Injúria racial
Caso:
Transeunte, tendo sua passagem
impedida por veículo automotor estacionado no passeio, manifestou seu incômodo
e indignação. Insatisfeito, o proprietário do estabelecimento comercial ofendeu-a, chamando-a de "preta
gorda".
A injúria, descrita no art. 140 do
Código Penal, é um crime contra a honra que ofende a honra subjetiva, ou seja,
o valor que a pessoa atribui a si mesma. O delito é caracterizado com a simples
ofensa da dignidade ou do decoro da vítima. A dignidade é ofendida quando se
atacam as qualidades morais da pessoa, enquanto o decoro é abalado quando se
atenta contra suas qualidades físicas ou intelectuais. (MASSON, 2014)
A Lei 9.459/1997 acrescentou ao art.
140 do Código Penal uma qualificadora, estabelecendo § 3º, que trata da injúria consistente
na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou
condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Elementos referentes à raça, cor e
etnia são, historicamente, fatores de segregação social. A Lei Áurea, assinada
no ano de 1888, trouxe liberdade aos negros escravizados, no entanto, não
importou no reconhecimento destes como cidadãos. Em decorrência disso, temos,
como herança, um histórico de marginalização social desses indivíduos que ainda
não foi superado. A despeito de todos os avanços, tons escuros de pele ainda
são, por muitos, vistos como sinônimo de inferioridade.
Na situação supramencionada, é
patente a intenção do agressor de humilhar e inferiorizar a transeunte ao
referir-se, pejorativamente, à tonalidade da sua pele, tratando essa
característica física e biológica como algo indigno de respeito ou consideração.
Diante do exposto, a vítima poderia representar o proprietário do veículo,
segundo inteligência do art. 145, parágrafo único, do CP, imputando-lhe o crime
de injúria qualificada, de acordo com o disposto no citado diploma legal, visto
que, com o intuito de ofender o decoro da vítima, a injúria por ele proferida
consistiu na utilização de elemento referente à cor da mesma.
O caso explicitado, entretanto, não
comportaria a imputação do crime de racismo previsto no art. 20 da Lei
7.716/89, pois este implica uma conduta discriminatória contra um determinado
grupo ou coletividade ou uma segregação racial. Ademais, devido a sua
gravidade, é um crime imprescritível e inafiançável, que se procede mediante
ação penal pública incondicionada.
Já na injúria, como demonstrado pelo
exemplo, é perceptível que a vontade do agente é ofender, exclusivamente, a
honra subjetiva da vítima e não uma coletividade. É um crime prescritível e
afiançável, que se procede mediante ação penal pública condicionada à
representação do indivíduo.
Por fim, é válido ressaltar que,
apesar dos dispositivos legais cujo escopo é proteger a honra, o único meio de
progredirmos como grupo social coeso é desenvolvendo a consciência de respeito
à individualidade de cada um, pois esta é responsável pela manutenção do
mosaico étnico-cultural no qual estamos inseridos.
QUADRO
COMPARATIVO: RACISMO X INJÚRIA QUALIFICADA
Aspectos
|
Racismo
|
Injúria
Qualificada
|
Dispositivo
Legal
|
Art. 20
da Lei nº 7.716/89
|
Art.
140, § 3º, do CP
|
Objeto
Jurídico
|
Dignidade
da pessoa humana, igualdade substancial, proibição de comportamento
degradante, não-segregação.
|
Honra
subjetiva e a imagem da pessoa.
|
Tipo
Objetivo
|
Praticar
(levar a efeito, realizar), induzir (persuadir, convencer) e incitar
(estimular, incentivar, instigar) a discriminação ou o preconceito.
|
Injuriar,
ofender a dignidade ou o decoro, utilizando elementos referentes à raça, cor,
religião, origem, ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
|
Tipo
Subjetivo
|
Dolo
(vontade direcionada a um fim) de praticar, induzir ou incitar a
discriminação ou o preconceito.
|
Dolo
específico de macular a honra subjetiva de alguém.
|
Consumação
e tentativa
|
Por ser
de mera conduta, o crime se consuma com a prática das elementares do tipo,
não se exige, nem se prevê resultado naturalístico e não se admite a forma
tentada.
|
Consuma-se
quando a ofensa chega ao conhecimento da vítima, sem a necessidade do
resultado naturalístico (crime formal). Admite tentativa se o crime for
plurissubsistente.
|
Ação
Penal
|
Pública
incondicionada.
|
Pública
Condicionada
|
Prescritibilidade
e afiançabilidade
|
Imprescritível
e inafiançável – art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal de 1988.
|
Prescritível
e afiançável.
|
Referências
DELMANTO,
Celso [et al]. Código penal comentado.
7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
GRECO,
Rogério. Curso de direito penal – Parte
especial. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. v. II.
SANTOS,
I. D. A diferença entre crime de racismo
e injúria qualificada. Disponível em:
Acesso em: 20 de abr. 2015
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