Cristianismo
O cristianismo procura novas respostas. O Antigo Testamento conduz o homem a uma
série de indagações ao tratar no Gênesis do primeiro homicídio. Antes do assassinato de Abel o Senhor Iahweh
vendo Caim irritado com seu irmão e com o rosto transtornado, sob motivação do
ciúme, adverte: “ Se procederes mal o
pecado deitar-se-á à tua porta e andará
a espreitar-te. Cuidado, pois ele tem
muita inclinação para ti, mas deves dominá-lo”.
O texto deixa claro o entendimento de que o
homem possui a liberdade de escolha entre a prática, ou não, do mal. Portanto não existe a predestinação para o
crime e, em virtude da não intromissão
divina no seu comportamento, Caim permanece livre na opção, ainda que haja muita inclinação, e que isso signifique
tendências para determinados procedimentos.
Morto Abel o Senhor não o fulmina Caim de
imediato em ato de justa cólera. Iahweh espera. Malgrado possuir pleno
conhecimento das limitações de Caim assim como das suas motivações e
procedimento, sabendo do homicídio praticado contra um irmão com violação da
confiança que a vítima tinha em seu algoz, e provavelmente - conforme se depreende
do relato bíblico - mediante dissimulação teria tornando impossível a defesa. O
diálogo não é interrompido apesar da tentativa frustrada de encobrir ou negar a
prática do crime. Caim descaradamente declara “não saber dele”, e acrescenta
“são ser responsável pela guarda (segurança) do irmão. Depois do questionamento
e da resposta que implicava em uma negativa de autoria Deus simplesmente
indaga: “Que fizeste?” “Que fizeste?”.
Por ser um chamado à consciência é uma
questão a qual nem o autor de qualquer crime ou o seu julgador pode escapar.
Como em um inquérito são abordadas várias questões trazendo a tona
investigações mediante as quais o cristianismo amplia as responsabilidades, não
só quanto a um ato e seu autor, mas a todos os procedimentos que culminem com a
eliminação da vida ou ataques a sua existência e atinge também os que se omitem
ou decidem quanto à sorte dos criminosos.
Nos Dez Mandamentos, ou como se chamavam
originariamente, “As Dez Palavras” aparece o verbo “rasah”. Indicava a prática de um homicídio grave. Na realidade
“rasah” aparece nos textos bíblicos apenas quarenta e seis vezes contra mais de
duzentas outras expressões que significam “matar”. Tudo parece indicar que nas
distinções entre as penas aplicáveis aos homicidas já existia a clara definição
entre homicídio simples, culposo e qualificado: era prevista a pena de morte no
Levítico 24,17; a maldição era a pena em Deuteronômio 27,24. Em Números 35,6 o “rasah”
tornava o agente sujeito a vingança de sangue, sem direito a asilo, se a morte
fosse levada a cabo por ódio ou pura maldade. Ao final vê-se que a pena capital
era limitada apenas aos casos de homicídio premeditado. [1]
João Franco
Catecismo da Igreja Católica
A liberdade do homem
1730. Deus criou o homem racional, conferindo-lhe a dignidade de
pessoa dotada de iniciativa e do domínio dos seus próprios atos. «Deus quis
"deixar o homem entregue à sua própria decisão"(Sir 15, 14), de tal modo que procure
por si mesmo o seu Criador e, aderindo livremente a Ele, chegue à total e
beatífica perfeição» (29):
«O homem é racional e, por isso,
semelhante a Deus, criado livre e senhor dos seus atos» (30).
I. Liberdade e
responsabilidade
1731. A liberdade é o poder, radicado na razão e
na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, praticando assim, por
si mesmo, ações deliberadas. Pelo livre arbítrio, cada qual dispõe de si. A
liberdade é, no homem, uma força de crescimento e de maturação na verdade e na
bondade. E atinge a sua perfeição quando está ordenada para Deus, nossa
bem-aventurança.
1732. Enquanto se não fixa definitivamente no
seu bem último, que é Deus,
a liberdade implica a possibilidade de escolher
entre o bem e o mal, e,
portanto, de crescer na perfeição ou de falhar e pecar. É ela que caracteriza
os atos propriamente humanos. Torna-se fonte de louvor ou de censura, de mérito
ou de demérito.
