O homem primitivo se alegrava com
a morte do inimigo
(Trecho da Tese de mestrado de
João Franco)
- Freud no seu “Nossa Atitude Para com a Morte”,
foi taxativo em afirmar que a única justificativa para a condenação e severa
repressão ao homicídio só existia em razão do fato de que o homem havia
aprendido – e gostara – de matar.
Para ele o desaparecimento de quem
poderia ser um estorvo soava como agradável àquele que se considerava de algum
modo diminuído ou prejudicado. Considerando a mesma ação humana desenvolvida em
outro estágio da civilização, Freud recorda que os povos selvagens,
particularmente os australianos, não eram assassinos implacáveis. Voltando
vitoriosos de uma guerra “não pisam em suas aldeias, nem tocam em suas esposas
até que tenham expiado os assassinatos que perpetraram na guerra por
penitências quase sempre longas e tediosas”.
Freud considera que o homem primitivo
se alegrava com a morte de um inimigo, ao tempo em que ele ainda não havia estabelecido
a imagem de uma alma que existira ligada ao corpo inerte. Comenta a mudança de
comportamento em razão da forte pressão de cunho sobrenatural como o “Não
matarás” do decálogo:
"É fácil, naturalmente, atribuir
isso à sua superstição: o selvagem ainda teme os espíritos vingativos dos
assassinados.”
Mas os espíritos de seus inimigos
mortos nada mais são do que a expressão de sua consciência pesada por causa de
sua culpa de homicídio; por detrás dessa superstição jaz oculta uma veia de
sensibilidade ética que foi perdida por nós, homens civilizados [...]."
Uma proibição tão poderosa só pode ser
dirigida contra um impulso igualmente poderoso. O que nenhuma alma humana
deseja não precisa de proibição; é excluído automaticamente. A própria ênfase
dada ao mandamento ‘Não matarás’ nos assegura que brotamos de uma série
interminável de gerações de assassinos, que tinham a sede de matar em seu
sangue, como, talvez, nós próprios tenhamos hoje. Os esforços éticos da
humanidade, cuja força e significância não precisamos absolutamente depreciar,
foram adquiridos no curso da história do homem [1].
Vedações semelhantes como “E ao homem
pedirei contas da vida do homem, seu irmão. Quem derramar o sangue de um homem
terá o seu derramado, pois à sua imagem Deus fez o homem” (Gn 9, 5-6), e “Não
mates o inocente e o justo, porque não vou absolver o culpado” (Êx 23,7), são
frequentes e normalmente seguidas de ameaça da aplicação de severas sanções. Um
texto particularmente severo é encontrado quando da discussão do assassinato de
Abel: “Iahweh disse-lhe: que fizeste? Ouço o sangue de teu irmão, do solo,
clamar para mim! Agora és maldito e expulso do solo fértil que abriu a boca
para receber de tua mão o sangue de teu irmão” (Gn 4, 10-11).
O rompimento da relação entre o Senhor
e o criminoso fica exposto nessa passagem. O sangue consumido pelo solo é a
própria vida, conforme Lv 17, 14. Ele é disperso, interrompendo a ordem natural
do tempo da existência da vítima, em razão de uma ação desatinada. A mão que
derramou o sangue ao violar a lei não pode mais alimentar-se do solo fértil,
porque ele foi contaminado e é banido.
[1] FREUD, Sigismund. Nossa atitude
para com a morte. In: Obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago
[s.d.]. vol. XIV – Edição Eletrônica.
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