O
agente mata a vítima, mas não subtrai a
coisa: Latrocínio tentado ou consumado?
João,
funcionário de um dono do jogo do bicho, sempre vai recolher o dinheiro apurado
com essa atividade em um determinado horário. Márcio, sabendo disso, resolve
assaltar João em um determinado dia.
Para realizar o roubo, Márcio mata João, mas, ao abrir a maleta que a
vítima carregava, descobre que não tinha dinheiro algum, e que só havia recibos
de pagamento. Diante desse fato, pergunta-se: Deve João responder por
latrocínio? Se sim, em sua forma tentada ou consumada?
Para
responder essa questão, devemos, primeiramente, conceituar o que é latrocínio.
O crime de latrocínio ocorre quando o agente mata alguém para subtrair coisa alheia
móvel. É necessário, portanto, que o evento decorra da violência empregada
durante (fator tempo) e em razão (fator nexo causal) do assalto. Ausente
qualquer desses pressupostos, o agente responderá por crime de homicídio doloso
em concurso material com o roubo. Assim sendo, fica claro que, a despeito da
violência maior (morte), o latrocínio continua sendo roubo, isto é, um crime,
na sua essência, de natureza patrimonial. E é justamente por isso que o
legislador não adotou o nome “latrocínio”, ele quis destacar a natureza
patrimonial do delito. Esse crime está tipificado na segunda parte do artigo
157,§ 3, do Código Penal Brasileiro: “Se da violência resulta (...) morte, a
reclusão é de 20(vinte) a 30 (anos)”.
Diante
da explicação anterior, fica claro, que no caso em questão, há o crime de
latrocínio. Porém, Márcio deve responder na sua forma tentada ou consumada? Tratando-se que um crime complexo, cujos
crimes-membros são o roubo e a morte, surgem grandes dificuldades
interpretativas quando algum de seus componentes não se consuma. Quando não se
consumar nem a subtração, nem a morte, não se tem dúvida de que admite-se a
tentativa de latrocínio. Ocorrendo somente a subtração e não a morte, admite-se
igualmente a tentativa de latrocínio. Porém, quando se consuma somente a morte,
e não a subtração, as divergências começam a aparecer.
Se o
latrocínio é um crime contra o patrimônio e o patrimônio não foi subtraído, não
seria tentativa? Em tese, sim. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal - STF
editou a Súmula 610 que diz: "há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda
que não realize o agente a subtração de bens da vítima". Então, de acordo com a jurisprudência
dominante, quando a morte é consumada e a subtração é tentada, o latrocínio é
consumado. Para chegar a essa conclusão, o STF atentou para o fato de que a
conduta, no caso, atinge a vida humana, bem jurídico acima de interesses
meramente patrimoniais. Em outras palavras, aplicando-se uma ponderação de bens
e interesses, a consumação, ou não, da subtração patrimonial no latrocínio
revela-se, para a jurisprudência, inteiramente insignificante para a
concretização do crime de latrocínio, sendo importante apenas saber se houve
morte ou não em decorrência da violência para a subtração.
Parte
da doutrina entende que a referida Súmula deve ser afastada e o agente
responder por tentativa de latrocínio, vez que o crime não se consumou por
circunstâncias alheias a vontade do agente. A crítica da súmula se dá fundamento no
argumento de que o latrocínio é um crime complexo, assim como o roubo, pois é
aquele que resulta da junção de mais de um crime (homicídio + roubo), e se é
crime complexo, ele só se consuma quando os dois crimes que o compõem se
consumam, ou seja, quando há o homicídio e o roubo, ou seja, a morte da vítima
e a subtração da coisa.
Além
disso, parte da doutrina afirma que a aplicação da súmula supracitada agride
frontalmente o artigo 14, inciso I, que informa que o crime se consuma quando
nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal, afrontando, assim, o
princípio da legalidade. Também a críticas no sentido de que se
aplicar a pena de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos para todos os casos de
latrocínio em que haja morte, com ou sem subtração da coisa, não é razoável,
ferindo mortalmente o princípio da proporcionalidade da pena. Seguindo esse raciocínio,
afirma Rogério Greco:
Por entendermos que, para a
consumação de um crime complexo, é preciso que se verifiquem todos os elementos
que integram o tipo, ousamos discordar da posição do STF e nos filiamos à
posição de Frederico Marques, concluindo que, havendo homicídio consumado
e subtração tentada, deve o agente
responder por tentativa de latrocínio e não por homicídio qualificado ou mesmo
por latrocínio consumado.
Tal posicionamento, ainda que minoritário, está presente
na jurisprudência, tanto que assim já decidiu o Eg. Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro:
Dada a unidade do tipo, como crime
complexo, não se vê razão para não ser aplicado ao latrocínio o princípio do
art. 12 parágrafo único (atual 14), fazendo incidir sobre a pena correspondente
ao crime consumado a diminuição da própria tentativa (RT 515/424)
Conclui-se,
portanto, que há divergência doutrinária quanto a tentativa ou consumação do
latrocínio no caso em questão, porém, a jurisprudência majoritária é de que
Márcio deverá responder por latrocínio consumado, visto que o bem jurídico vida
prevalece sobre o bem jurídico patrimônio.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT,
Cezar Roberto. Tratado de
direito penal. 10. ed. rev.
ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. (v.3).
CUNHA,
Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial
. 6. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Podivm, 2014. 948 p.
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