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domingo, 26 de maio de 2013

Espaço do acadêmico - Jéssica Bezerra Carvalho


Sequestro e cárcere privado

Art.148. Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:

Pena- reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.


§ 1º. A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos:

I-se a vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do agente;

II-se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

III-se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias;

IV-se o crime é praticado contra menor de 18(dezoito) anos;

V-se o crime é praticado com fins libidinosos.


§ 2º. Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral.

Pena-reclusão, de 2 ( dois) a 8 (oito) anos.


O presente dispositivo, em consonância com o artigo 5º, XV, da Constituição Federal de 1988 (“É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.”), tem como bem jurídico tutelado a liberdade individual, especialmente a liberdade de locomoção, não deixando de ser uma espécie de constrangimento ilegal (vide art. 146/CP), apenas diferenciado pela especialidade. Por se tratar a liberdade de um bem jurídico disponível, é mister lembrar que não haverá crime quando, para o cerceamento da liberdade, houver consentimento válido da vítima, a não ser que haja dissentimento da vítima.

Para Guilherme de Souza Nucci, o entendimento do núcleo do tipo refere-se à conduta de alguém que restringe a liberdade de outrem, entendida esta como direito de ir e vir, portanto físico, e não intelectual. Quanto a diferenciação doutrinária entre sequestro e cárcere privado, o citado autor entende que o legislador valeu-se do bis in idem ao mencionar “privar liberdade”, “mediante sequestro” ou “cárcere privado” com o objetivo de demonstrar que a privação de liberdade é na esfera do direito de ir e vir, e não se relaciona à privação de ideias ou da liberdade de expressão de pensamentos e opiniões. Já para Bitencourt, apesar dos sentidos semelhantes das expressões “sequestro” e “cárcere privado”, em sentido estrito, pode-se dizer que no cárcere privado há confinamento ou clausura, enquanto, no sequestro, a supressão da liberdade não precisa ser confinada em limites tão estreitos. É interessante observar, que apesar de o legislador dar a possibilidade de aplicação da mesma pena em abstrato tanto para o sequestro como para o cárcere privado, há que se prestar atenção à possibilidade o magistrado, quando da dosimetria da pena, sopesar o modo pelo qual foi privada a liberdade de ir e vir da vítima, neste caso, então, faz diferença a distinção feita pela doutrina entre o sequestro e o cárcere privado.

Consuma-se o tipo penal com a efetiva restrição ou privação da liberdade de locomoção por tempo juridicamente relevante. Se a privação da liberdade for rápida (instantânea), não configurará o crime, cabendo, no máximo, a tentativa ou constrangimento ilegal.

Há que se atentar para  a subsidiariedade dos delitos contra a liberdade pessoal em relação aos outros tipos penais. Se o agente,por exemplo, tiver a finalidade de mediante o sequestro, receber vantagem, incidirá o delito do artigo 159 (extorsão mediante sequestro).

O tipo penal em estudo, segundo Cézar Roberto Bitencourt, trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa; é material, consumando-se somente com a efetiva privação de liberdade da vítima; é permanente, uma vez que a ofensa ao bem jurídico (privação de liberdade) prolonga-se no tempo, podendo, inclusive, o agente praticar o crime mesmo quando a vítima já se encontra privada de sua liberdade, desde que aquele a reduza ainda mais; pode ser comissivo ou omissivo, o primeiro quando o sujeito ativo priva a vítima de sua liberdade,o segundo quando, por exemplo, carcereiro deixa de colocar em liberdade o condenado que já cumpriu a pena; e doloso, não havendo modalidade culposa.

