Homicídio em crime continuado
Pelo que eu pude constatar, esse tema é bastante polêmico no mundo jurídico, pois o dispositivo legal e o ordenamento jurídico têm posições adversas.
O código penal, afirma crime continuado, no art. 71:
“Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes da mesma espécie, e pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços”.
Ou seja, o indivíduo comete mais de um crime, mas terá apenas uma pena, o que corresponde ao sistema da exasperação, uma pena com um acréscimo correspondente, valendo ressaltar que a pena levada em questão será a mais grave, dentre os delitos praticados.
Esse sistema foi criado para favorecer o réu e a partir daí, minorar as penas excessivas.
No que tange aos crimes de mesma espécie levado em consideração no caput do artigo, o STJ e o STF entendem que são crimes do mesmo tipo penal, já a doutrina afirma que são delitos que tutelam o mesmo bem jurídico.
Em relação ao tempo, a lei não estipula, pois depende da especialidade do crime. Por exemplo, o crime de peculato só pode ser realizado uma vez por mês. O lugar, também retratado no caput do artigo 71, há uma concepção majoritária de que sejam cidades vizinhas, num mesmo estado.
E por fim, em relação à maneira de execução, tem que ser idênticas a todos os crimes. Então, pode ser o mesmo crime, porém se a maneira for diferente não condiz com crime continuado.
Segundo Luis Regis Prado,
“O crime continuado está fundado sobre uma ficção jurídica é uma transação entre a coerência lógica, a utilidade e equidade.”
A teoria adotada pelo nosso código penal é a OBJETIVA, no qual despreza os elementos subjetivos, isto é, da programação do agente (BITTENCOURT).
Porém a partir da reforma de 1984 foi adicionado ao artigo 71, o parágrafo único, que retrata do crime continuado específico.
“Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias idênticas, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo observado as regras parágrafo único do artigo 70 e do artigo 75, deste código.
A partir deste parágrafo, a doutrina majoritária afirma que pode haver crime contra a vida em relação a crime continuado, devido a não especificidade do parágrafo ao postular “vítimas diferentes”. Bastaria, então, o preenchimento dos requisitos objetivos para constatar-se continuidade delitiva.
Ora, mas já tinha o STF promulgado à súmula de número 605, afirmando que “não se admite continuidade delitiva em crimes contra a vida”.
Embora, existam jurisprudências, em que foram deferidos os pedidos de continuidade delitiva em crimes contra a vida. Como no resumo do presente caso de São Paulo, em que se beneficiou o recorrente com o redimensionamento da pena, nos ditames do artigo 71:
“De acordo com relatos do caso, a recorrente teria sido a autora intelectual do homicídio praticado contra seu ex-marido e contra uma testemunha. Ela teria contratado um executor para matar a vítima, mas ao chegar no local constataram a presença de uma terceira pessoa que acabou sendo também assassinada.A tese da continuidade delitiva foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, mas aceita pelo STJ, contando com parecer favorável do Ministério Público.”
Sobre o assunto, pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal:
“Não encerra ilegalidade a rejeição da continuidade delitiva entre quatro homicídios, quando as circunstâncias de sua prática denotam o caráter reiterativo da conduta criminosa, como ocorre nos autos, onde se encontra comprovada a atuação do paciente como justiceiro contratado para eliminar as vítimas”.
Fica claro ao meu entender, que o código penal deixou uma lacuna em não especificar a possibilidade de crimes contra a vida em continuidade delitiva, mas concordando com a posição do STF, seria algo sem lógica e senso afirmar que um homicídio pode ser a continuação do outro. O agente pode até praticar dois homicídios pelo mesmo motivo, mas o segundo não poderia ser a continuação do primeiro, pois os desígnios para a prática desses homicídios são autônomos. Portanto, os homicídios distintos, seriam julgados pelo artigo 69 do Código Penal, concurso material, cujo haveria o cúmulo material, ou seja, o somatório das penas. Caso contrário, está-se banalizando com o direito mais importante consagrado pela Constituição Federal, a vida.