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domingo, 9 de março de 2014

Espaço do acadêmico - Laís Batalha


A problemática da distanásia


Para dar partida a problemática é relevante entender as distinções, conceitos e posicionamentos jurídicos da eutanásia, ortoeutanásia e distanásia. Etimologicamente falando, a palavra eutanásia significa morte boa ou morte sem dor, tranquila e sem sofrimento. Esta consiste em pôr fim a vida de um enfermo que se encontra em um quadro clinicamente incurável ou terminal, que geralmente é executada por um médico. A ortoeutanásia significa morte correta, em que o paciente cessa os medicamentos e tratamentos médicos, consistindo num método de não prolongamento artificial do processo de morte. A distanásia é o prolongamento da morte, que visa estender a vida do paciente artificialmente, esgotando todas as possibilidades de tentativas de manutenção de sua vida, com a motivação de tecnologia avançada, mesmo que os conhecimentos médicos não prevejam a possibilidade de cura ou melhora.

A prática de eutanásia é considerada homicídio doloso de acordo com o artigo 121 do código Penal brasileiro, assim como a ortoeutanásia é tida como omissão de socorro mediante ao artigo 135 do mesmo código. Mas se a eutanásia e a ortoeutanásia aliviam a dor e agonia do paciente, enquanto a distanásia faz o oposto, prolonga sua vida, então pergunta-se por que a distanásia  é legalmente amparada e as outras duas não são? A distanásia é amparada legalmente, no artigo 5º da Constituição Federal, caput, por estar exercendo o direito à vida, já que esgota todas as medidas para a manutenção desta, que é um direito inalienável. Contudo, a distanásia fere o mesmo artigo 5º, inciso III, que expressa “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.” Ferindo também o Princípio da Dignidade Humana; a morte digna, nas palavras de Alessandra Gomes de Faria e Heidy de Ávila Cabrera, em seu artigo sobre, Eutanásia: Morte digna - “o fundamento jurídico e ético do direito à morte digna é, portanto, o princípio da dignidade humana, norteador de todo o sistema, nos moldes da garantia prevista no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República.” Ofende ainda os princípios básicos da bioética, sendo eles: o princípio da autonomia da vontade e o princípio da beneficência. A nossa jurisdição nesse ângulo, se posiciona com maior relevância à vida humana, do que a sua qualidade.  A dor física e o sofrimento psicológico estendidos de um paciente em fase terminal ou em quadro clínico irreversível, é desgastante e desnecessário. Que finalidade há em negar um fenômeno natural, que é a morte?

Tempos atrás o dever do médico era apenas sustentar a vida, tendo a morte como inimiga, atualmente ela é entendida como apenas um fenômeno único do ser humano, que merece o devido respeito, estando ainda expressa na resolução de número 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina, no Artigo 1°, “É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave ou incurável, respeitada a vontade da pessoa ou do representante legal.”

Porém, existem médicos que ignoram o artigo do conselho de medicina, por temerem sansão penal, já que estariam exercendo a prática da ortoeutanásia, tendo assim interferência da jurisprudência. Segundo Antonio Jackson, na obra Direitos do paciente, “A conduta aceita como moral e eticamente correta não encontra suporte no ordenamento jurídico em decorrência da distância que separa o ambiente científico, do jurídico.” Por isso, veta tais procedimentos. A nossa legislação e doutrina podem ser rigorosas nesse ponto, mas falham diante do desejo último do paciente, um bom exemplo é o testamento vital, que não é regulamentado no Brasil. Deixar ciente aos médicos e familiares, o consentimento do paciente, a sua vontade, de forma escrita, diante de uma situação de incapacitação, que procedimentos devem ser seguidos ou limitados. O testamento vital,seria uma forma de evitar incertezas e conflitos gerados por parte dos familiares e médicos sobre o que seria melhor para o paciente, respeitando a sua vontade, mas infelizmente a não regulamentação deixa uma lacuna aberta e causa ainda a desinformação para possibilidade de testamento.

Existem ainda, os familiares dos pacientes, que se negam a se desapegarem do ente querido, por motivos emocionais, apelando para a distanásia, fazendo assim investimentos terapêuticos exagerados, ultrapassando às vezes o que sua renda permite, na crença ilusória de que existe esperança, por ainda existir uma vida, mesmo que esteja comprovado cientificamente impossibilidades de mudanças e melhoras no quadro clinico. A razão e a emoção ampliadas, são fatores que interferem em áreas de nossas vidas que nos cegam para a realidade presente. É como era visto na mitologia grega entre os deuses Apolo e Dionísio, sendo dois deuses opostos, um com a razão, Dionísio, e outro com a emoção, Apolo. Os dois se contradiziam, mas era necessário andarem em sintonia para haver o equilíbrio. O mesmo acontece com os familiares que não conseguem se desapegar, romper os laços com ente querido, tornando a emoção o ponto de desequilíbrio. Entretanto, a interferência da jurisprudência com toda a razão de que a prática da eutanásia e da ortoeutanásia são inviáveis, vetadas, mas a prática da distanásia, com todos os procedimentos considerados fúteis, por não promover nenhuma mudança ou melhora no paciente, apenas dor e sofrimento, é permitida. Assim como os familiares têm que aprender a se desapegar, deixar suas emoções de lado e analisar o que será melhor para o seu ente debilitado, a jurisprudência também tem que analisar que a vida do ser humano é importante,  mas até que ponto apenas estar vivo é mais relevante, que viver? Ou, até que ponto a vida com sofrimento e agonia é mais relevante que a sua qualidade?



Referências Bibliográficas:

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. - São Paulo: Saraiva, 2001
SANTOS, Maria Celeste cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, novos desafios. -Revista dos Tribunais, 2001.
PESSINI, Leocir. Distanásia: Até quando prolongar a vida? – São Paulo: Editora do Centro Universitário São Camilo: Loyola, 2001.
AZEVEDO, Álvaro Villaça; LIGIERA, Wilson Ricardo. Direitos do Paciente. –São Paulo: Editora Saraiva, 2012.




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