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domingo, 3 de setembro de 2017

Espaço do acadêmico - Maria Alice Pereira Pinto de Melo


O SUICÍDIO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO E O TRATAMENTO LEGAL DADO AO INSTITUTO DO “PACTO DA MORTE”


RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de destrinchar o instituto do suicídio, vislumbrado no art. 122 do Código Penal, em todas as suas nuances, seja de induzir, instigar ou auxiliar o comportamento e a conduta suicida, fazendo, ainda, uma conexão do que é conhecido como Pacto de Morte na sociedade brasileira.

Para Cézar Roberto Bitencourt, “embora não se reconheça ao ser humano a faculdade de dispor da própria vida, a ação de matar-se escapa à consideração do Direito Penal. A não-incriminação do suicídio não exclui, contudo, o seu caráter ilícito”. Isso porque a supressão de um bem jurídico indisponível, como é a vida, caracteriza sempre um ato ilícito. Mesmo diante de sua ilicitude,  já que a ninguém é dado o direito de matar-se, por razões mais do que óbvias, o suicídio não é uma conduta típica.

Pela inexistência de função preventiva da pena, nem mesmo a tentativa de suicídio é crime, pois quem atenta contra a própria vida não vai se dissuadir pela ameaça da pena.  Ainda conforme Bitencourt, “se o fato consumou-se, o suicida deixou de existir e escapou do Direito Penal assim como lhe escapou a própria vida; se, eventualmente, o suicida falhar em sua tentativa, qualquer sanção que lhe pudesse ser imposta serviria somente para reforçar-lhe a liberação de morrer”.

A partir de conceitos simples, é possível definir o suicídio como a eliminação voluntária e direta da própria vida; ou, como a autoeliminação consciente da própria existência. Durkheim, por sua vez, definiu o suicídio como toda morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo da própria vítima que esta esteja ciente que produz esse resultado.

Partindo, ainda, da sociologia durkheiniana, tem-se a ideia de que os suicídios estavam relacionados com fatores sociais. Nota-se, na contemporaneidade, um cenário potencializador da prática do suicídio, uma vez que o país como um todo encontra-se mergulhado numa crise econômica e institucional, impulsionando comportamentos extremos como o suicídio.

Por motivos lógicos, o Direito Penal não pune o crime de suicídio por si só. Assim, pune-se, na verdade, a conduta de induzir, instigar ou prestar auxílio à pratica do suicídio. 
O art. 122, do Código Penal, estabelece que:

“Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:”

Pena – reclusão, de 2 (dois) anos a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo único. A pena é duplicada:

Aumento de Pena
I – Se o crime é praticado por motivo egoístico;
II – Se a vitima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.


Percebe-se que, dentro de um mesmo tipo incriminador, encontram-se três condutas distintas: a primeira delas é a de induzir, que significa suscitar, fazer surgir uma ideia até então inexistente; instigar que se constitui como a conduta de animar, estimular, reforçar uma ideia existente. Essas duas primeiras são reconhecidas dentro da seara da participação moral, em que o sujeito ativo age sobre a vontade do autor, quer provocando para que surja nele a vontade de cometer o crime (induzimento), quer estimulando a ideia existente (instigação), mas, de qualquer modo, influindo moralmente para a prática do crime.

Prestar auxílio representa, ao contrário das duas modalidades anteriores, uma participação ou contribuição material do sujeito ativo, que pode ser exteriorizada mediante um comportamento, um auxílio material. Pode efetivar-se, por exemplo, por meio do empréstimo da arma do crime. Jamais o auxílio pode se misturar com a execução da morte. Se o auxílio passar a ser a própria execução, o crime será de homicídio e não de participação em suicídio.

Se o suicídio se consuma, a pessoa que, de algum modo, participou para a prática do suicídio pode incidir sobre a pena de reclusão de dois a seis anos; e na hipótese da tentativa do suicídio resultar uma lesão corporal de natureza grave, a pena será de reclusão de um a três anos.

O parágrafo único do art. 122 apresenta qualificadoras do crime, que, quando reconhecidas, impõem a duplicação da pena. São elas:

I – crime praticado por motivo egoístico,que é aquele que demonstra excessiva preocupação do autor consigo, fazendo pouco caso da vida alheia;

II – se a vítima for menor, entretanto, o Código não estabelece qual é o limite de idade do menor, mas deve-se  considerar, nessa hipótese, a pessoa entre 14 e 18 anos incompletos, pois considera-se que o menor de 14 anos não tem capacidade de discernimento para tal ato;

III – se a vítima tem a capacidade de discernimento diminuída por qualquer causa, ou seja, redução da capacidade de resistência à ideia de suicidar-se.


Feita a análise do conteúdo do art. 122 do Código Penal, é possível apreciar o instituto do Pacto de Morte.

