A problemática da
distanásia
Para dar partida a
problemática é relevante entender as distinções, conceitos e posicionamentos
jurídicos da eutanásia, ortoeutanásia e distanásia. Etimologicamente falando, a
palavra eutanásia significa morte boa ou morte sem dor, tranquila e sem
sofrimento. Esta consiste em pôr fim a vida de um enfermo que se encontra em um
quadro clinicamente incurável ou terminal, que geralmente é executada por um
médico. A ortoeutanásia significa morte correta, em que o paciente cessa os
medicamentos e tratamentos médicos, consistindo num método de não prolongamento
artificial do processo de morte. A distanásia é o prolongamento da morte, que visa
estender a vida do paciente artificialmente, esgotando todas as possibilidades
de tentativas de manutenção de sua vida, com a motivação de tecnologia
avançada, mesmo que os conhecimentos médicos não prevejam a possibilidade de
cura ou melhora.
A prática de eutanásia
é considerada homicídio doloso de acordo com o artigo 121 do código Penal
brasileiro, assim como a ortoeutanásia é tida como omissão de socorro mediante
ao artigo 135 do mesmo código. Mas se a eutanásia e a ortoeutanásia aliviam a
dor e agonia do paciente, enquanto a distanásia faz o oposto, prolonga sua vida,
então pergunta-se por que a distanásia é
legalmente amparada e as outras duas não são? A distanásia é amparada
legalmente, no artigo 5º da Constituição Federal, caput, por estar exercendo o
direito à vida, já que esgota todas as medidas para a manutenção desta, que é um
direito inalienável. Contudo, a distanásia fere o mesmo artigo 5º, inciso III,
que expressa “ninguém será submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante.” Ferindo também o Princípio
da Dignidade Humana; a morte digna, nas palavras de Alessandra Gomes de Faria e
Heidy de Ávila Cabrera, em seu artigo sobre, Eutanásia: Morte digna - “o fundamento jurídico e ético do direito à
morte digna é, portanto, o princípio da dignidade humana, norteador de todo o
sistema, nos moldes da garantia prevista no artigo 1º, inciso III, da
Constituição da República.” Ofende ainda os princípios básicos da bioética,
sendo eles: o princípio da autonomia da vontade e o princípio da beneficência.
A nossa jurisdição nesse ângulo, se posiciona com maior relevância à vida
humana, do que a sua qualidade. A dor
física e o sofrimento psicológico estendidos de um paciente em fase terminal ou
em quadro clínico irreversível, é desgastante e desnecessário. Que finalidade
há em negar um fenômeno natural, que é a morte?
Tempos atrás o dever do
médico era apenas sustentar a vida, tendo a morte como inimiga, atualmente ela
é entendida como apenas um fenômeno único do ser humano, que merece o devido
respeito, estando ainda expressa na resolução de número 1.805/2006 do Conselho
Federal de Medicina, no Artigo 1°, “É
permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que
prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave ou
incurável, respeitada a vontade da pessoa ou do representante legal.”
Porém, existem médicos
que ignoram o artigo do conselho de medicina, por temerem sansão penal, já que
estariam exercendo a prática da ortoeutanásia, tendo assim interferência da
jurisprudência. Segundo Antonio Jackson, na obra Direitos do paciente, “A conduta aceita como moral e eticamente
correta não encontra suporte no ordenamento jurídico em decorrência da
distância que separa o ambiente científico, do jurídico.” Por isso, veta
tais procedimentos. A nossa legislação e doutrina podem ser rigorosas nesse
ponto, mas falham diante do desejo último do paciente, um bom exemplo é o
testamento vital, que não é regulamentado no Brasil. Deixar ciente aos médicos
e familiares, o consentimento do paciente, a sua vontade, de forma escrita,
diante de uma situação de incapacitação, que procedimentos devem ser seguidos
ou limitados. O testamento vital,seria uma forma de evitar incertezas e
conflitos gerados por parte dos familiares e médicos sobre o que seria melhor
para o paciente, respeitando a sua vontade, mas infelizmente a não
regulamentação deixa uma lacuna aberta e causa ainda a desinformação para
possibilidade de testamento.
Existem ainda, os familiares dos pacientes, que se negam a se desapegarem do ente querido, por motivos emocionais,
apelando para a distanásia, fazendo assim investimentos terapêuticos
exagerados, ultrapassando às vezes o que sua renda permite, na crença ilusória
de que existe esperança, por ainda existir uma vida, mesmo que esteja
comprovado cientificamente impossibilidades de mudanças e melhoras no quadro
clinico. A razão e a emoção ampliadas, são fatores que
interferem em áreas de nossas vidas que nos cegam para a realidade presente. É como
era visto na mitologia grega entre os deuses Apolo e Dionísio, sendo dois
deuses opostos, um com a razão, Dionísio, e outro com a emoção, Apolo. Os dois
se contradiziam, mas era necessário andarem em sintonia para haver o
equilíbrio. O mesmo acontece com os familiares que não conseguem se desapegar,
romper os laços com ente querido, tornando a emoção o ponto de desequilíbrio.
Entretanto, a interferência da jurisprudência com toda a razão de que a prática
da eutanásia e da ortoeutanásia são inviáveis, vetadas, mas a prática da
distanásia, com todos os procedimentos considerados fúteis, por não promover
nenhuma mudança ou melhora no paciente, apenas dor e sofrimento, é permitida. Assim
como os familiares têm que aprender a se desapegar, deixar suas emoções de lado
e analisar o que será melhor para o seu ente debilitado, a jurisprudência também
tem que analisar que a vida do ser humano é importante, mas até que ponto apenas estar vivo é mais
relevante, que viver? Ou, até que ponto a vida com sofrimento e agonia é mais
relevante que a sua qualidade?
Referências
Bibliográficas:
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. - São
Paulo: Saraiva, 2001
SANTOS, Maria Celeste
cordeiro Leite. Biodireito: ciência da
vida, novos desafios. -Revista dos Tribunais, 2001.
PESSINI, Leocir. Distanásia: Até quando prolongar a vida?
– São Paulo: Editora do Centro Universitário São Camilo: Loyola, 2001.
AZEVEDO, Álvaro
Villaça; LIGIERA, Wilson Ricardo. Direitos
do Paciente. –São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
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