Como
a decisão do STF reabriu o debate sobre a criminalização do aborto no Brasil
O tema em questão foi escolhido devido
a enorme relevância que a matéria vem ganhando diante de latentes questões
sociais e políticas que começam a despontar no cenário atual do país.
Criminalizado pelo Código Penal nos artigos 124 ao 128, o aborto divide opiniões
tanto de especialistas da área jurídica, como de médicos de posicionamentos
modernos e mais conservadores. Deveria o abortamento ser tratado como questão
de saúde pública? Fez certo o Supremo Tribunal Federal ao decidir sobre
descriminalizar o aborto até o terceiro mês de gestação? Ou o Brasil realmente
está na vanguarda frente a outros países que legalizaram o ato?
Em dezembro de 2016, ao decidir sobre
um caso específico de habeas corpus concedido a uma clínica clandestina de
aborto em Duque de Caxias, Rio de Janeiro, o Supremo Tribunal
Federal, com maioria da primeira turma, gerou precedente para fundamentar
outros julgamentos sobre o tema, reabrindo, assim, o debate sobre a
criminalização do aborto e dividindo opiniões de entidades religiosas e grupos
pró escolha. De acordo com este julgamento, interromper voluntariamente a
gravidez nos três primeiros meses de gestação não é crime. O parecer foi do
ministro Luis Roberto Barroso e este foi acompanhado pelos votos da ministra
Rosa Weber e do ministro Edson Fachin. A decisão tem efeito vinculante apenas
para o estado do Rio de Janeiro, mas já apresenta um possível posicionamento do
tribunal, visto que, em entendimentos anteriores, mostrou-se uma
inclinação favorável a descriminalização do aborto.
No entendimento do Supremo Tribunal
Federal, os artigos do Código Penal de 1940 a respeito da interrupção da
gestação não são compatíveis com a Constituição de 1988. O abortamento será
possível em qualquer condição e por
qualquer motivo, não só nos casos de estupro e de risco de vida para a mãe,
como prescruta o Código Penal. Em 2012, o STF permitiu o aborto nos casos de
anencefalia do feto, tendo como único voto contrário o do ministro Ricardo
Lewandowski, fato que denota, mais uma vez, uma abertura do tribunal frente ao
tema. Os opositores afirmam que interromper a gravidez é crime pois há vida
desde a concepção, seriam os adeptos da Teoria Concepcionista, onde o cunho
religioso é o mais expressivo de seus fundamentos. Outro argumento deste grupo
seria o fato de o STF exercer sobre a matéria um certo “ativismo”, legislando
sobre questões do âmbito exclusivo do Congresso Nacional. Já os grupos pró
decisão, alegam que a criminalização apenas afeta as mulheres de classes
abastadas que não possuem recursos para prevenção e posterior acompanhamento
médico da gestação, além de afirmarem que o STF pode sim legislar sobre esse
tema, visto que trata-se de um questão constitucional.
De acordo com estudos da Organização
Mundial de Saúde (OMS), países onde há leis que proíbem o aborto não conseguem
frear a prática e contam com taxas acima daqueles locais onde o aborto é
legalizado. Nos países onde a prática é autorizada, ela foi acompanhada
por uma ampla estratégia de planejamento familiar e acesso à saúde que levaram
a uma queda substancial no número de abortamentos realizados. A América do Sul
registrou uma alta significativa no número de abortos realizados entre 1990 e
2014.O resultado do levantamento indica que, nos países ricos, os abortos
caíram de 46 casos por cada mil mulheres em 1990 para apenas 27 em 2014. Nos
países em desenvolvimento, a redução foi insignificante, de 39 para 37 casos.O
que a OMS descobriu é que o aborto é um fenômeno principalmente de sociedades
pobres: 88% dos casos ocorrem no mundo em desenvolvimento. Parte da
explicação é o aumento populacional.O estudo também indica que, em 2014, um
quarto de todas as gestações terminaram em aborto no mundo. Em alguns
estados dos EUA e na maior parte da Europa, o aborto já foi liberado tendo como
único requisito a simples solicitação da gestante.
Diante deste quadro, fica claro que o
Brasil não está na vanguarda frente a outros países nessa questão. Os dados
aqui apresentados mostram que proibir o aborto não imputará redução da prática,
apenas continuará a fazer parte dos crimes que permanecem na cifra oculta ou
que geram, em inúmeros casos, a morte da gestante. Tratar o aborto como questão
de saúde pública e oferecer atendimento adequado, bem como métodos preventivos,
é a melhor forma de educar o casal e reduzir o número de abortamentos. Os
resultados conquistados pela OMS em seu estudo, mostram que as altas taxas de
aborto estão diretamente relacionadas com a falta de acesso à métodos
anticoncepcionais. Observar a evolução e a experiência de outros países é de
suma importância para que deixemos de lado o conservadorismo ultrapassado e
passemos a dar mais atenção ao que realmente é solução para este
problema.
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