Redução
a condução análoga à escravidão (Art. 149 CP)
1. Introdução
Segundo
dados da Organização Internacional do Trabalho, quase 21 milhões de pessoas
estão submetidas ao regime de trabalho forçado no mundo. Já no Brasil, 25 mil
pessoas estão trabalhando nesse regime desumano. Este tipo penal não se refere
a escravidão histórica que nos remete as figuras de pessoas acorrentadas,
presas em senzalas coagidas a realizar serviços para o senhor de engenho sob
constante castigo físico. O artigo 149 do CP tipifica a escravidão moderna, que
é mais sutil do que a do século XIX e a restrição da liberdade pode decorrer de
diversos constrangimentos econômicos e não obrigatoriamente físicos. Impedir
que alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como
pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante a coação, mas também pela
violação intensa de seus direitos
básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. Não é qualquer violação dos
direitos trabalhistas que configura trabalho escravo.
2. Contexto
Histórico
Diante
do alarmante número de pessoas que laboram em condições que se assemelham a
escravidão é notório que ranço colonial nos acompanha desde os primórdios do
Brasil. É grande a influência que a cultura e as relações sociais desenvolvem
sobre esse tipo penal, logo, é necessário que se faça uma breve
contextualização histórica.
O
Código Criminal do Império de 1830, editado na época escravocrata brasileira,
apenas tipificava como crime a sujeição da pessoa livre à escravidão. A Carta
Criminal de 1890, mesmo sendo pós-escravidão, não legisla a respeito do delito.
Com o Código Penal de 1940 é que a conduta é realmente é tipificada, mas só com
o advento da Lei 10.803/2003 (consequência da participação do Brasil em vários
tratados que visam a erradicação do trabalho escravo, como a Convenção nº 29,
adotada na 14ª Sessão da Conferência Geral da Organização Internacional do
Trabalho, realizada em Genebra em 28 de junho 1930), que trás importantes
modificações para o Art. 149 do CP, é que o crime de redução a condução análoga
à de escravo recebe mais parâmetros para ser aplicado. Antes da lei supracitada
a conduta tipificada no art. 149 CP era um crime
de forma livre, agora é um crime de
forma vinculada (crime de forma especial), pela limitação do sujeito
passivo ou pela limitação dos meios de execução do delito.
3.
Conceito
O tipo penal exposto no artigo 149 do CP também é
conhecido como crime de “plágio” (plagium),
termo oriundo do direito da Roma Antiga, que consiste na sujeição de uma pessoa
ao domínio da outra. É importante destacar que o sentido mais comum da palavra
plágio, na atualidade, é o de usurpação da autoria de obra intelectual.
4.
Bem Jurídico Tutelado
A
liberdade da vítima (status libertatis),
em todas as suas formas de exteriorização, é o bem jurídico desse tipo. Cezar
Bitencourt entende que a liberdade protegida seria sob o aspecto ético-social,
ou seja, a própria dignidade do indivíduo. Com muita sabedoria ele destaca:
“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo fere, acima de tudo, o
princípio da dignidade humana, despojando-o de todos os seus valores
ético-sociais, transformando-o em res,
no sentido conhecido pelos romanos.” Ambos os princípios tem garantia
Constitucional.
5.
Sujeito Ativo e Sujeito Passivo
Segundo a doutrina majoritária qualquer pessoa pode ser o
sujeito ativo desse tipo. Portanto, trata-se de um crime comum e não próprio,
visto que não se exige nenhuma qualidade ou condição especial. Se o agente for
funcionário público e praticar o fato no exercício das funções poderá
configurar o crime de abuso de autoridade. Um detalhe importante, a pessoa
jurídica não pode ser sujeito passivo, na medida em que só a criatura humana
pode ser escravizada, e nem sujeito
ativo desse crime, a responsabilidade recai sobre a pessoa que dirige esta.
A Lei n. 10.803/2003 mudou o entendimento com relação ao
sujeito passivo, é indispensável para estabelecimento do sujeito passivo do
crime que este esteja na condição de contratado do sujeito ativo. O vínculo
trabalhista entre os sujeitos desse tipo
condição sine qua non para
tipificação do art. 149 CP a relação de prestação de serviço. Sem esta não
caracterizará o tipo mesmo que exista a restrição da liberdade prevista no
dispositivo.
6.
Classificação Doutrinária
É um crime comum (pode ser praticado por qualquer
pessoa), material (consuma-se com o
resultado), comissivo (impossível de
ser praticado por omissão), permanente
(pois a ofensa ao bem jurídico prolonga-se no tempo), doloso (não é possível na modalidade culposa) e é plurissubsistente (delito cuja ação se
compõe de vários atos). Por conta desta ultima característica admite a figura
tentada.
A Lei n. 10.803/2003, que modifica o artigo 149 CP,
restringiu o alcance do tipo penal. Passou de um crime de forma livre para um
crime de forma vinculada, quer pela limitação do sujeito passivo, quer pelos
meios e formas utilizadas, que passaram a ser específicos.
7.
Causas de Aumento de Pena
Estão presentes no
§2º do artigo 149 do CP e podem aumentar de metade a pena. Uma curiosidade é
que o fato da vítima ser idosa ou gestante não enseja o agravamento da pena, ao
contrário do que ocorre com alguns tipos penais arrolado no Título IV (crimes
contra a organização do trabalho) como: art. 207 §2º do Código Penal.
8.
Pena e Ação Penal
A pena estabelecida
no caput do artigo é de 2 a 8 anos de
reclusão, e multa, além da pena correspondente a violência, tanto para as
hipóteses previstas no inicio do artigo assim como as elencadas no parágrafo
primeiro. A ação penal é de iniciativa pública incondicionada.
9.
Bibliografia
PRADO, Luiz
Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 2 – Parte Especial. 2a ed. São
Paulo: RT, 2002, p. 300.
Organização
Internacional do Trabalho. As boas práticas da inspeção do trabalho no Brasil :
a erradicação do trabalho análogo ao de escravo. Brasília: OIT, 2010, p. 56.
Disponível em: <http://www.oit.org.br/info/downloadfile.php?fileId=504>.
BITENCOURT,
Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 2. 5a ed. São Paulo: Saraiva,
2013.
JESUS,
Damásio de. Direito Penal Parte Especial. Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2010.
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