Lesão
corporal resultante em enfermidade
incurável e suas implicações quanto ao
surgimento de cura
”Lesão corporal de
natureza grave
§ 2° Se resulta:
II - enfermidade incuravel;
Pena -
reclusão, de dois a oito anos.”
A lesão corporal
tipificada no artigo 129, § 2°, II
do Código Penal, específicamente no tocante ao surgimento de cura, posterior à
sentença, é o tema a ser debatido. Há de se esclarecer quais efeitos isso viria
a acarretar ao autor do crime. Compreenderemos, a princípio, o conceito de
enfermidade incurável, para podermos chegar a um melhor entendimento sobre suas
consequências.
Entende-se como enfermidade incurável uma alteração prejudicial da saúde,causada
por processo físico, psíquico ou patológico, que não pode ser combatida
efetivamenteutilizando-se os recursos da medicina à época do crime.Também se
considera incurável a enfermidade que somente pode ser sanada por procedimento
cirúrgico complexo, ou mediante tratamentos experimentais ou penosos, tendo em
vista que a vítima não pode ser obrigada a enfrentar tais situações.
Importante
pontuar que não se aplica a qualificadora, contudo, se há tratamento ou
cirurgia (são exemplos de doenças incuráveis a
lepra, tuberculose, sífilis e a epilepsia) simples para solucionar o
problema pois apesar de a vítima não ser obrigada a submeter-se a qualquer tipo
de tratamento, ou cirurgia de risco para curar-se, também não se pode admitir a
recusa imotivada do ofendido para tratar-se. Se há recursos suficientes para
controlar a enfermidade gerada pela agressão, impedindo-a de se tornar incurável, é preciso que o ofendido
os utilize. Não os utilizando por razões injustificáveis, não deve o agente
arcar com o crime na forma agravada.
Conclui-se
então que enfermidade incurável é toda aquela que, a depender dos recursos da
medicina à época do crime, não pode ser sanada utilizando os tratamentos
médicos contemporâneos ao crime, vale
ressaltar que se há tratamento e o prejudicadodesejar não utilizá-los
imotivadamente não deve o apenado ser submetido à forma agravada tipificada no
artigo 129, § 2°, II do Código Penal.
Este entendimento acerca das
enfermidades incuráveis é pacífico por doutrina majorante.
Não
restando dúvidas no que diz respeito à definição de enfermidade incurável,
seguimos à discussão acerca das implicações que o surgimento de uma cura,
posterior à sentença, causaria. Como dito anteriormente não há um entendimento consolidado
acerca deste tema.
Cleber Masson afirma
que:
“Não se admite revisão criminal
se, posteriormente à condenação definitiva por esse crime, surge na medicina um
meio eficaz para curar a enfermidade. Esse instrumento processual somente pode
ser utilizado, se à época do delito existia tratamento eficaz para a enfermidade,
e o magistrado não se atentou a esse fato.”
Reforça
ainda Guilherme de Souza Nucci que
“uma vez condenado o autor da
agressão por lesão gravíssima, consistente em ter gerado ao ofendido uma enfermidade
incurável, não cabe revisão criminal caso a medicina evolua, permitindo a
reversão da doença. Caberia a revisão criminal apenas se tivesse havido erro
quanto à impossibilidade de cura no momento da condenação, ou seja, a enfermidade
era passível de controle e tratamento, mas tal situação não foi percebida a
tempo.”
Entendem então ambos os autores,
que não cabe revisão criminal em caso de surgimento de cura posterior, visto
que no momento da consumação, a doença era sim tida como incurável, entretano
Nucci, assim como grande parte da doutrina, afirma que há necessidade de
revisão criminal se a cura já existia no momento da condenação.
Entre os defensores de corrente
contrária, se afirma que a medida de não se revisar a sentença ou não fazer
surtir efeitos que poderiam beneficiar o réu é uma condição desaproriada que
viola as premissas do Código Penal, sendo assim in pejus ao réu. O sistema
constitucional e penal brasileiro consagra o direito penal do fato e reprova o
chamado direito penal da vontade, com base na periculosidade do sujeito, sendo
assim, não existe incriminação fora dos limites do fato típico, ilícito e
culpável, logo não se deve privar alguém de uma possível revisão criminal tendo
em vista que o descrito no tipo penal “enfermidade incurável” não se constata
mais como incurável. Tem-se como base deste
fundamento o artigo621, inciso III do código de processo penal.
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de
inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição
especial da pena.”
Ambos os
entendimentos são plausíveis e completamente suscetíveis a uso, a legislação
processual penal não trata diretamente do tema debatido neste artigo, logo não
é taxativa, se preocupando apenas em delimitar contornos para o uso do artifício
da revisão criminal, que traria uma possível redução da pena ao condenado. A
meu ver, não há que se falar em revisão criminal visto que não “há provas de inocência do condenado” como
expresso no artigo 621, e sim uma possível cura para o dano causado à vítima,que
já teve malefícios ao psicológico, físico e patólogico já consumados, algo
irreversível, mesmo na possibilidade de cura da doença, que nunca teria o
status quo ante para quaisquer dos efeitos. Cabe entretanto ao entendimento do
leitor, levando em consideração as muitas variáveis de um possível caso
concreto, analisar qual a melhor forma de dirimir o conflito.
REFERENCIAS
MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: parte
especial: 6 ed. rev. atual.–São Paulo:
Método, 2013.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código
Penal Comentado: 14 ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Forense, 2014.
BITENCOURT,
Cézar. Tratado de Direito Penal. Parte Especial. Dos crimes contra a pessoa.
Editora Saraiva, 2012.
GRECO,
Rogério. Curso de direito penal – Parte especial. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. v. II.
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