusações desse delito e julgamento de mulheres infanticidas.  A legislação sobre a morte de crianças recém nascidas chegou a exigir que uma mãe solteira declarasse a sua gravidez, sob pena de, na falta desse, ato ser automaticamente acusada de assassínio se a criança nascesse morta, cabendo o ônus da prova de inocência à mãe.”  (Georges Duby e Michelle Perrot, História das Mulheres, Vol III pág. 111 Ed. Afrontamento-Porto.)

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Conforme Jean Delumeau em “O pecado e o medo” (Vol. 1, Pág 530. Ed.Edusc São Paulo 2003) a Igreja Católica propagou o medo da morte sem batismo. Essa é a razão principal do Édito de Henrique II em 1556 ordenando às moças grávidas que declarassem seu estado, e depois do parto, às autoridades, agindo então o rei num contexto de cristandade como responsável pela vida, mais ainda pela salvação espiritual de seus súditos. O texto do edito prova o grande temor do soberano e de seus conselheiros era que as moças seduzidas, fazendo desaparecer os filhos ilegítimos, os privassem do batismo. O infanticídio era grave, sobretudo porque excluía a sua vítima do paraíso. Tendo a criança “sido privada do batismo e da sepultura pública e habitual”, declara o edito que a mãe seja “tida como assassina de seu filho”. E “como reparação punida de morte e derradeiro suplício, e com o rigor que a qualidade do caso merecer”.
  
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Existia uma verdadeira angústia na época medieval no tocante a certeza quanto à legitimidade da filiação. Nas reuniões sociais ou nos lares os contos eram um entretenimento comum e as narrativas veladamente ameaçavam as esposas dos nobres de trazerem à luz monstros disformes em caso de adultério através de trágicas histórias.  Nas classes menos abastadas tudo conduzia a facilitar uma gestação não desejada, a partir do insuficiente espaço nas casas onde um só quarto abrigava todos os seus habitantes; do ambiente rústico onde se desenrolava  a vida; dos débeis laços de autoridade urdidos entre aqueles que estavam primordialmente preocupados em obter o mínimo de alimento para assegurar a sobrevivência;  do fato - hoje esquecido - de que a expectativa de vida  raramente atingia quatro décadas;  do total desconhecimento de métodos anticoncepcionais dando  margem à proliferação de poções e tinturas tão  inúteis a  esse fim como o uso de amuletos.  A isso se unia a  severa  noção do pecado  da  concupiscência  e  a  consequente  repulsa  a indisfarçável  culpada.  A mãe não casada tornava-se um fardo social  e motivo de vergonha para sua própria família, obrigada a coabitar com uma pecadora que gerava filhos “bastardos”. 
  
Ocorria na época uma particular situação: até os chamados filhos bastardos, ou seja, os gerados fora do casamento por linha paterna podiam contribuir para a riqueza de uma linhagem, inclusive na nobreza, sendo, contudo, - salvo por doação direta - difícil a eles participar dos bens paternos por ocasião da distribuição dos quinhões hereditários.  E nesses momentos era uma presença, no mínimo, incômoda.

Este tipo de fecundidade fora do casamento era interdito na linha feminina, podendo levar à morte da acusada.  Deve-se admitir que fosse difícil apresentar provas de adultério feminino quando os filhos nasciam no quadro do casamento. As raras acusações sobre relações adulterinas registradas em nível de nobreza, como as apontadas à Rainha Guinevere, esposa do Rei Arthur, geralmente terminavam  em  uma  ordália,  enquanto  a  “leitura  das ricordanzi burguesas é encontrar um  bando de bastardos domésticos.  Margherita Datini  queixa-se de suas empregadinhas (1390), e  o cambista  Lippo del Sega  festeja  seus  setenta  anos violando sua criada (Florença, 1363).  Em casa  a presença de primas e sobrinhas pode  ser perturbadora, sobretudo  quando  se  partilha  o  mesmo quarto.  Processos por incesto são por vezes julgados  perante  os  tribunais (Uma prima, uma sobrinha,  Condado de Pisa, 1413)” (Philippe Ariés e Georges Duby, História da Vida Privada, Vol II, pág. 296  Companhia das Letras)


HISTÓRICO

O Direito Romano considerava a morte do filho como consequência de ação do pai um não crime, um direito do mesmo, já que ele dispunha do jus vitea et nescis. A mesma ação praticada pela mãe era considerada como parricídio.

As crianças nascidas com deformidade ou aspecto monstruoso poderiam ser mortas de conformidade com a Lei das XII Tábuas (Século V a.C.) Só com o Código Justiniano, que sofreu pesada influencia do cristianismo é que houve alteração em tal aceitação, com a cominação de severas penas em caso de morte das crianças recém nascidas.

O Direito Canônico considerou o dever de proteção e cuidado por parte dos pais, a debilidade da vítima e a premeditação na prática de tal morte, punindo com rigor a morte do filho pelos pais, considerando a ação como homicídio.

Com o Iluminismo, sob a aparência de benignidade e compreensão sobre os dramas pessoais por parte de algumas mães foi proposto um tratamento mais tolerante. Em Beccaria (Dos delitos e das penas. § 36) se vê a justificativa do tratamento benevolente: 

“[...] o infanticídio é o efeito quase inevitável alternativa em que se vê uma desgraçada, que apenas cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu aos esforços da violência. Por uma parte a infâmia, da outra a morte de um ente incapaz de avaliar a perda da existência: como não preferiria essa última alternativa que a subtrai à vergonha, à miséria, juntamente com o infeliz filhinho?”

A partir de 1800 o infanticídio passou a ser visto como um homicídio privilegiado, devendo ser verificado as condições físicas e psíquicas da mulher durante o parto, buscando o equilíbrio entre o conflito envolvendo a lei, a prevalência da honra e o instinto maternal.

No Brasil Império (1830) estava prevista uma pena reduzida à mãe que matasse o filho para ocultar desonra própria. Um terceiro envolvido na morte da criança ao nascer seria igualmente beneficiado com essa pena reduzida se o fizesse na primeira semana de vida. 

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