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domingo, 25 de março de 2012

Espaço do acadêmico - Renato Saeger M. Costa



Percepções e conclusões acerca do estado puerperal

A importância do chamado estado puerperal para o crime de infanticídio é tão fundamental que sem essa característica todo o tipo penal seria posto em cheque. Por mais abstrato (para não chamarmos de irreal) que seja tal período da vida materna, o artigo 123 do nosso atual Código Penal se estabelece nele. O infanticídio, portanto, só pode ser tipificado se a mãe contemplar os aspectos psico-somáticos do estado puerperal.

É fato que ainda perduram certas discussões doutrinárias acerca da veracidade ou não dessa patologia presente no Código. Guilherme de Souza Nucci, por exemplo, em seu Manual de Direito Penal afirma que não há motivos para uma perícia visto que “toda mãe passa pelo estado puerperal – algumas com graves perturbações e outras com menos”. O renomado Genival Veloso de França, contudo, afirma categoricamente em seu livro Medicina Legal o seguinte:

“Nada mais fantasioso que o chamado estado puerperal, pois nem se quer tem um limite de duração definido. Diz a Lei que é durante ou logo após o parto sendo este “logo após” sem delimitação precisa. Parece ser imediatamente, pois, se a mulher tem um filho, dá-lhe algum tratamento, arrepende-se e mata-o, constitui uma forma de homicídio. Como se o estado puerperal fosse um estágio frusto, frugal e ultratransitório. Esse conceito pode favorecer até mesmo aquelas mulheres sem honra sexual a perder que, levadas por motivos egoístas ou de vingança matam seu próprio filho. O mesmo não se diga do puerpério, que é o espaço de tempo que vai da expulsão da placenta até a involução total das alterações da gravidez, pela volta do organismo materno as suas condições pré-gravídicas. Seu tempo varia, segundo os autores, de oito dias à oito semanas. Portanto, puerpério não é sinônimo de estado puerperal. Esse último nunca é presenciado em partos assistidos, aceitos e desejados, mas sempre naqueles de forma clandestina e de gravidez intangível.” (As marcações e destaques foram feitos por mim).

Concordando com o Mestre França, pode-se afirmar que houve um claro erro de redação no Código Penal vigente. Não se pode confundir o estado puerperal (criação do legislador) com o puerpério ou com a pscicose puerperal (ambas patologias reconhecidas pela medicina).

Dito isso, precisamos perceber também que mesmo diante dessa dualidade conceitual o bom profissional do Direito precisa se manter legalista em suas atitudes e julgamentos e que o estado puerperal (por mais fictício que possa ser) é uma realidade juridica e também um elemento essencial na figura típica do infanticídio. Isso levanta a pergunta: Como definir a ausência ou presença de tal estado em uma determinada situação fática?

Esse processo pode ser a resposta da nossa pergunta. Aconteceu em Curitiba no segundo semestre do ano de 2004:

PROCESSO: 0157169-9
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 157.169-9, DE PARANAVAÍ 1ª VARA CRIMINAL.
RECORRENTE: VANUSA GOMES DA SILVA.
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
RELATOR ORIG.: JUIZ CONV. VICENTE MISURELLI
RELATOR DESIG.: DES. GIL TROTTA TELLES.


INFANTICÍDIO. HOMICÍDIO QUALIFICADO.

Não havendo indícios suficientes de que a ré, ao matar a filha, logo depois de ter esta nascido, tivesse agido sob influência do estado puerperal, deve ser submetida a júri por homicídio, não por infanticídio.

[...]

No dia 28 do mês de janeiro de 2003, entre às 17:00 e 18:00 horas, no interior do banheiro da residência situada na rua José Lalier 1136, Centro, Município de Tamboara, nesta Comarca, PR, a denunciada VANUSA GOMES DA SILVA, após dar a luz à criança Maria Rita Gomes da Silva, com animus necandi, para continuar a ocultar a gestação dos pais, asfixiou-a, por sufocação (por meio não identificado), até causar-lhe a morte, conforme Laudo de Exame de Necrópsia de fl. 24 (certidão de óbito de fl. 25).

Que a denunciada VANUSA GOMES DA SILVA agiu por motivo torpe, vez que asfixiou a própria filha para ocultar a gestação que manteve sem o conhecimento dos pais.

Que a denunciada VANUSA GOMES DA SILVA agiu mediante o emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, vez que esta tratava-se de recém nascida, sem qualquer possibilidade de opor resistência à ação da denunciada.

[…]

No tocante ao artigo 123 do CP, conforme Cezar Roberto Bitencourt, A conduta típica consiste em matar o filho, durante o parto ou logo após. Necessário, no entanto, que a mãe esteja sob a influência do estado puerperal. O puerpério, elemento fisiopsicológico, é um estado febril comum às parturientes, que pode variar de intensidade de uma para outra mulher, podendo influir na sua capacidade de discernimento (in CÓDIGO PENAL COMENTADO, Editora Saraiva, São Paulo, 2002, p. 420).

E, posteriormente, escreveu o mesmo autor acerca da influência do estado puerperal: Não significa que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique constatado que esta realmente sobreveio em conseqüência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento da parturiente. Fora daí, não há por que distinguir entre infanticídio e homicídio.

É indispensável uma relação da causalidade entre o estado puerperal e a ação delituosa praticada; esta tem de ser consequência daquele, que nem sempre produz perturbações psíquicas na mulher (ob. cit., p. 420).

Entretanto, no caso, não há indícios suficientes sequer de que puerpério, se é que a ré o teve, nela tivesse acarretado uma perturbação psíquica.

Podemos perceber que a apreciação fática da influência do estado puerperal no crime de infanticídio é muito sensível. A falta de imparcialidade e zelo pela Legis pode acarretar em uma condescência com o homicídio. Precisamos estar atentos à esse alerta: Se os casos que envolvem o estado puerperal não forem analizados com critérios rígidos e metódicos, os profissionais do Direito podem, simplesmente, estar usando a própria lei para a justificação de criminosos.

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