Sequestro
e cárcere privado
Art.148. Privar alguém de
sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:
Pena- reclusão, de 1 (um) a 3 (três)
anos.
§ 1º. A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos:
I-se a vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do
agente;
II-se o crime é praticado mediante internação da vítima
em casa de saúde ou hospital;
III-se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze)
dias;
IV-se o crime é praticado contra menor de 18(dezoito)
anos;
V-se o crime é praticado com fins libidinosos.
§ 2º. Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da
detenção, grave sofrimento físico ou moral.
Pena-reclusão,
de 2 ( dois) a 8 (oito) anos.
O presente dispositivo, em consonância com o artigo 5º, XV, da Constituição Federal
de 1988 (“É livre a locomoção no território
nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei nele
entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.”), tem como bem jurídico
tutelado a liberdade individual, especialmente a liberdade de locomoção, não
deixando de ser uma espécie de constrangimento ilegal (vide art. 146/CP),
apenas diferenciado pela especialidade. Por se tratar a liberdade de um bem
jurídico disponível, é mister lembrar que não haverá crime quando, para o cerceamento
da liberdade, houver consentimento válido da vítima, a não ser que haja
dissentimento da vítima.
Para Guilherme de
Souza Nucci, o entendimento do núcleo do tipo refere-se à conduta de alguém que
restringe a liberdade de outrem, entendida esta como direito de ir e vir,
portanto físico, e não intelectual. Quanto a diferenciação doutrinária entre
sequestro e cárcere privado, o citado autor entende que o legislador valeu-se
do bis in idem ao mencionar “privar liberdade”, “mediante sequestro” ou
“cárcere privado” com o objetivo de demonstrar que a privação de liberdade é na
esfera do direito de ir e vir, e não se relaciona à privação de ideias ou da
liberdade de expressão de pensamentos e opiniões. Já para Bitencourt, apesar
dos sentidos semelhantes das expressões “sequestro” e “cárcere privado”, em
sentido estrito, pode-se dizer que no cárcere privado há confinamento ou
clausura, enquanto, no sequestro, a supressão da liberdade não precisa ser
confinada em limites tão estreitos. É interessante observar, que apesar de o
legislador dar a possibilidade de aplicação da mesma pena em abstrato tanto
para o sequestro como para o cárcere privado, há que se prestar atenção à
possibilidade o magistrado, quando da dosimetria da pena, sopesar o modo pelo
qual foi privada a liberdade de ir e vir da vítima, neste caso, então, faz
diferença a distinção feita pela doutrina entre o sequestro e o cárcere
privado.
Consuma-se o tipo
penal com a efetiva restrição ou privação da liberdade de locomoção por tempo
juridicamente relevante. Se a privação da liberdade for rápida (instantânea),
não configurará o crime, cabendo, no máximo, a tentativa ou constrangimento
ilegal.
Há que se atentar
para a subsidiariedade dos delitos contra a liberdade pessoal em relação
aos outros tipos penais. Se o agente,por exemplo, tiver a finalidade de
mediante o sequestro, receber vantagem, incidirá o delito do artigo 159
(extorsão mediante sequestro).
O tipo penal em estudo, segundo Cézar Roberto Bitencourt, trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa; é material, consumando-se somente com a efetiva privação de liberdade da vítima; é permanente, uma vez que a ofensa ao bem jurídico (privação de liberdade) prolonga-se no tempo, podendo, inclusive, o agente praticar o crime mesmo quando a vítima já se encontra privada de sua liberdade, desde que aquele a reduza ainda mais; pode ser comissivo ou omissivo, o primeiro quando o sujeito ativo priva a vítima de sua liberdade,o segundo quando, por exemplo, carcereiro deixa de colocar em liberdade o condenado que já cumpriu a pena; e doloso, não havendo modalidade culposa.
