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domingo, 11 de março de 2012

Espaço do acadêmico - Larissa Sampaio de Carvalho



Sistema Permissivo versus Sistema Repressivo


Antes de entrar nas consequências que cada um desses sistemas geram em seus respectivos países, é necessário que se explique a origem e o motivo pelo qual o legislador resolveu utilizá-lo.

A idéia de permissão do aborto nos Estados Unidos é consequência das mudanças na sociedade americana. A entrada das mulheres no mercado de trabalho, a busca de sua independência, autonomia e as novas concepções do que seria família, construíram, uma nova visão sobre o aborto.

A primeira lei permissiva dos Estados Unidos foi criada em 1967 no Colorado. Depois disso os outros estados passaram a deixar mais branda a legislação em relação ao aborto. O Estado de Nova York em 1970 adota uma nova lei que permitia o aborto a pedido da mulher até o quinto mês de gestação e podia ser praticado quando fosse necessário para garantir a vida da gestante. É importante ressaltar que muitas pessoas eram contra a prática do aborto. Esse grupo de pessoas era chamado de pró-vidas. Acreditavam que o feto era mais importante que a própria gestante, que quando houvesse que escolher entre os dois, o feto é que deveria ser escolhido. Em 1972, se mantendo contra a legislação Nova Yorkina, esse grupo radicalizou e fez uma exposição de fetos tardios abortados na frente do Legislativo. O resultado dessa ‘exposição’ foi que poucas semanas depois os legisladores votaram por unanimidade na revogação da lei, que só não foi realmente revogada porque o governador do estado, Nelson Rockfeller, usou seu poder de veto e manteve a lei.

A reviravolta aconteceu também em 1973 com a decisão da Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos da América no caso Roe versus Wade. Nesse caso a Suprema Corte concluiu que a palavra ‘pessoa’ na Constituição não incluía o não nascido, conclusão essa baseada na décima quarta emenda da Constituição, que afirma:

‘All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of the United States and of the state wherein they reside. No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any state deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the laws.’

O aborto então foi permitido à mulher, por qualquer motivo, pois esta estaria amparada pelo direito à privacidade, direito fundamental que está sob proteção da Constituição dos Estados Unidos. Dessa forma a décima quarta emenda tornou inconstitucional qualquer lei estadual que proibisse o abortamento.

Em 2007, a Suprema Corte revalidou uma lei de 2003 que proibia o aborto em gestações avançadas. Com 5 votos a 4, os juízes do Supremo opinaram que a Lei de Proibição do Aborto por Nascimento Parcial não violava o direito constitucional da mulher fazer um aborto.

Já no Brasil o enfoque do legislador foi totalmente diferente. O sistema adotado no nosso país é o repressivo, ou seja, que proíbe a prática de forma geral e permite, em casos específicos sua utilização. O fato de o legislador aceitar o abortamento sobre certas condições é uma tentativa de diminuir o número de mortes causadas pelos abortos clandestinos e de garantir a saúde da gestante, e o motivo pelo qual ainda é questionado à descriminalização do abortamento gira em torno da questão da saúde pública. Ao contrário do motivo do legislador americano, que descriminalizou por causa dos direitos humanos e da luta da mulher para conquistar seu espaço.

Desde 1940, mulheres brasileiras morrem em razão desse proibicionismo ao se submeterem aos abortos clandestinos. No entanto, o Poder Executivo, ainda se ‘nega’ a encarar o aborto como problema de saúde publica. O Poder Legislativo por sua vez se restringe a fazer reformas referentes à saúde da mulher e o Poder Judiciário ainda é relutante ao interpretar os dispositivos penais de acordo com os direitos humanos. Ao contrário da mulher americana, que buscavam já na década de 70 sua autonomia, independência e emancipação, a brasileira continua subjugada, submissa, apesar de já ter, obviamente, havido grandes avanços. Essa criminalização do aborto nem funciona e acaba tendo um sentido reverso, pois essa ilicitude do ato não impede a prática.

Também totalmente contrário ao que ocorreu nos Estados Unidos, a discussão em torno do aborto tem sido restrita no sentido de proteção ao feto ou em contraposição a gestante. É importante questionar então, até onde vai o poder do Estado em interferir na vida pessoal da mulher, até onde ele poderia ir para proteger o feto e não ferir os direitos da gestante?
O Código Penal brasileiro pune o aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento (Artigo 124), o aborto provocado por terceiro (Artigos 125 e 126), como também o aborto qualificado (Artigo 128).

‘Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesmo ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência


‘Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.’

É sem sentido colocar uma pena tão mínima para o aborto, pois como já dito anteriormente, a ameaça de punir não impede que seja praticado e essa pena colocada só mostra uma ‘aceitação’ por parte da justiça como também da sociedade, pelo fato de que se recebe pouquíssimas denúncias. Então, para que punir? Ao meu entender a colocação dessa pena mínima acaba por contrariar o sentido da prevenção geral e especial, pois nem serve como ameaça para que não cometa o delito nem serve como meio de impedimento para que o criminoso não cometa o crime de novo.

Impedir o aborto então significa uma violação ao direito à saúde como um bem jurídico indisponível e universal, já que a mulher acaba por sofrer diversos danos. É também possível enquadrar como violação da dignidade humana forçar uma mulher a manter uma gravidez indesejada.

Com a promessa do novo Código Penal, a questão fica mais complexa. O projeto prevê que não seja ilícito o aborto de feto até a décima segunda semana no caso de a mãe não ter condições psicológicas para arcar com a maternidade, e toda essa condição psicológica tem que ser confirmada por um médico somente. Ai fica a questão, como um médico, em uma consulta pode determinar se uma pessoa tem ou não condição? Como o governo vai controlar essa liberação de atestados de não ter essa condição? Se vai descriminalizar assim, porque não descriminalizar tudo?

A questão é muito controversa. O ideal seria que as mulheres tivessem como no sistema permissivo americano esse direito de possuir o poder de decisão sobre o próprio corpo, mas também soubessem usá-lo com responsabilidade

Um comentário de Drauzio Varella em uma reportagem para a Folha de São Paulo, há 12 anos atrás continua a cair perfeitamente para a nossa situação atual:

‘’É fácil proibir o abortamento, enquanto esperamos o consenso de todos os brasileiros a respeito do instante em que a alma se instala num agrupamento de células embrionárias; quando quem está morrendo são as filhas dos outros. Os legisladores precisam abandonar a imobilidade e encarar o aborto como um problema grave de saúde pública que exige solução urgente.’’

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