Paul Lafargue, revolucionário socialista e jornalista franco-cubano, escritor e ativista político e genro de Karl Marx, firmou um pacto de morte com sua esposa, Laura, filha do filósofo, vindo a falecer em 26 de novembro de 1911. Antes de morrer, Paul deixou a seguinte carta:

Estando são de corpo e espírito, deixo a vida antes que a velhice imperdoável me arrebate, um após outro, os prazeres e as alegrias da existência e que me despoje também das forças físicas e intelectuais; antes que paralise a minha energia, que quebre a minha vontade e que me converta numa carga para mim e para os demais. Há anos que prometi a mim mesmo não ultrapassar os setenta; por isso, escolho este momento para me despedir da vida, preparando para a execução da minha decisão uma injeção hipodérmica com ácido cianídrico.


O pacto de morte, também chamado de ambicídio, ocorre quando duas pessoas decidem cometer suicídio juntas. Seria o que Bitencourt chama de “suicídio a dois”.

O Código Penal trata a hipótese de ambicídio da seguinte forma:

a.       Se a pessoa que tiver realizado o ato executório for a única a sobreviver, será responsabilizada por homicídio (art. 121, CP). Todavia, se a conduta do sobrevivente corresponder apenas a induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, responderá pelo crime do art. 122 do CP.

b.       Na hipótese de não ocorrer morte, o sujeito que praticou a conduta executória responderá por tentativa de homicídio (art. 121, c/c o art. 14, II, CP). Por outro lado, o sujeito que induziu, instigou ou auxiliou no propósito suicida incorrerá no art. 122 do CP (com pena de 1 a 3 anos – é o denominado suicídio frustrado), desde que na outra pessoa que pretendia se matar, mas não conseguiu, tenha sido causada ao menos lesão corporal grave.

Por fim, em Brasília, um caso chamou bastante atenção.  Em março de 2007, a servidora Maria Aparecida Lima da Silva, de 38 anos, técnica do STJ (Superior Tribunal de Justiça), fez um pacto com o amante Kleber Ferreira Gusmão Ferraz. Eles iriam se suicidar, tomando veneno. O romance com ares de Romeu e Julieta termina aí: apenas ela tomou o veneno, e o homem, além de ter usufruído do dinheiro da servidora, era casado e pai de dois filhos.

Narra a denúncia apresentada pelo Ministério Público, que "no dia 05 de março de 2007, por volta das 13h30, no (...) Bay Park Hotel, (...) a vítima MARIA APARECIDA (...), sob o domínio completo da vontade do acusado, ingeriu substância química capaz de produzir a sua própria morte, vindo a óbito apesar do atendimento médico". Explica a peça acusatória que o réu teria utilizado o estado depressivo da moça para manipulá-la, levando-a ao suicídio. Os dois teriam um "relacionamento amoroso bastante conturbado" e ele teria tirado proveito financeiro da mulher ao "extremo, a ponto de levar a vítima a endividar-se no auxílio do sustento do mesmo." Continua a denúncia explicando que "depois de usufruir dos recursos financeiros de que a vítima dispunha, fazendo com que a mesma inclusive estipulasse um seguro de vida tendo o mesmo como beneficiário, o acusado começou a sugerir a prática de suicídio, fazendo-a crer que iria suicidar-se junto desta, preparando inclusive o local onde seria concretizado o mórbido ajuste, bem como (teria) adquirido a substância que seria utilizada para o evento".
O réu, que responde ao processo preso, foi pronunciado por homicídio duplamente qualificado (artigo 121, § 2º, incisos I e III, do Código Penal). Sustenta o Ministério Público que Kleber "agiu por motivo torpe", por ter levado a vítima a uma situação de insolvência financeira na qual somente sua morte traria lucro a ele, "em decorrência do seguro de vida do qual era beneficiário". Poderá pesar também contra ele o fato de ter utilizado meio cruel de morte - veneno.


Em seguida, a sentença condenatória de Kleber na íntegra:

Processo: 2007.01.1.022531-3  Vara: 11 - TRIBUNAL DO JURI

KLEBER FERREIRA GUSMÃO FERRAZ, devidamente qualificado nos autos, foi indiciado, denunciado e pronunciado como incurso nas penas do artigo 121, § 2º, incisos I e III do Código Penal, sob a alegação de que, no dia 05 de março de 2007, por volta das 13:30 horas, no quarto nº 3425, do Bay Park Hotel, situado no Setor de Clubes Norte, nesta Capital, a vítima MARIA APARECIDA LIMA DA SILVA, sob o domínio completo da vontade do acusado, ingeriu substância química, que lhe causou a morte, apesar do atendimento médico recebido. Consta, ainda, ser a ofendida detentora de um comportamento depressivo e neurótico, havendo o réu valendo-se dessas circunstâncias, que tornavam a vítima facilmente manipulável, sendo, então, induzida a praticar a auto-eliminação, para cujo ato fora auxiliado pelo pronunciado o qual, inclusive, preparou o local e adquiriu a substância química ventilada. Por fim, relata-se ter o ilícito sido cometido por motivo torpe, eis que para propiciar o recebimento de indenização securitária, bem assim com emprego de veneno.

