O homicídio
de crianças indígenas: preservação e autoafirmação da cultura ou cegueira
constitucional?
O homicídio de crianças na cultura
indígena é uma prática que ainda ocorre hodiernamente e é comum em pelo menos 13
etnias indígenas. Não se tem noção de quantas crianças já foram vítimas dessa
tradição, pois é um crime sem testemunhas praticado apenas pela parturiente, a
mãe indígena que no momento do parto se isola na floresta e após a saída do
bebê ela analisa se nele há alguma deficiência, se é gêmeo ou se é fruto de
relação extraconjugal, se sim ela é pressionada pela tribo e influenciada pela
cultura a matar a criança.
Esse crime, apesar de sempre ser
confundido, não se caracteriza como infanticídio, pois falta-lhe a presença
elementar do estado puerperal. A influência do estado puerperal, citado no Art.
123 do Código Penal, é caracterizado por uma perturbação psíquica que acomete
mulheres durante o período do parto e logo após, fazendo com que haja a
diminuição de capacidade de entendimento da mãe. Somente em caso de psicose
puerperal, a qual atinge completamente a capacidade de entendimento, é que a
mãe será inimputável.
Logo, não há que se falar em
infanticídio nesses casos, porque na verdade as mães indígenas não estão
submetidas à influência do estado puerperal sempre que uma criança com
deficiência ou com as características já citadas nasce, e sim submetidas à uma
tradição étnica.
A Constituição Federal Brasileira
reconhece a cultura, os costumes e as tradições indígenas, e trata essa etnia
com peculiaridade. Porém ela peca no sentido de não tratar desses casos
alarmantes. O índio não pode ser criminalizado pela cultura mas deve ser feito
um trabalho de forma que eles possam compreender o valor inestimável da vida.
Nesse momento entra a cegueira constitucional, a qual é regida por uma lei
protecionista porém contraditória quando se trata do direito indisponível a
vida, o bem fundamental mais caro protegido pela CF.
Há um dado assustador que merece
destaque, no Mapa da Violência de 2014, a cidade de Caracaraí-RR é a mais
violenta do país pelo fato de que com apenas 19 mil habitantes foram registrados
em um ano 42 homicídios, e desses 37 eram de recém-nascidos indígenas.
Por outro lado, existe a
insustentável argumentação de que esses homicídios são praticados para que o
bebê não sofra com a doença quando começar a crescer, além disso, existem dificuldades
ainda maiores para eles já que irão crescer sem assistência médica adequada,
por isso a “necessidade” de salvá-los do sofrimento através do assassinato,
preservando assim uma tradição indígena que os reafirma. Mas essa visão também
não consegue justificar o homicídio de gêmeos e de filhos de relações
extraconjugais.
Na verdade, é preciso que o Estado
pare de fechar os olhos e comece a enxergar esses crimes recorrentes nas
aldeias, de forma que entre com ações sociais buscando interferir radicalmente
nessas decisões culturais. Acima da cultura está a vida, a qual deve ser
preservada contundentemente pelo Estado, responsável por fornecer assistência
médica e psicológica para as famílias indígenas.
Foi apresentado um projeto de lei
em 2007 que tenta impedir a prática do homicídio infantil nessas situações
através de ações públicas. Porém, a FUNAI se posiciona de maneira contrária
pois afirma ser necessário compreender a dinâmica da vida dos índios. Têm-se
porém que se ater a questão de que não se trata de respeitar as regras internas
da aldeia, mas de respeitar os Direitos Humanos, que é inerente a todo ser
humano.
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