O SUICÍDIO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO E O
TRATAMENTO LEGAL DADO AO INSTITUTO DO “PACTO DA MORTE”
RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de destrinchar
o instituto do suicídio, vislumbrado no art. 122 do Código Penal, em todas as
suas nuances, seja de induzir, instigar ou auxiliar o comportamento e a conduta
suicida, fazendo, ainda, uma conexão do que é conhecido como Pacto de Morte na
sociedade brasileira.
Para
Cézar Roberto Bitencourt, “embora não se reconheça ao ser humano a faculdade de
dispor da própria vida, a ação de matar-se escapa à consideração do Direito
Penal. A não-incriminação do suicídio não exclui, contudo, o seu caráter
ilícito”. Isso porque a supressão de um bem jurídico indisponível, como é a
vida, caracteriza sempre um ato ilícito. Mesmo diante de sua ilicitude, já que a ninguém é dado o direito de matar-se,
por razões mais do que óbvias, o suicídio não é uma conduta típica.
Pela
inexistência de função preventiva da pena, nem mesmo a tentativa de suicídio é
crime, pois quem atenta contra a própria vida não vai se dissuadir pela ameaça
da pena. Ainda conforme Bitencourt, “se
o fato consumou-se, o suicida deixou de existir e escapou do Direito Penal
assim como lhe escapou a própria vida; se, eventualmente, o suicida falhar em
sua tentativa, qualquer sanção que lhe pudesse ser imposta serviria somente
para reforçar-lhe a liberação de morrer”.
A
partir de conceitos simples, é possível definir o suicídio como a eliminação
voluntária e direta da própria vida; ou, como a autoeliminação consciente da
própria existência. Durkheim, por sua vez, definiu o suicídio como toda morte
que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo da própria
vítima que esta esteja ciente que produz esse resultado.
Partindo,
ainda, da sociologia durkheiniana, tem-se a ideia de que os suicídios estavam
relacionados com fatores sociais. Nota-se, na contemporaneidade, um cenário
potencializador da prática do suicídio, uma vez que o país como um todo
encontra-se mergulhado numa crise econômica e institucional, impulsionando comportamentos
extremos como o suicídio.
Por
motivos lógicos, o Direito Penal não pune o crime de suicídio por si só. Assim,
pune-se, na verdade, a conduta de induzir, instigar ou prestar auxílio à
pratica do suicídio.
O art.
122, do Código Penal, estabelece que:
“Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para
que o faça:”
Pena – reclusão, de 2
(dois) anos a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão de 1 (um) a
3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza
grave.
Parágrafo único. A
pena é duplicada:
Aumento de Pena
I – Se o crime é
praticado por motivo egoístico;
II – Se a vitima é
menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.
Percebe-se que, dentro de um
mesmo tipo incriminador, encontram-se três condutas distintas: a primeira delas
é a de induzir, que significa suscitar, fazer surgir uma ideia até então
inexistente; instigar que se constitui
como a conduta de animar, estimular, reforçar uma ideia existente. Essas duas
primeiras são reconhecidas dentro da seara da participação moral, em que o
sujeito ativo age sobre a vontade do autor, quer provocando para que surja nele
a vontade de cometer o crime (induzimento), quer estimulando a ideia existente
(instigação), mas, de qualquer modo, influindo moralmente para a prática do
crime.
Prestar auxílio representa, ao contrário das duas
modalidades anteriores, uma participação ou contribuição material do sujeito
ativo, que pode ser exteriorizada mediante um comportamento, um auxílio
material. Pode efetivar-se, por exemplo, por meio do empréstimo da arma do
crime. Jamais o auxílio pode se
misturar com a execução da morte. Se o auxílio passar a ser a própria execução, o crime será
de homicídio e não de participação em suicídio.
Se o suicídio se consuma, a pessoa que,
de algum modo, participou para a prática do suicídio pode incidir sobre a pena de
reclusão de dois a seis anos; e na hipótese da tentativa do suicídio resultar
uma lesão corporal de natureza grave, a pena será de reclusão de um a três
anos.
O
parágrafo único do art. 122 apresenta qualificadoras do crime, que, quando
reconhecidas, impõem a duplicação da pena. São elas:
I –
crime praticado por motivo egoístico,que é aquele que demonstra excessiva preocupação do autor
consigo, fazendo pouco caso da vida alheia;
II – se a vítima
for menor, entretanto, o Código não estabelece qual é o limite de idade do
menor, mas deve-se considerar, nessa hipótese, a pessoa entre 14
e 18 anos incompletos, pois considera-se que o menor de 14 anos não tem
capacidade de discernimento para tal ato;
III – se a vítima tem a capacidade de
discernimento diminuída por qualquer causa, ou seja, redução da capacidade de
resistência à ideia de suicidar-se.
Feita a análise do conteúdo do art. 122
do Código Penal, é possível apreciar o instituto do Pacto de Morte.
