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terça-feira, 23 de maio de 2017

Homicídio duplamente qualificado

Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO Nº 20974/2009 - CLASSE CNJ - 417 - COMARCA DE PARANATINGA

APELANTE: RAIMUNDO ARRUDA NERES

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

Número do Protocolo: 20974/2009

Data de Julgamento: 05-8-2009

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - QUALIFICADORAS DO MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - CIÚMES E BRIGA PRÉVIA - INOCORRÊNCIA - VEREDITO POPULAR UNÂNIME COM SUPORTE NA PROVA DOS AUTOS - RECURSO IMPROVIDO.

Existindo prova a sustentar a versão acolhida pelo Conselho de Sentença, não há como cassar a decisão.

A verificação, na prática, entre o desvario motivado pelo ciúme e a futilidade, embora constitua elemento subjetivo, não deve ser cometida, com exclusividade, as declarações do agente, mas, também, as circunstâncias em que se deram os fatos, sem que se descure do senso moral médio.

Mantém-se a qualificadora do motivo fútil, quando a reação homicida não encontra arrimo na sensibilidade moral média, em face à desproporcionalidade na eliminação da vítima à conta de ciúmes tardios e sentimentos irrevelados diante de pretendente da ex-namorada.

Se a vítima não tinha motivos para desconfiar da intenção homicida do agente, resta caracterizada a qualificadora do recurso que impossibilitou a defesa da vítima.

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DR. CARLOS ROBERTO C. PINHEIRO

Egrégia Câmara:

Raimundo Arruda Neres apela da r. decisão do Conselho de Sentença da Comarca de Paranatinga, que reconheceu a prática do crime previsto no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal, sendo-lhe imposta pena de 14 (quatorze) anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicialmente fechado (fls. 143/145).

Assistido pela laboriosa Defensoria Pública, nas razões, diz manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que reconheceu as qualificadoras do motivo fútil e do recurso que impossibilitou a defesa da vítima, requerendo a anulação da decisão do Conselho de Sentença. Em remessa à prova testemunhal e a escólios jurisprudenciais, pondera que o móvel do crime fora o ciúme, que não é considerado motivo fútil pela doutrina dominante. Relativamente à segunda qualificadora, sustenta que a vítima interviera na discussão travada entre o apelante e a sua ex-companheira, gerando briga prévia entre ambos e, estando o réu com uma faca a vítima empreendeu fuga antes de receber os golpes, não tendo sido agredida de surpresa e nem em condições que impediram sua defesa (fls. 148/154).

Contrariando o recurso, o Ministério Público asseverou correta a decisão do Conselho de Sentença, pois, as provas convergem no sentido de que o apelante, diante de banal discussão, sem violência física ou moral, sacou a faca que trazia consigo e ceifou a vida da vítima, que previamente havia tentado fugir do seu alcance. Arremata configurado o uso de recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima, tendo em vista que o apelante agiu de forma inesperada por ela (fls. 159/163).

O ilustre Procurador de Justiça Dr. Leonir Colombo, pontuou, em síntese, restar evidente que não houve qualquer agressão por parte da vítima e, mesmo que o real motivo para o crime fosse o ciúme, a verdade é que, em razão da flagrante desproporcionalidade com o resultado produzido, configurada estaria a futilidade. Igualmente, assevera irrefutável que o modus operandi foi covarde e não permitiu qualquer meio de defesa por parte da vítima, que se encontrava totalmente despreparada para o ataque, restando-lhe tãosomente a fuga, sem sucesso. Com tais considerações, opina pelo desprovimento do recurso, para manter incólume a r. sentença de primeiro grau (fls. 171/177).

É o relatório.

À douta revisão.

P A R E C E R (ORAL)

O SR. DR. LEONIR COLOMBO

Ratifico o parecer escrito.

