Deparamo-nos no dia-a-dia com uma
série de manifestações de agressões. É necessário que se entenda que algumas
delas são necessárias à sobrevivência do ser humano e outras permitem os
indispensáveis ajustes para a manutenção do equilíbrio social. Essas diferentes
formas de violência foram percebidas por Erich Fromm. (Erich Fromm, O coração
do homem, Zahar Editores.)
I - VIOLÊNCIA RECREATIVA
Sua abordagem, baseada nas
motivações inconscientes, continua merecendo atenção. Para ele, a violência
recreativa é uma forma não patológica e pode ser observada nas atividades onde
ela é exercida com o fim de exibir perícia e não de provocar destruição. Na
hipótese não existe ódio ou destrutividade em sua motivação. O tipo se faz
presente nos jogos guerreiros em tribos, nas artes marciais ou competições
esportivas onde o emprego da força se faz necessário para a vitória ou até em
jogos eletrônicos.
II - VIOLÊNCIA REATIVA
A violência reativa, com suas
raízes no medo (real ou imaginário, consciente ou não), é uma forma mais
frequente. É empregada na defesa da vida, liberdade, propriedade ou dignidade.
Por objetivar preservar e não destruir, suas consequências morais e legais são
admitidas como aceitáveis, sob o nome de legítima defesa, mesmo que ocorra
perda de outra vida.
III - VIOLÊNCIA POR FRUSTRAÇÃO
A violência por frustração é um
tipo da violência reativa exercitada por animais, crianças e homens. Surge
quando um desejo ou necessidade não atinge o seu objeto ou não se integraliza.
Nessa categoria está a hostilidade nascida da inveja ou ciúme. Deve-se observar
que o ciúme sempre foi considerado um sentimento capaz de deflagrar as mais
violentas reações, conforme se verifica até no Livro do Êxodo onde se encontra
o verbo hebraico qana, usualmente traduzido por “ciumento”. É interessante notar,
contudo, que os mais recentes estudos demonstram que qana possui o sentido
primitivo de “ser incandescente, arder, flamejar”. As traduções desse verbo
para o árabe resultam em “tornar-se muito vermelho”, “provocar irritação,
inveja, ciúme”. Qina tem o sentido primeiro de “paixão ou violenta excitação”.
Qina pode tornar-se, contudo “inimizade” ou “ódio”. Curiosa à percepção da
sequência de sensações: qana parte de “ser incandescente, arder”,
transformando-se em “tornar-se muito vermelho”, “ciúme” e concluindo em qina,
“inimizade” ou “ódio”. (André Chouraqui, A Bíblia - Êxodo, pág. 245, Imago
Editora.)
IV - VIOLÊNCIA VINGATIVA
Conduzindo suas observações para
a proximidade do patológico, Fromm considera a violência vingativa, cuja
prática representa um desejo e possui a função fantasiosa de desfazer
magicamente o que foi feito na realidade. Essa violência curiosamente se faz
presente tanto em grupos primitivos quanto em sociedades civilizadas. Por
independer do grau de desenvolvimento de um povo, pode-se considerar que ela
faz parte da própria natureza humana. Observa Fromm ser mais forte a sua
manifestação na ordem indireta da autoestima e produtividade e na ordem direta
do empobrecimento econômico e cultural. Suas manifestações são sentidas a
partir do desmoronamento da fé que ocorre em uma criança pela quebra da imagem
positiva que faz dos pais, da família, dos amigos, religião e até no adulto
que, ludibriado e desapontado, torna-se um elemento cínico e destruidor.
Alimenta então o desejo de provar que a maldade impera e que os homens, a vida
e ele próprio são igualmente maus. Por não tolerar mais o desapontamento, leva
com isso o ódio à vida.
V - VIOLÊNCIA COMPENSATÓRIA
Já a violência compensatória é
uma forma claramente patológica. Ela é empregada como um processo substitutivo
da atividade do agente que se descobre impotente perante a vida. O homem que se
vê incapaz de tornar realidade seus desejos e toma consciência de ter se
transformado em um simples objeto e joguete das circunstâncias. Em virtude de sua
debilidade não é capaz de cumprir o papel de elemento criador ou transformador
e se ressente de sua situação. Por não possuir as qualidades necessárias para
criar a vida faz a opção por destruí-la, por ser este o caminho mais fácil,
bastando-lhe para tanto a vontade viciada, que já possui, ou de uma arma.
Compensa seu fracasso destruindo ou desorganizando a vida, nos outros ou em si
próprio.
Muito se tem dito sobre ser o
problema da manifestação de violência por parte do homem muito mais biológico
que psicológico. Algumas pessoas nasceriam com falhas na estrutura do caráter e
apresentariam características biológicas voltadas para a agressividade e
desconhecendo as sensações de afetividade. Teriam uma natureza mórbida,
nascendo geneticamente mal formadas e agindo por instinto.
Um criminoso dessa qualidade é um
psicopata perverso. Já nasce com uma destinação biológica para a crueldade. Sua
percepção do sentimento de rejeição que ele causa e as pressões familiares
estabelecidas ao seu redor desencadeiam o grave desvio de conduta. Acentuada a
doença, é exaltada a sensação de ódio e devastador desejo de vingança.
Já foi lembrando que o homem é
anatomicamente um animal como outro qualquer; a única diferença substancial é
que possui um lobo frontal um pouco mais desenvolvido do que as outras
espécies. Porém todos nós guardamos, lá no fundo e em estado latente no código
genético, uma porção selvagem, sempre pronta a revigorar-se. Para os
irracionalistas o que diferencia homem moderno do primitivo é apenas uma tênue
camada de verniz chamada civilização. Arranhada esta, por estímulos sociais ou
defeitos biológicos, seu lado animal virá à tona. Assim haveria uma
predisposição física para o procedimento agressivo.
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