1733. Quanto mais o homem fizer o bem, mais
livre se torna. Não há verdadeira liberdade senão no serviço do bem e da
justiça. A opção pela desobediência e pelo mal é um abuso da liberdade e conduz
à escravidão do pecado (31).
1734. A
liberdade torna o homem responsável pelos seus atos, na medida em que
são voluntários. O progresso
na virtude, o conhecimento do bem e a ascese aumentam o domínio da vontade
sobre os próprios atos.
1735. A
imputabilidade e
responsabilidade dum ato podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância,
a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas e
outros fatores psíquicos ou sociais.
1736. Todo
o ato diretamente querido é imputável ao seu autor.
Assim, depois do pecado no paraíso, o Senhor pergunta a Adão: «Que
fizeste'?» (Gn 3, 13). O
mesmo faz a Caim (32). Assim
também o profeta Natan ao rei David, após o adultério com a mulher de Urias e o
assassinato deste (33).
Uma ação pode ser indiretamente
voluntária, quando resulta duma negligência relativa ao que se deveria ter
conhecido ou feito, por exemplo, um acidente de trânsito, provocado por
ignorância do código da estrada.
1737. Um efeito pode ser tolerado, sem ter sido
querido pelo agente, por exemplo, o esgotamento duma mãe à cabeceira do seu
filho doente. O efeito mau não é imputável se não tiver sido querido nem como
fim nem como meio do ato, como a morte sofrida quando se levava socorro a uma
pessoa em perigo. Para que o efeito mau seja imputável, é necessário que seja
previsível e que aquele que age tenha a possibilidade de o evitar como, por
exemplo, no caso dum homicídio cometido por um condutor em estado de
embriaguez.
1738. A liberdade exercita-se nas relações entre seres humanos.
Toda a pessoa humana, criada à imagem de Deus, tem o direito natural de ser
reconhecida como ser livre e responsável. Todos devem a todos este dever do
respeito. O direito ao
exercício da liberdade é uma
exigência inseparável da dignidade da pessoa humana, nomeadamente em matéria
moral e religiosa (34). Este direito deve ser civilmente reconhecido e
protegido dentro dos limites do bem comum e da ordem pública (35).
II. A liberdade humana na
economia da salvação
1740. Ameaças à liberdade. O exercício da liberdade não implica o direito de tudo dizer
e fazer. É falso pretender que «o homem, sujeito da liberdade, se basta a si
mesmo, tendo por fim a satisfação do seu interesse próprio no gozo dos bens
terrenos»(36). Por outro
lado, as condições de ordem econômica e social, política e cultural, requeridas
para um justo exercício da liberdade, são com demasiada frequência desprezadas
e violadas. Estas situações de cegueira e de injustiça abalam a vida moral e
induzem tanto os fracos como os fortes na tentação de pecar contra a caridade.
Afastando-se da lei moral, o homem atenta contra a sua própria liberdade,
agrilhoa-se a si mesmo, quebra os laços de fraternidade com os seus semelhantes
e rebela-se contra a verdade divina.
Resumindo:
1743. «Deus [...] deixou o homem entregue à sua
própria decisão» (Sir 15, 14), para que ele possa aderir livremente ao seu
Criador e chegar assim à perfeição beatífica (40).
1744. A liberdade é a capacidade de agir ou não
agir e, assim, de realizar por si mesmo ações deliberadas. Atinge a perfeição
do seu ato, quando está ordenada para Deus, supremo Bem.
1745. A liberdade caracteriza os atos
propriamente humanos. Torna o ser humano responsável pelos atos de que é autor
voluntário. O seu agir deliberado pertence-lhe como próprio.
1746. A imputabilidade ou responsabilidade duma ação pode ser
diminuída, ou suprimida, por ignorância, violência, medo e outros fatores
psíquicos ou sociais.
1747. O direito ao exercício da liberdade é uma
exigência inseparável da dignidade do homem, sobretudo em matéria religiosa e
moral. Mas o exercício da liberdade não implica o suposto direito de tudo dizer
ou de tudo fazer.
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