As hipóteses mencionadas nos § § 1º e
2º constituem qualificadoras, demonstrando maior reprovabilidade para essas
condutas. Apresentam cinco hipóteses: Quando a vítima for ascendente,
descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de sessenta anos; Quando
o crime for praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou
hospital; Quando a privação da liberdade durar mais de quinze dias; Quando o crime
é praticado contra menor de dezoito anos; Quando o crime é praticado com fins
libidinosos. Por se tratar de crime comum, qualquer pessoa pode ser sujeito
passivo ou sujeito ativo. Quanto ao sujeito ativo, é preciso observar se ele é
funcionário público no exercício de suas funções, uma vez que o delito poderá
ser outro. No entanto, não é necessário que a vítima tenha consciência da
privação da liberdade que está sofrendo ou seja capaz de querer e agir para
afastar-se do lugar da detenção, de modo que podem vir a sofrer esse
constrangimento mesmo aqueles que se encontrarem em estado de inconsciência,
loucos e ébrios. Da mesma forma, podem ser sujeito passivo os deficientes
físicos, aquelas pessoas que têm dificuldade de se locomover e aquelas pessoas
que se encontrarem internadas.
Um recente caso ocorrido nos EUA,
divulgado pela imprensa no dia 09/05/2013, exemplifica o tipo penal exposto.
Veja o caso:
Três mulheres foram libertadas na
segunda-feira, após ficarem mais de dez anos sequestradas dentro de uma casa em
Cleveland, nos Estados Unidos. O dono do imóvel e acusado do crime, Ariel
Castro, 52, foi indiciado nesta quinta-feira por sequestro e estupro.
O acusado pelo sequestro, Ariel
Castro, 52, trabalhava como motorista de ônibus escolar até ser demitido em
novembro. Dois irmãos dele, Odin, 50, e Pedro, 54, chegaram a ser detidos como
suspeitos, mas foram liberados porque os investigadores concluíram que eles não
participaram do crime
Entre
2002 e 2004, Castro capturou Amanda Berry, atualmente com 27, Gina DeJesus, 23,
e Michelle Knight, 32. No cativeiro vivia também uma menina de seis anos, que,
segundo a polícia, é filha de Berry, concebida e nascida em cativeiro.
Nos
três casos, o sequestro ocorreu quando as vítimas, então adolescentes,
aceitaram caronas de Castro. Inicialmente, as jovens ficavam em cômodos
separados da casa, mas, depois, Castro permitiu que todas ficassem juntas. Elas
contaram só puderam sair do
cativeiro em duas ocasiões, disfarçadas com perucas
e chapéus, para ir à garagem que fica separada da casa. As três mulheres eram mantidas por longos períodos no porão da
casa, presas a correntes e cordas, e eventualmente passando fome.
Em
entrevista ao "New York Times", um primo de Georgina DeJesus, que não
quis se identificar, disse que a vítima afirmou que o suspeito festejava todos
os anos o aniversário de captura das três jovens, servindo um bolo no jantar.
Knight
sofreu pelo menos cinco abortos induzidos por Castro. Quando grávida, ela era
obrigada a passar semanas sem se alimentar direito. Castro também batia na
barriga dela.
Informações
preliminares dão conta de que a filha de Berry nasceu no dia de Natal de 2006,
dentro de uma piscina infantil inflável, para conseguir conter o sangue e o
líquido amniótico do parto.
Um
exame vai determinar quem é o pai da criança.
Knight
disse que, após o parto, o bebê chegou a ter uma parada respiratória e todos
começaram a gritar. Nesse momento, Castro teria ameaçado matá-la caso o bebê de
Berry não sobrevivesse.
O
longo cativeiro terminou na segunda-feira (6), quando vizinhos ouviram gritos e
ajudaram Berry a arrombar a porta e chamar a polícia.
Analisando o caso, à luz do Direito
Penal Brasileiro, infere-se que se trata de crime de sequestro e cárcere
privado, na forma qualificada dos parágrafos 1º, incisos III, IV e V E 2º, uma
vez que o sequestro ocorreu quando as
vítimas eram adolescentes, com fins
libidinosos e a privação da liberdade durou mais de 15 dias.
Referências:
BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado
de Direito Penal 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. 12.ed.rev.
e ampl- São Paulo: Saraiva, 2012.
PRADO, Luiz Regis.Curso de direito penal brasileiro,
volume 2: parte especial. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2006.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo
Penal Comentado. São Paulo: RT, 2002.
Nenhum comentário:
Postar um comentário