V O T O

EXMO. SR. DR. CARLOS ROBERTO C. PINHEIRO (RELATOR)

Egrégia Câmara:

A competência do Conselho de Sentença para análise do meritum causae é de índole constitucional e infraconstitucional (CF - art. 5º, XXXVIII, "c" e CPP - art. 593, III, "d"), contendo-se a valoração da prova nessa competência, com exclusividade, não podendo os Jurados ser quesitados sequer acerca da suficiência da prova, pois, se não for suficiente o fato deve ser negado. Ou seja, os jurados têm a mais ampla convicção para julgar os fatos, de capa a capa, segundo a sua consciência, sem adstrição à severidade da prova dos autos, exceto quando proferida decisão arbitrária, sem apoio algum nos autos, o que passo a examinar em face das qualificadoras invectivadas.

Consta da denúncia, que aos 08-8-2007, por volta das 21h20mim, próximo ao Bar "Esquinão", na cidade de Paranatinga, o apelante, em razão de pequeno desentendimento, utilizando-se de uma faca, matou a vítima Ailton Izaias Santos, que estava sem condições de se defender, desferindo-lhe vários golpes.

A autoria é confessa e não lhe conflita a prova.

Contextualizando a motivação para o crime, em todas as oportunidades em que foi ouvido, o apelante disse de tapas desferidos em seu rosto pela vítima, cuja causa atribuiu diferentes versões ao longo do processado, pois, na fase policial seria imotivadamente; na formação da culpa, seria em face de ameaça de morte, por que ele tinha um caso com a mulher que a vítima gostava e, finalmente em plenário, explicitou que verbis:

"no dia e hora dos fatos chegou ao bar Esquinão viu sua ex-mulher Elza sentada com a vítima bebendo cerveja, que sentiu muito ciúme naquele momento, que amava muito sua ex-mulher, que teve um relacionamento de noventa dias com ela, que foi tirar satisfação com sua ex-mulher e ela respondeu que estava com a vítima porque ele estava pagando tudo para ela; que após isso perdeu a cabeça e não se lembra de mais nada, que já sabia que sua mulher tinha relacionamento com a vítima através de Júlia; que estava com a faca em função do serviço, que não morou junto com sua mulher, que estava embriagado no dia dos fatos, que a vítima o agrediu após ter tirado satisfação com Elza, que a vítima lhe deu um tapa no rosto." (sic fls. 130/131).

ISÍDIO TENÓRIO DE MELO, policial militar, inquirido porque foi o condutor nos autos do flagrante, disse ter ouvido do apelante, que ele "tinha matado a vítima porque a vítima tinha batido nele, que o réu não disse se houve discussão antes dos fatos" (fls. 58).

JÚLIA AMANCIO DE SOUZA, referida pelo apelante, em plenário entremostrou constrangimento, ocasionando a retirada do apelante do salão do júri, acabando dispensada ao pretexto de que não se lembraria dos fatos. Todavia, na fase inquisitorial, pouco menos de um ano antes, precisamente aos 04-9-2007, ou seja, um mês após os fatos, ainda com a memória e o destemor preservados, a testemunha relatou a dinâmica dos fatos e até o invocado supositivo de ciúme. Narrou que no dia dos fatos estava no bar da CILENE em companhia da vítima, a qual arrematou o estoque de espetinhos vendidos por ELZA, e ela ficou tomando cervejas com eles, enquanto o apelante estava no salão ao lado do bar, merecendo transcrito o que se segue verbis:

