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domingo, 11 de março de 2012

Espaço do Acadêmico - Anna Dolores Barros de Oliveira Sá





Estado puerperal: ficção jurídica?


Tipificado através do artigo 123 do Código penal de 1940, crime próprio, o infanticídio possui como elementar normativa o estado puerperal – período pós-parto ocorrido entre a expulsão da placenta e a volta do organismo da mãe para o estado anterior a gravidez.

Pragmaticamente: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”, ou seja, é indispensável que a mãe esteja sobre influência do estado puerperal para que a prática delituosa se concretize, ensejando, assim, a relação de causalidade. No entanto, essa elementar pode apresentar características patológicas diversas: o puerpério não produz nenhuma alteração na mulher; pode acarretar alterações psicossomáticas que são causa da violência contra o próprio filho; provoca-lhe doença mental ou produz-lhe perturbação da saúde mental diminuindo-lhe a capacidade de entendimento.

Além das diversas maneiras de manifestação do estado puerperal na mulher, os quais dificultariam a identificação da perturbação emocional pela perícia médico-legal, outra questão bastante discutida pela doutrina jurídica é um elemento normativo intimamente ligado a elementar normativa do tipo: durante o parto ou logo após. Por conseguinte, como saberíamos o tempo no qual a mãe ficaria sobre influência deste – suposto- colapso do senso moral? É exatamente no elemento normativo temporal que surgem as opiniões doutrinárias referindo-se ao estado puerperal como ficção jurídica, pois não teríamos como diagnosticar a mãe com um distúrbio, já que o mesmo é passageiro.

Conforme as ideias de Genival Veloso de França: “nada mais fantasioso que o chamado estado puerperal, pois nem sequer tem um limite de duração definido (...) o que acontece no infanticídio é que numa gravidez ilegítima, mantida em sobressaltos e cuidadosa reserva, pensa a mulher dia e noite em como se livrar do fruto de suas relações clandestinas (...) e como maneira de solucionarem seu problema praticam o crime devidamente premeditado em todas as suas linhas, tendo o cuidado, entre outras coisas, de esconder o filho morto, dissimular o parto, tudo isso com frieza de cálculo, ausência de emoção, e, às vezes, requintes de crueldade”, em resumo, para ele o estado puerperal é ficção jurídica.

No entanto, discordo dessa corrente doutrinária. Estudos psiquiátricos já comprovaram que a disfunção ocorreria no eixo Hipotálamo-Hipófise-Ovariano, e promoveria estímulos psíquicos com subsequente alteração emocional. A Associação Americana de Psiquiatria caracteriza, o que o nosso Código Penal conhece de estado puerperal, como Transtorno de Estresse Agudo (TEA) - desenvolvimento de uma ansiedade característica, sintomas dissociativos e outros, que ocorrem dentro de até um mês após a exposição a um agente estressor externo.

Logo, o comportamento que Genival França titula como “requintes de crueldade” oriunda, provavelmente, de uma gravidez conturbada, pode, sim, ser um distúrbio o qual vai muito mais além de problemas emocionais provocados por falta de planejamento familiar. É preciso compreender que uma mulher a qual passou por um período gravídico turbulento, seja ele por diversos motivos: gravidez indesejada ou por falta de apoio de família ou amigos, fica suscetível a uma desregulação emocional, a ponto de gerar um transtorno psíquico transitório.

Outrossim, apesar da infanticida, em geral, ter diversos motivos – socialmente falando - para querer “livrar-se” do filho, é de suma importância que exames periciais sejam feitos para comprovar que o estado no qual se encontrava a mãe durante a prática do crime. Pois se a mãe não possuía capacidade de entender o caráter ilícito do fato, poderíamos infringir o artigo 26 do nosso Código Penal, ao imputar uma inimputável ou não reduzir sua pena, caso ela fosse semi-imputável. Sem contar que o estado puerperal tem que ser diagnosticado para que a mãe seja enquadrada por infanticídio, e, não por homicídio, caso contrário acarretaria uma aumento exorbitante na dosagem da pena.

Em resumo, acredito que os avanços científicos em relação aos estudos do quê, de fato, seriam o estado puerperal e suas consequências, possam contribuir - apesar, ainda, da eminente dificuldade da perícia médico-legal em comprovar se a mulher encontrava-se em estado puerperal - para uma melhor identificação do elemento normativo do tipo presente no delito em questão. Além de mostrar que o puerpério nada tem de ficção jurídica, mas sim um elemento normativo do tipo comprovado com estudos científicos.

  

Fontes de pesquisa:

GUIMARÃES, Roberson. O Crime de Infanticídio e a Perícia Médico-legal. Análise crítica. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/12991-12992-1-PB.pdf>. Acesso em : 09 Mar.2012, 23:00.

SILVA, Lilian Ponchio e. Análise do infanticídio à luz da Bioética Crítica. Disponível em: <http://prope.unesp.br/xxi_cic/27_31178171825.pdf>. Acesso em : 09 Mar.2012, 23:41.

ALMEIDA, Glaucia Mendes. Depressão Pós-parto no âmbito da Estratégia da Saúde Familiar. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd165/depressao-pos-parto-da-estrategia-saude-da-familia.htm>. Acesso em : 09 Mar.2012, 23:50.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. São Paulo:Saraiva,2001.




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