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domingo, 7 de maio de 2017

Espaço do acadêmico - Maria Beatriz Corrêa Piquet Gonçalves

                                     

O ABORTO DE FETO ANENCÉFALO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

RESUMO: o artigo em questão tem como objetivo explanar a relação entre o aborto eugênico, ou seja, a eliminação de feto anencéfalo, e sua tipificação penal. Serão abordadas, desse modo, divergentes posições doutrinárias acerca da possibilidade ou não de um agente, em tais circunstâncias, responder penalmente pelo crime de aborto, exposto nos artigos 124 a 128 do Código Penal Brasileiro. Outrossim, busca-se expor os fundamentos de ambas as correntes, analisando, com destaque, a ADPF 54, jurisprudênciado STF que autorizou, no Brasil, a realização do aborto de feto anencéfalo.

Palavras-chave: Aborto. Anencéfalo.Tipificação penal. Posições doutrinárias. ADPF 54.



É necessário, de início, a fim de melhor entender o tema a ser abordado, expor diferentes conceitos de aborto. Carlos Alberto de S. Coelho e José Jarjura J. Junior, renomados médicos-legistas do Estado de São Paulo, definem aborto como sendo a “interrupção da prenhez, com a morte do produto, haja ou não expulsão, qualquer que seja o seu estado evolutivo, desde a concepção até o parto. ” O ordenamento jurídico brasileiro, diferentemente da medicina, não fixa limite temporalespecífico para a ocorrência de aborto. Pode-se tomar como exemplo a acepção de Carlos Brandão, o qual afirma que o abortamento consiste, em essência, na morte do concepto antes de sua viabilidade.

Atualmente, são previstas no Código Penal apenas duas hipóteses de excludentes da ilicitude do aborto, sejam elas o aborto necessário e o abordo humanitário, ambas contempladas no artigo 128 do supracitado código. O primeiro seria uma hipótese de estado de necessidade, em que há perigo de vida para a gestante, enquanto o segundo ocorre quando a gravidez resulta de estupro, de forma que seria permitida sua prática em nome da dignidade da vítima, sendo imprescindível, contudo, o seu consentimento para a realização do aborto.

Entretanto, como consequência de recorrentes debates, há também posições jurisprudenciais autorizando a prática de aborto em fetos que tenham graves anomalias que impossibilitem sua vida futura. Contudo, é necessário perceber que essas decisões se referem apenas a deformações graves e incompatíveis com a vida, de forma que anomalias a exemplo da ausência de membros e do sexo dúbio do feto não podem servir como escusa para a realização do aborto.

Dentre essas hipóteses de aborto autorizadas pela jurisprudência encontra-se o caso do feto portador de anencefalia. Essa posição apresente como fundamento a própria lei brasileira, que considera como fim da vida o momento em que é cessada a atividade cerebral. Desse modo, a realização do aborto anencefálico é baseada na impossibilidade de haver vida autônoma do bebê fora do útero materno.

Merece destaque o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, o qual prolatou, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54- 8/DF, decisão reconhecendo, por maioria de votos (8x2), como sendo ato lícito o aborto de feto anencefálico, tendo em vista não haver vida passível de tutela penal, pois há inviabilidade da sobrevivência do bebê quando separado da gestante.

“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, nos termos do voto do relator e por maioria, em sessão presidida pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas. Brasília, 12 de abril de 2012.

Os ministros que votaram pela procedência da ação, o fizeram por entender que o feto anencéfalo não tem chance de sobreviver e, se sobreviver, o será por pouco tempo, de forma que seu direito à vida não pode prevalecer a qualquer custo, muito menos em detrimento dos direitos fundamentais da gestante: dignidade da pessoa humana, autonomia da vontade, integridade física, psicológica e moral.

Há, inclusive, posicionamentos, a exemplo do Ministro do Supremo Celso de Mello, que defendem que o aborto anencefálico nem mesmo poderia ser considerado um aborto, mas apenas a eliminação de uma gestação malsucedida, tendo em vista que para que ocorra o aborto a criança deve ser um ser viável, o que não seria o caso. Sob esse aspecto, alega o ex-Ministro Ayres Britto que “todo aborto é uma interrupção da gestação, mas nem toda interrupção de gestação é um aborto. ”

Ainda, deve-se ressaltar todo o dano psicológico que uma gravidez inviável pode ocasionar para a gestante e a sua família. Sob esse aspecto, merece destaque posicionamento do Ministro Marco Aurélio, relator da ADPF 54: “parece incontroverso – impor a continuidade da gravidez de feto anencéfalo pode conduzir a quadro devastador, como o experimentado por Gabriela Oliveira Cordeiro, que figurou como paciente no emblemático Habeas Corpus nº 84.025/RJ, da relatoria do Ministro Joaquim Barbosa. A narrativa dela é reveladora: (...) Um dia eu não aguentei. Eu chorava muito, não conseguia parar de chorar. O meu marido me pedia para parar, mas eu não conseguia. Eu saí na rua correndo, chorando, e ele atrás de mim. Estava chovendo, era meia-noite. Eu estava pensando no bebê. Foi na semana anterior ao parto. Eu comecei a sonhar. O meu marido também. Eu sonhava com ela [referindo-se à filha que gerava] no caixão. Eu acordava gritando, soluçando. O meu marido tinha outro sonho. Ele sonhava que o bebê ia nascer com cabeça de monstro. Ele havia lido sobre anencefalia na internet. Se você vai buscar informações é aterrorizante. Ele sonhava que ela [novamente, referindo-se à filha] tinha cabeça de dinossauro. Quando chegou perto do nascimento, os sonhos pioraram. ” Fica evidenciado, a partir de relatos como tal, o tamanho sofrimento importado à gestante de feto anencéfalo impossibilitada de realizar o aborto.

Contrárias à decisão do Supremo, encontram-se diversas correntes, a exemplo do ex-ministro Cezar Peluso, o qual entendeu que o feto anencefálico é portador de vida e, em consequência, deve ter os seus direitos fundamentais tutelados. Afirmou o ministro que para que o aborto possa ser considerado crime basta a eliminação da vida, sendo desconsiderada toda e qualquer especulação quanto à sua viabilidade futura ou extrauterina. Portanto, a seu ver o aborto de feto portador desta anomalia seria, sim, uma conduta vedada pela legislação penal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se perceber que o aborto é um tópico muito polêmico e que gera diversos debates e discussões. Contudo, apesar de todas controvérsias que abarcam o tema em questão, é inegável que a ADPF 54 foi uma das mais importantes decisões tomadas pelo STF nos últimos tempos. Em consequência, hoje é autorizado, no Brasil, o aborto de feto anencéfalo.



REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte especial. Rio de Janeiro. Forense, 2017. Vol. 2.
BITENCOURT, César Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. Vol. 2.
ADPF 54/DF. Supremo Tribunal Federal. Rel. Marco Aurélio

E SILVA, Fernando Duarte Leopoldo. Aspectos médicos e jurídicos do aborto. Disponível em: https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1201 (acesso em 24/04/2017).

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