"(...) e ele vendo ELZA tomando cervejas com a vítima ficou com ciúmes e pediu que eu falasse pra ela ir até o salão do TONHINHO que ele queria falar com ela eu dei o recado pra ELZA, mas ela me respondeu que não ia e era pra mim dizer que ela não tinha mais nada com ele porque já fazia sessenta dias que eles tinham terminado; Que RAIMUNDO, mandou eu dizer pra ELZA que se ela não fosse dormir com ele com a vítima ela também não ia; Que NEGUINHO ficou ali perto do carinho de espetinho e abraçava ELZA pela cintura e RAIMUNDO vendo isso se aproximou e queria bater na ELZA e nesse momento a vítima disse: AO INVEZ DE VOCE BATER NELA, DÁ UM BEIJO NO ROSTO DELA, PORQUE EM MULHER NÃO SE BATE, MULHER A GENTE TRATA COM CARINHO"; Que RAIMUNDO mandou que a vítima calasse a boca rapaz o negócio não é com você não e em seguida RAIMUNDO empurrou a vítima e esta bateu com as costas em um toco existente no local e em seguida sacou de uma arma branca "Faca" e a vítima vendo que RAIMUNDO estava armado e queria briga, correu, porém tropeçou em um quebra molas próximo ao bar e RAIMUNDO se aproximou e desferiu várias facadas contra a vítima que não teve sequer tempo para se defender." (sic fls. 91).

Porém, ELZA ALVES DA SILVA, inquirida apenas na fase investigatória, disse não ter presenciado qualquer discussão entre o apelante e a vítima e, que não houve discussão entre ela e o apelante, nem a interferência da vítima dizendo "COM MULHER A GENTE NÃO BRIGA, A GENTE DÁ UM BEIJO NO ROSTO". Sobre os motivos do crime, disse não ter comentado que o apelante estaria com ciúmes dela, sublinhando, textualmente, "e se ele gostava de mim eu não estou sabendo" sic (fls. 22).

Relevante anotar, segundo a prova, que diversamente ao alegado em plenário, a pivô do crime não teria, segundo o senso comum, status de ex-mulher do apelante, e sim, de ex-namorada com quem ele tivera um caso de 90 dias, sequer morando juntos. E, mais importante, ao que consta, estariam separados há mais de sessenta dias, sem que ele externasse algum interesse por ela, pois, Elza não sabia se ele gostava dela.

Ao discorrer sobre o motivo fútil, com a precisão que lhe é peculiar, MIRABETE (in Código Penal Interpretado, atlas, 2003, pág. 802), adverte verbis "Tem-se entendido que a futilidade da motivação deve ser aferida de forma objetiva e não de acordo com o ponto de vista do réu, mas é de se ponderar que, tratando-se de elemento subjetivo, sob esse caráter é que deve ser analisado o motivo que levou o agente à prática do ilícito."

Joeirada a prova, extrai-se, como pareceu à testemunha JÚLIA, que verbis:

"ELZA estava interessada em ficar com a vítima, porque ela viu que ela tinha dinheiro, tendo em vista que ele arrematou 50 espetinhos e ainda comprou de ELZA um par de brincos, um colar, um óculos escuros e me deu de presentes" sic, iniciando-se o flerte traduzido na asserção de que "a vítima estava de gracinha com a mulher do espetinho." (sic fls. 67).

De fato, como defendido nas razões, NUCCI (in Código Penal Comentado, RT, 2006, pág. 533), anota que "a reação humana, movida pelo ciúme, forte emoção que por vezes verga o equilíbrio do agente, não é suficiente para determinar a qualificadora do motivo fútil."

Entretanto, a verificação, na prática, entre o desvario motivado pelo ciúme e a futilidade, embora elemento subjetivo, como anotado alhures, não deve ser cometida, com exclusividade, as declarações do agente, mas, também, as circunstâncias em que se deram os fatos, sem que se descure do senso moral médio.

Nesse sentido, calha a boa doutrina de HELENO FRAGOSO (citado por GRECO, in Código Penal Comentado, Impetus, 2009, pág. 227), no sentido de que motivo fútil "é aquele que se apresenta, como antecedente psicológico, desproporcionado com a gravidade da reação homicida, tendo-se em vista a sensibilidade moral média."

No pressuposto fático, está claro que o apelante não gostou do fato de a vítima cercar a sua ex-namorada, pois, quiçá conhecendo as características dela, teria mandado dizer que "se ela não fosse dormir com ele com a vítima ela também não ia", ou seja, mesmo sem manter relacionamento com a vítima, nem declarar seus sentimentos por ela, o apelante sentiu ciúmes da possibilidade dela se relacionar sexualmente com terceiro.