Paul Lafargue, revolucionário
socialista e jornalista franco-cubano, escritor e ativista político e genro de
Karl Marx, firmou um pacto de morte com sua esposa, Laura, filha do filósofo,
vindo a falecer em 26 de novembro de 1911. Antes de morrer, Paul deixou a
seguinte carta:
“Estando são de corpo e
espírito, deixo a vida antes que a velhice imperdoável me arrebate, um após
outro, os prazeres e as alegrias da existência e que me despoje também das
forças físicas e intelectuais; antes que paralise a minha energia, que quebre a
minha vontade e que me converta numa carga para mim e para os demais. Há anos
que prometi a mim mesmo não ultrapassar os setenta; por isso, escolho este
momento para me despedir da vida, preparando para a execução da minha decisão
uma injeção hipodérmica com ácido cianídrico.”
O pacto de morte, também chamado de
ambicídio, ocorre quando duas pessoas decidem cometer suicídio juntas. Seria o
que Bitencourt chama de “suicídio a dois”.
O Código Penal trata a hipótese de
ambicídio da seguinte forma:
a. Se a
pessoa que tiver realizado o ato executório for a única a sobreviver, será
responsabilizada por homicídio (art. 121, CP). Todavia, se a
conduta do sobrevivente corresponder apenas a induzimento, instigação ou
auxílio a suicídio, responderá pelo crime do art. 122 do CP.
b. Na
hipótese de não ocorrer morte, o sujeito que praticou a conduta executória
responderá por tentativa de homicídio (art. 121, c/c o art. 14, II, CP).
Por outro lado, o sujeito que induziu, instigou ou auxiliou no propósito
suicida incorrerá no art. 122 do CP (com
pena de 1 a 3 anos – é o denominado suicídio frustrado),
desde que na outra pessoa que pretendia se matar, mas não conseguiu, tenha sido
causada ao menos lesão corporal grave.
Por fim, em Brasília, um caso chamou
bastante atenção. Em
março de 2007, a servidora Maria Aparecida Lima da Silva, de 38 anos, técnica
do STJ (Superior Tribunal de Justiça), fez um pacto com o amante Kleber
Ferreira Gusmão Ferraz. Eles iriam se
suicidar, tomando veneno. O romance com ares de Romeu e Julieta termina aí:
apenas ela tomou o veneno, e o homem, além de ter usufruído do dinheiro da
servidora, era casado e pai de dois filhos.
Narra a denúncia
apresentada pelo Ministério Público, que "no dia 05 de março de 2007, por
volta das 13h30, no (...) Bay Park Hotel, (...) a vítima MARIA APARECIDA (...),
sob o domínio completo da vontade do
acusado, ingeriu substância química capaz de produzir a sua própria morte,
vindo a óbito apesar do atendimento médico". Explica a peça acusatória
que o réu teria utilizado o estado
depressivo da moça para manipulá-la, levando-a ao suicídio. Os dois teriam
um "relacionamento amoroso bastante conturbado" e ele teria tirado
proveito financeiro da mulher ao "extremo, a ponto de levar a vítima a
endividar-se no auxílio do sustento do mesmo." Continua a denúncia
explicando que "depois de usufruir dos recursos financeiros de que a
vítima dispunha, fazendo com que a mesma inclusive estipulasse um seguro de
vida tendo o mesmo como beneficiário, o
acusado começou a sugerir a prática de suicídio, fazendo-a crer que iria
suicidar-se junto desta, preparando inclusive o local onde seria
concretizado o mórbido ajuste, bem como (teria) adquirido a substância que
seria utilizada para o evento".
O réu, que responde ao processo preso, foi pronunciado por homicídio
duplamente qualificado (artigo 121, § 2º, incisos I e III, do Código Penal). Sustenta o
Ministério Público que Kleber "agiu por motivo torpe", por ter levado
a vítima a uma situação de insolvência financeira na qual somente sua morte
traria lucro a ele, "em decorrência do seguro de vida do qual era
beneficiário". Poderá pesar também contra ele o fato de ter utilizado meio
cruel de morte - veneno.
Em seguida, a sentença condenatória de Kleber na íntegra:
Processo: 2007.01.1.022531-3 Vara: 11 - TRIBUNAL DO JURI
KLEBER FERREIRA
GUSMÃO FERRAZ, devidamente qualificado nos autos, foi indiciado, denunciado e
pronunciado como incurso nas penas do
artigo 121, § 2º, incisos I e III do Código Penal, sob a alegação de que,
no dia 05 de março de 2007, por volta das 13:30 horas, no quarto nº 3425, do
Bay Park Hotel, situado no Setor de Clubes Norte, nesta Capital, a vítima MARIA APARECIDA LIMA DA SILVA, sob
o domínio completo da vontade do acusado, ingeriu substância química, que lhe
causou a morte, apesar do atendimento médico recebido. Consta, ainda, ser a ofendida detentora de um comportamento
depressivo e neurótico, havendo o réu valendo-se dessas circunstâncias, que tornavam
a vítima facilmente manipulável, sendo, então, induzida a praticar a
auto-eliminação, para cujo ato fora auxiliado pelo pronunciado o qual,
inclusive, preparou o local e adquiriu a substância química ventilada. Por
fim, relata-se ter o ilícito sido cometido
por motivo torpe, eis que para propiciar o recebimento de indenização
securitária, bem assim com emprego de veneno.