As hipóteses mencionadas nos § § 1º e 2º constituem qualificadoras, demonstrando maior reprovabilidade para essas condutas. Apresentam cinco hipóteses: Quando a vítima for ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de sessenta anos; Quando o crime for praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital; Quando a privação da liberdade durar mais de quinze dias; Quando o crime é praticado contra menor de dezoito anos; Quando o crime é praticado com fins libidinosos. Por se tratar de crime comum, qualquer pessoa pode ser sujeito passivo ou sujeito ativo. Quanto ao sujeito ativo, é preciso observar se ele é funcionário público no exercício de suas funções, uma vez que o delito poderá ser outro. No entanto, não é necessário que a vítima tenha consciência da privação da liberdade que está sofrendo ou seja capaz de querer e agir para afastar-se do lugar da detenção, de modo que podem vir a sofrer esse constrangimento mesmo aqueles que se encontrarem em estado de inconsciência, loucos e ébrios. Da mesma forma, podem ser sujeito passivo os deficientes físicos, aquelas pessoas que têm dificuldade de se locomover e aquelas pessoas que se encontrarem internadas.

Um recente caso ocorrido nos EUA, divulgado pela imprensa no dia 09/05/2013, exemplifica o tipo penal exposto.

Veja o caso:

Três mulheres foram libertadas na segunda-feira, após ficarem mais de dez anos sequestradas dentro de uma casa em Cleveland, nos Estados Unidos. O dono do imóvel e acusado do crime, Ariel Castro, 52, foi indiciado nesta quinta-feira por sequestro e estupro.

O acusado pelo sequestro, Ariel Castro, 52, trabalhava como motorista de ônibus escolar até ser demitido em novembro. Dois irmãos dele, Odin, 50, e Pedro, 54, chegaram a ser detidos como suspeitos, mas foram liberados porque os investigadores concluíram que eles não participaram do crime

Entre 2002 e 2004, Castro capturou Amanda Berry, atualmente com 27, Gina DeJesus, 23, e Michelle Knight, 32. No cativeiro vivia também uma menina de seis anos, que, segundo a polícia, é filha de Berry, concebida e nascida em cativeiro.

Nos três casos, o sequestro ocorreu quando as vítimas, então adolescentes, aceitaram caronas de Castro. Inicialmente, as jovens ficavam em cômodos separados da casa, mas, depois, Castro permitiu que todas ficassem juntas. Elas contaram só puderam sair do cativeiro em duas ocasiões, disfarçadas com perucas e chapéus, para ir à garagem que fica separada da casa. As três mulheres eram mantidas por longos períodos no porão da casa, presas a correntes e cordas, e eventualmente passando fome.

Em entrevista ao "New York Times", um primo de Georgina DeJesus, que não quis se identificar, disse que a vítima afirmou que o suspeito festejava todos os anos o aniversário de captura das três jovens, servindo um bolo no jantar.

Knight sofreu pelo menos cinco abortos induzidos por Castro. Quando grávida, ela era obrigada a passar semanas sem se alimentar direito. Castro também batia na barriga dela.

Informações preliminares dão conta de que a filha de Berry nasceu no dia de Natal de 2006, dentro de uma piscina infantil inflável, para conseguir conter o sangue e o líquido amniótico do parto.

Um exame vai determinar quem é o pai da criança.

Knight disse que, após o parto, o bebê chegou a ter uma parada respiratória e todos começaram a gritar. Nesse momento, Castro teria ameaçado matá-la caso o bebê de Berry não sobrevivesse.

O longo cativeiro terminou na segunda-feira (6), quando vizinhos ouviram gritos e ajudaram Berry a arrombar a porta e chamar a polícia.


Analisando o caso, à luz do Direito Penal Brasileiro, infere-se que se trata de crime de sequestro e cárcere privado, na forma qualificada dos parágrafos 1º, incisos III, IV e V E 2º, uma vez que o sequestro ocorreu quando as vítimas eram adolescentes, com fins libidinosos e a privação da liberdade durou mais de 15 dias.


Referências:

BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. 12.ed.rev. e ampl- São Paulo: Saraiva, 2012.

PRADO, Luiz Regis.Curso de direito penal brasileiro, volume 2: parte especial. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: RT, 2002.

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