Por evidente, do que se tem nos autos, não existiu traição de parte da ex-namorada do apelante, menos ainda assédio pela vítima a mulher sabidamente comprometida, ao revés, consta declaração de que a vítima teria morrido de graça, porque não sabia que ELZA tinha um caso com o recorrente, e caso soubesse "tinha saído fora" sic.

Nesse contexto, segue injustificada a exacerbada reação dirigida à vítima, restando impensável vislumbrar proporcionalidade na circunstância de um ex-namorado ausente, tirar a vida de um pretendente da ex-namorada, apenas por ter experimentado o egoístico sentimento de posse provocado pelo ciúme.

Pensar diferente levaria a resultantes incríveis, como a de que a sensibilidade moral média estaria conspurcada a ponto de se compadecer com o fato de homens e mulheres, enciumados com as novas relações de seus ex-companheiros, eliminá-los ou a seus pretendentes, a qualquer tempo e de inopino.

A realidade dos autos, é que a reação homicida não encontra arrimo na sensibilidade moral média, resultando a qualificadora do motivo fútil configurada em face à desproporcionalidade na eliminação da vítima à conta de ciúmes tardios e sentimentos irrevelados. Ademais, restou ao reconhecimento da qualificadora, subsidiariamente, a singela admoestação feita pela vítima como absurdo mote para o crime.

Assim, o reconhecimento da qualificadora do motivo fútil resume-se à questão interpretativa, o que não autoriza concluir que a decisão do Conselho de Sentença tenha sido manifestamente contrária à prova dos autos, por corolário, em atenção ao princípio da soberania dos veredictos, o reconhecimento da qualificadora deve ser mantido.

Respeitante a qualificadora do recurso que impossibilitou a defesa da vítima, VILMA CASSIMIRA DA SILVA reproduziu, em essência, a mesma moldura delineada nos demais testemunhos, inclusive a pitoresca exortação da vítima no sentido de dar beijo ao invés de bater, gravando que a vítima não agrediu, nem insultou ou ameaçou o ora apelante (fls. 67).

Também SUMARA GRÉGIO DE SOUZA, inquirida apenas na fase policial, disse que verbis:

"Por volta das nove horas da noite, a vítima, um senhor moreno, vinha correndo do lado do bar da CILEN, e em frente ao açougue eles começaram a "se pegar", um segurando o outro, como se a vítima tivesse se defendendo, quando então a vítima escorregou no degrau do meio fio, e o outro pegou a faca e deu um golpe no pescoço, e a vítima não falou mais nada, e caiu com as mãos no rosto, e mesmo depois que ele caiu o outro deu várias facadas, nas costas e no braço.

Depois saiu tranquilamente e lambeu a faca." (sic fls. 90).

A simples leitura da prova autoriza concluir que o apelante surpreendeu a vítima, o que impossibilitou a sua reação, haja vista que ela não tinha motivos para desconfiar da intenção homicida do apelante, pois, não altercou com o ele, ao contrário, espirituosamente recomendou que desse beijo ao invés de bater em mulher. Entretanto, agindo de maneira inesperada, o apelante investiu contra a desavisada vítima, que ao ver a faca tentou fugir, mas tropeçou e caiu sendo covardemente esfaqueada.

Em consequência, e de acordo com o parecer, nego provimento ao recurso interposto em favor de Raimundo Arruda Neres, mantendo inalterada a r. sentença atacada.

É como voto.

V O T O

EXMA. SRA. DRA. MARILSEN ANDRADE ADDARIO (REVISORA)

Egrégia Câmara:

Conforme já relatado às fls. 180/181, trata-se de Recurso de Apelação Criminal interposto por RAIMUNDO ARRUDA NERES visando a reforma da decisão proferida às fls. 143/145 que acolhendo a decisão soberana do Egrégio Tribunal do Júri, reconheceu ter o apelante praticando crime de homicídio duplamente qualificado previsto no artigo 121, § 2º, II e IV, do Código penal, sendo-lhe imposta a pena de 14 (quatorze) anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicialmente fechado, porque no dia 08-8-2007, por volta das 21h20min, próximo ao Bar "esquinão", no Município de Paranatinga/MT, em razão de pequeno desentendimento (motivo fútil), utilizando-se de uma faca, matou a vítima Ailton Izaias Santos, que estava sem condições de se defender desferindo-lhe vários golpes de faca, consoante se verifica da denúncia de fls. fl.02/03 Pois bem.