Submetido o caso a
julgamento, o ilustre representante do Ministério Público postulou a condenação
sustentando a peça acusatória nos limites da pronúncia. A nobre Defesa requereu
a absolvição, a pretexto de não haver o réu cometido o fato que lhe é imputado.
Alternativamente, buscou o decote das qualificadoras e a desclassificação do
fato para o crime previsto no artigo 122, do Código Penal.
O Conselho de
Sentença respondeu positivamente aos dois primeiros quesitos, portanto,
reconheceram a materialidade e autoria do ilícito imputado ao réu. No quarto
quesito, não absolveu o acusado. Prosseguindo, acatou as qualificadoras de
motivo torpe e do uso de veneno.
Em face desta
decisão soberana do Conselho de Sentença, JULGO
PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado para condenar KLEBER FERREIRA GUSMÃO
FERRAZ, como incurso no art. 121, § 2º, incisos I e III, do Código Penal.
Atento às diretrizes
dos artigos 59 e 68, do Código Penal, passo à fixação da pena. O réu agiu com
culpabilidade eis que sabedor do caráter ilícito de sua conduta não se
determinou de forma diversa, conforme apurado pericialmente; O grau de
censurabilidade do ato afigura-se extremado, mormente em face da premeditação e
dos motivos egoísticos que tangenciam o ilícito;
O pronunciado é
tecnicamente primário e não ostenta maus antecedentes, todavia, considerando
suas próprias declarações, tem-se por não recomendável a sua conduta social,
havia vista que, embora casado e pai de dois filhos, tinha por hábito
envolver-se com outras mulheres, causando-lhes prejuízo financeiro. Por fim,
segundo apurado em laudo técnico, pode-se afirmar possuir personalidade que o
qualifica como manipulador e capaz de passar-se como vítima das situações em
que se envolve, demonstrando, também, manifesta insensibilidade com o
sentimento das pessoas que cativa;
As consequências
do ilícito foram as comuns para o tipo, ressaltando- -se que foi ceifada, prematuramente,
uma vida humana.
Neste contexto,
tenho como suficiente à prevenção e reprovação do crime, na forma do artigo 59,
do CP, a pena base de 15 (quinze) anos de reclusão, salientando-se que,
reconhecidas duas qualificadoras, a última causa será utilizada para integrar
as circunstancias agravantes na segunda fase. Em seguida, majoro a reprimenda
em dois anos, por ter o fato sido praticado mediante o uso de veneno - art. 61,
II, alínea "d", do CP. Considerando a ausência de outras causas modificadoras,
torno a reprimenda definitiva em 17 ( DEZESSETE) ANOS DE RECLUSÃO.
Fixo para o
cumprimento da pena, inicialmente, o regime fechado nos termos do art. 33, §
2º, alínea "a", do Código Penal. Não concedo ao réu o direito de
apelar em liberdade, pois ainda persistem na íntegra os fundamentos que
embasaram a decretação de sua custódia antecipada. Isento o apenado do
pagamento das custas processuais.
Ocorrendo o
trânsito em julgado, comunique-se à Justiça Eleitoral (art. 72, § 2º, do Código
Eleitoral - para os fins do artigo 15, inciso III, da CF/88), e lance-se o nome
do réu no Rol dos Culpados, bem como se façam as devidas anotações e
comunicações de estilo, oficiando-se ao I.N.I. e à Distribuição, expedindo-se,
ainda, a Carta de Sentença.
Sentença
publicada e intimados os presentes, nesta Sessão de Julgamento.
Registre-se.
Cumpra-se.
Sala
das Sessões Plenárias do Tribunal do Júri da Circunscrição Judiciária de
Brasília, aos 30 dias de agosto de 2011, à 1h15min.
Brasília
- DF, terça-feira, 30/08/2011 às 01h17.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, crimes contra a
pessoa. Vol. 2. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 149.
Rede de Ensino
Luiz Flávio Gomes. Amante que não honrou pacto
suicida responderá por morte de servidora do STJ. Disponível em: <https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/104295/amante-que-nao-honrou-pacto-suicida-respondera-por-morte-de-servidora-do-stj>
Acesso em: 28 de agosto de 2017 às
14:55.
Jus
Vigilantibus. Desembargadores dizem que morte de
servidora do STJ foi homicídio. Disponível em:
Acesso em: 30 de agosto de 2017 às 18:38.
Revista
TJDFT. Decisões históricas. Crimes
cibernéticos. Ano V, no
09. 2012, p. 15. Disponível em:
Acesso em: 31 de agosto às 11:00.
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