Submetido o caso a julgamento, o ilustre representante do Ministério Público postulou a condenação sustentando a peça acusatória nos limites da pronúncia. A nobre Defesa requereu a absolvição, a pretexto de não haver o réu cometido o fato que lhe é imputado. Alternativamente, buscou o decote das qualificadoras e a desclassificação do fato para o crime previsto no artigo 122, do Código Penal.

O Conselho de Sentença respondeu positivamente aos dois primeiros quesitos, portanto, reconheceram a materialidade e autoria do ilícito imputado ao réu. No quarto quesito, não absolveu o acusado. Prosseguindo, acatou as qualificadoras de motivo torpe e do uso de veneno.

Em face desta decisão soberana do Conselho de Sentença, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado para condenar KLEBER FERREIRA GUSMÃO FERRAZ, como incurso no art. 121, § 2º, incisos I e III, do Código Penal.

Atento às diretrizes dos artigos 59 e 68, do Código Penal, passo à fixação da pena. O réu agiu com culpabilidade eis que sabedor do caráter ilícito de sua conduta não se determinou de forma diversa, conforme apurado pericialmente; O grau de censurabilidade do ato afigura-se extremado, mormente em face da premeditação e dos motivos egoísticos que tangenciam o ilícito;

O pronunciado é tecnicamente primário e não ostenta maus antecedentes, todavia, considerando suas próprias declarações, tem-se por não recomendável a sua conduta social, havia vista que, embora casado e pai de dois filhos, tinha por hábito envolver-se com outras mulheres, causando-lhes prejuízo financeiro. Por fim, segundo apurado em laudo técnico, pode-se afirmar possuir personalidade que o qualifica como manipulador e capaz de passar-se como vítima das situações em que se envolve, demonstrando, também, manifesta insensibilidade com o sentimento das pessoas que cativa;

As consequências do ilícito foram as comuns para o tipo, ressaltando- -se que foi ceifada, prematuramente, uma vida humana.

Neste contexto, tenho como suficiente à prevenção e reprovação do crime, na forma do artigo 59, do CP, a pena base de 15 (quinze) anos de reclusão, salientando-se que, reconhecidas duas qualificadoras, a última causa será utilizada para integrar as circunstancias agravantes na segunda fase. Em seguida, majoro a reprimenda em dois anos, por ter o fato sido praticado mediante o uso de veneno - art. 61, II, alínea "d", do CP. Considerando a ausência de outras causas modificadoras, torno a reprimenda definitiva em 17 ( DEZESSETE) ANOS DE RECLUSÃO.

Fixo para o cumprimento da pena, inicialmente, o regime fechado nos termos do art. 33, § 2º, alínea "a", do Código Penal. Não concedo ao réu o direito de apelar em liberdade, pois ainda persistem na íntegra os fundamentos que embasaram a decretação de sua custódia antecipada. Isento o apenado do pagamento das custas processuais.

Ocorrendo o trânsito em julgado, comunique-se à Justiça Eleitoral (art. 72, § 2º, do Código Eleitoral - para os fins do artigo 15, inciso III, da CF/88), e lance-se o nome do réu no Rol dos Culpados, bem como se façam as devidas anotações e comunicações de estilo, oficiando-se ao I.N.I. e à Distribuição, expedindo-se, ainda, a Carta de Sentença.

Sentença publicada e intimados os presentes, nesta Sessão de Julgamento.

Registre-se. Cumpra-se.

Sala das Sessões Plenárias do Tribunal do Júri da Circunscrição Judiciária de Brasília, aos 30 dias de agosto de 2011, à 1h15min.
Brasília - DF, terça-feira, 30/08/2011 às 01h17.






REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, crimes contra a pessoa. Vol. 2. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 149.

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Amante que não honrou pacto suicida responderá por morte de servidora do STJ.  Disponível em: <https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/104295/amante-que-nao-honrou-pacto-suicida-respondera-por-morte-de-servidora-do-stj> Acesso em: 28 de agosto de  2017 às 14:55.


Jus Vigilantibus. Desembargadores dizem que morte de servidora do STJ foi homicídio. Disponível em: Acesso em: 30 de agosto de 2017 às 18:38.


Revista TJDFT. Decisões históricas. Crimes cibernéticos.  Ano V, no 09. 2012, p. 15. Disponível em: Acesso em: 31 de agosto às 11:00.

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