Lesão Corporal no Feto?
A primeira indagação pertinente ao assunto é: O feto ou nascituro pode ser sujeito passivo no crime de lesões corporais? Uma questão um tanto obscura e polêmica, que o atual código penal (CP de 1988) não responde e me parece ser ainda pouco explorado nas salas de aula de Direito.
O Código Penal brasileiro em vigor dedica o capítulo dois da parte
especial, “Das Lesões Corporais”, a esta modalidade de crime, consagrada no
artigo 129, o qual diz que está sujeito a pena de detenção aquele que, in
verbis “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”. Existe um embate
doutrinário sobre a extensão, o que englobaria o termo “Outrem” e se o
nascituro estaria “coberto” por tal proteção. A questão do nascituro ou feto
vai ser o ponto principal, ao qual irei me debruçar neste pequeno texto.
Antes de mais nada, deve ficar claro que o pensamento majoritário, ou
dominante, defendido na doutrina é que NÃO estaria englobado o Nascituro na
extensão do termo “Outrem”. Raciocínio este que pode ser observado nas palavras
de André Estefam (Direito Penal Vol. 2 São Paulo: Saraiva. 2010) que diz: “Só
pode figurar como sujeito passivo do crime o ser humano nascido. Não há
qualquer outro requisito para ser vítima do delito.", mesmo que tal frase
tenha uma generalização equivocada (derivada do meu corte), tendo em vista os
art. 124 a 127, os quais tratam do aborto, a frase expressa adequadamente, o
pensamento majoritário sobre o assunto. Pensamento este que irei defender a
seguir.
Em uma primeira análise é crime comprometer a vida ou a saúde de alguém de
mesma condição, ou seja, de outra pessoa. Neste caso, especifico, o feto não
sendo pessoa estaria fora dessa proteção e assim não se poderia aplicar o tipo
penal aqui considerado (Art. 129 do CP). Em suma, o feto só é objeto da tutela
penal nos casos de aborto.
Feto ou nascituro em definição é aquele que foi concebido e ainda não nasceu. A
personalidade jurídica e o reconhecimento desta é fruto do nascimento como explicita
o art. 2 do nosso Código Civil que diz, In verbis: “A personalidade
civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro”. Desta maneira, a lei não confere ao feto
o título de pessoa e a personalidade Jurídica propriamente dita, mesmo
resguardando-lhe seus direitos civis futuros por meio de normas de justa
proteção de seus interesses; no que se refere à ótica do direito penal ou do
código penal, por assim dizer, o Estado coloca o nascituro sob a proteção
incondicional, quando sanciona o aborto provocado, entre os crimes contra a
vida, desde o momento da fecundação até instantes antes do parto. Contudo, não
existe tipificação específica sobre a lesão.
É notório que a vida humana tem algo muito emblemático e não pode ter seus
limites determinados por simples fases de estruturas celulares, conjuntos e
etc. A defesa e a proteção da pessoa humana na importância e na dimensão que se
espera do que fundamenta os direitos humanos, exige no mesmo sentido e nos
mesmos valores o reconhecimento de todos aqueles que se encontram em qualquer
estágio de vida, inclusive no estado embrionário. Desta forma, não pretendo
entrar no mérito da discussão sobre onde ou quando a vida surge ou adentrar em
qualquer meio moral ou religioso, porém defendo a proteção ao princípio da
taxatividade das normas penais. Este princípio se encontra ligado à técnica
redacional legislativa. Não basta existir uma lei que define uma conduta como
crime. A norma incriminadora legal deve ser clara, compreensível, permitindo ao
cidadão a real consciência acerca da conduta punível pelo Estado. As normas não
podem ser abertas a livre interpretação e ao arbítrio da autoridade, deve-se
prezar pela segurança jurídica e manutenção do “status” ultima ratio do Direito
Penal, assim, o enquadramento do nascituro, que penalmente não tem
personalidade ou seria uma pessoa, não é possível por falta de explicitação do
código penal.
Vale destacar que não estou criticando a discricionariedade mas a possibilidade
de Novatio Legis pelas autoridades. Um argumento que merece destaque é que o
nascituro e a mãe são pessoas diferentes, entretanto, este não tem forma física
definitiva até o 6º ou 7º mês, o que afastaria qualquer hipótese de lesão
corporal durante esse período, por ser bastante difícil estabelecer um limite
corpóreo entre o feto e a mãe. Há quem entenda que o ser nascente faz parte do
organismo materno, de modo que as lesões nele praticadas poderiam ser
enquadradas como crime de lesão corporal (a vítima seria a genitora).
Semelhante raciocínio, todavia, não pode prevalecer. Fosse o nascituro parte
integrante do organismo da mãe, ela própria figuraria como vítima no crime de
aborto, em qualquer de suas formas. Ficaria em dúvida, então, a validade da
punição do auto aborto. Isso porque a mulher grávida seria autora e vítima do
crime. O ato poderia ser considerado como uma espécie de autolesão.
Outro ponto a ser destacado é que existiria uma incoerência injustificável no
tratamento penal das lesões corporais praticadas no nascituro. Isto porque não
se pune a forma culposa da morte do ser nascente, mas, ao se permitir o
enquadramento da provocação das lesões corporais no art. 129, seria crime a
lesão culposa no feto. Tal situação abriria precedentes para situações
absurdas, como uma mãe que por imperícia ingere uma quantidade maior de algum
medicamento que venha a lesionar o feto e por esse motivo venha a ser
enquadrada como Lesão corporal culposa.
Existe outra corrente que defende
a possibilidade do crime de lesão corporal no feto, esse ‘embate’ doutrinário é
grande mas carece de solução pacífica para ambas as partes sem uma nova
modalidade delituosa, tomando como exemplo o que foi feito na Espanha no artigo
157 do código penal espanhol de 1995. Somente com um nova Tipificação penal é
que teremos uma apaziguamento da situação obscura deixada pelo nosso
legislador.
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