O nascente como sujeito passivo
Diz André Estefan (Direito Penal Vol. 2 São Paulo:
Saraiva. 2010) que
“Só
pode figurar como sujeito passivo do crime o ser humano nascido. Não há qualquer outro requisito para ser vítima
do delito.
Deve-se
ter em mente que a proteção penal do nascituro se dá por meio dos arts. 124 a
127 do CP.
A vida humana intrauterina, de fato,
recebe proteção inferior a extrauterina. Isto se dá por razões de política
criminal. Lembre-se que o nascimento assinala um momento particular na vida
humana, que consiste no início de sua socialização.
Esse marco determina uma mudança na valoração social que se dá no início da
vida do indivíduo, que se torna pessoa, na acepção jurídica plena. O ser humano
passa a se incorporar ao meio social. Pode viver com independência de sua mãe
(embora dependente de um terceiro). Isso é que fundamenta e inspira os motivos
de política criminal que conferem proteção penal mais intensa à vida fora do
ventre materno.
Pois bem. É relevante recordar que,
durante a gravidez, somente se pune a provocação dolosa da morte do feto. O aborto não constitui crime quando
culposo e, além disso, não se punem as lesões corporais no feto. O art. 129 do
CP somente passa a incidir a partir do início do parto.
Há quem entenda que o ser nascente faz
parte do organismo materno, de modo que as lesões nele praticadas poderiam ser
enquadradas como crime de lesão corporal (a vítima seria a genitora).
Semelhante raciocínio, todavia, não pode prevalecer.
Em primeiro lugar, fosse o nascituro
parte integrante do organismo da mãe, ela própria figuraria como vítima no
crime de aborto, em qualquer de suas formas. Ficaria em dúvida, então, a
validade da punição do autoaborto. Isso porque a mulher grávida seria autora e
vítima do crime. O ato poderia ser considerado, inclusive como autolesão!
Além disso, haveria uma incoerência
injustificável no tratamento penal das lesões corporais praticadas no
nascituro. Isto porque não se pune a causação culposo da morte do ser nascente, mas, ao se permitir o enquadramento da
provocação das lesões corporais no art. 129, seria crime a lesão culposa no
feto. Em outras palavras, provocar dano à saúde ou integridade corporal do ser
que se encontra no ventre materno, por imprudência, negligência ou imperícia,
configuraria crime, mas matá-lo nestas condições seria fato atípico.
A proteção jurídica penal dispensada à
integridade física se dá, portanto, depois do nascimento. Não é irrelevante
anotar que o momento do crime é o da ação ou omissão, ainda que outro seja o do
resultado (CP art. 4º). Motivo pelo qual não se pode argumentar existir lesão
corporal quando o dano se pratica durante a gravidez, mas se reflete após o
nascimento.
É relevante ponderar que na Espanha,
justamente por conta o âmbito da incidência inerente ao crime de lesões
corporais (tutela da vida humana extrauterina), expressamente tipificou as lesões ao feto, dolosas (art. 157) ou
culposas (art. 158).”
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