Anencefalia -
Voto do Min. Celso de Mello
A decisão do STF que julgou procedente a Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 54, deixando decidido que a antecipação
terapêutica do parto de fetos anencefálicos não tipifica o crime de aborto
previsto no Código Penal, gerou muita polêmica e insatisfação para grupos da
sociedade, pois é um assunto que envolve aspectos filosóficos, religiosos,
éticos, socioculturais, entre outros. O Ministro Celso de Mello pautou o seu
voto no conceito vida, tomando como base a resolução do Conselho
Federal de Medicina(CFM) que diz que o ser humano deixa de ter vida quando
cessada a sua atividade encefálica.
A vida, para a maioria dos estudiosos, se inicia na concepção, que é o
início da gravidez, o momento em que um óvulo é fecundado por um
espermatozóide. A partir daí surge um novo ser com carga genética única e
diferente da mãe. Um ser que não possui personalidade jurídica, mas é sujeito
de direitos e como tal, tem o direito à vida. O Código Civil de 2002, adotando
a Teoria Natalista, estabelece em seu Art.2º que a
personalidade civil começa do nascimento com vida; mas a lei põe a
salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
A Constituição da República proclama a inviolabilidade do direito à vida
(art. 5º, “caput”), embora o texto constitucional não veicule qualquer
conceito normativo de vida humana, e muito menos defina o termo inicial e o
termo final da existência da pessoa humana. O Ministro Celso de Mello
utilizou-se de uma resolução do Conselho Federal de Medicina para dar subsídios
ao seu voto, pois segundo a mesma, o ser humano morre quando há a parada total
e irreversível das funções encefálicas. Segundo o raciocínio do Min., o feto
anencefálico não pode ser considerado um ser com vida, pois não tem cérebro, e
segundo a resolução do CFM, é a atividade encefálica que caracteriza a vida do
ser humano. Portanto, sequer
haveria tipicidade de crime nos artigos 124, 126, “caput”, e 128,
incisos I e II, todos do Código Penal quando a interrupção da
gravidez se desse devido à anencefalia do feto, pois sustentou que “se não há
vida a ser protegida, não há tipicidade”.
O Estado se viu diante de uma questão muito delicada, em que havia o
confronto de Direitos Fundamentais da mais alta magnitude. De um lado
configurava-se o feto anencefálico e o seu direito à vida, do outro, a mulher e
sua liberdade de escolha e autodeterminação, o seu direito de decidir sobre
continuar ou não com uma gravidez que poderia lhe trazer danos físicos e
psíquicos e ferir sua dignidade. O judiciário desempenhou uma função
atípica, legislando, normatizando sobre o tema e deixando decidido que a mulher
tem sim o direito de escolha quando comprovada a gravidez de feto anencefálico.
Foi uma decisão mais que coerente com o que a sociedade prega hoje em dia e com
o Estado Democrático de Direito. Foi uma conquista para essas mulheres que
acometidas pela notícia de uma gravidez traumática e da probabilidade ínfima de
sobrevida do feto, ainda tinham que pleitear na justiça pelo direito de
interrupção da gestação.
O Min. Celso de Mello deixou claro que o STF não está incentivando a
prática do aborto nessa situação, apenas ficou decidido que a mulher teria
plena liberdade de escolha de prosseguir ou interromper a gestação nessa
hipótese, sem precisar de autorização judicial, apenas da comprovação médica, e
que tal medida não poderia ser incriminada. A sociedade está sempre passando
por mudanças, e é fundamental que o Estado, ao executar suas duas atividades
básicas - jurisdição e a legislação- atue concomitante a essas transformações.
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