Verifica-se, in casu, que o pleito recursal não investe quanto à materialidade e à autoria, uma vez que restaram efetivamente caracterizadas - a primeira através do Boletim de Ocorrências de fls. 17/18, Auto de Exame de Corpo de Delito e respectivo Mapa Topográfico para Localização de Lesões de fls.13/14, estes corroborados pelo Relatório de Constatação Indireto em Local de Crime e anexo fotográfico de fls. 27/32; e a segunda, tanto pela confissão do réu (fl. 08 - fase policial) quanto pelos depoimentos das testemunhas Sumara Grégio de Souza (fl.90 - fase policial), Júlia Amâncio de Souza (fl. 91/92 - fase policial) e Vilma Cassimira da Silva (fl. 07 - fase policial e fl.67 - fase judicial).

Pleiteia, portanto, o apelante, a nulidade da decisão, sob argumento de que esta se mostra contrária às provas constantes dos autos, porquanto restou comprovado que o móvel do crime fora o ciúme, e este não é considerado pela doutrina dominante como um motivo fútil.

Sustenta também que não restou configurada a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, uma vez que referida exasperação visa punir mais severamente o agente que covardemente mata o fendido, o que não se verificou nos autos.

Todavia, da análise detida dos autos, constata-se que razão não lhe assiste.

Com efeito, ressalte-se que o feito teve seu regular processamento e quando do julgamento - auto de acusação de fl. 136 - postulou o órgão ministerial (acusação) pela condenação do apelante por homicídio duplamente qualificado e a defesa apresentou a tese de homicídio simples.

O Conselho de Sentença, por sua vez, reconheceu por 06(seis) X 01 (um) votos, que as lesões corporais causadas na vítima, pelo apelante, foram praticadas por motivo fútil, acompanhado de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, estes vislumbrados pelo fato de ter o apelante, em decorrência de simples discussão com a vítima, de forma inesperada, sacado de uma faca, ocasião em que após perseguição a atingiu pelas costas passando a desferir-lhe diversos golpes pelo corpo, os quais foram a causa de sua morte.

Como é cediço, havendo versões conflitantes sobre a prática do crime, podem os jurados optar por qualquer delas sem que a escolhida macule o julgamento como contrário às provas dos autos. Tal possibilidade decorre do princípio da soberania do veredicto do Tribunal do Júri, previsto no artigo 5º, XXXVIII, "c", da Constituição da República.

A propósito:

"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO. DESCLASSIFICAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. APELAÇÃO. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INEXISTÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. É assegurada a soberania de veredictos do Tribunal do Júri, consoante dispõe o artigo 5º, XXXVIII, c, da Constituição da República; 2. Somente a decisão proferida pelo Conselho de Sentença que seja manifestamente contrária à prova dos autos ou, mais precisamente, quando absolutamente dissociada do conjunto fático-probatório, traduzindo um decisum arbitrário, está o Tribunal de Justiça autorizado a cassá-lo. Inteligência do artigo 593, IV, d, do Código de Processo Penal; 3. Apresentadas, em plenário do Júri, versões alternativas e verossímeis dos fatos, calcadas nas provas produzidas, é vedado ao Tribunal de Justiça, em sede de apelação, cassar a sentença ao argumento de ser manifestamente contrária à prova dos autos; 4. Ordem concedida para restabelecer a sentença." (STJ - HC 33972/RJ - Rel.: Min. Paulo Medina - T6 - DJ 06-6-05, p. 371)

No caso em tela, não se conclui pela aplicação do artigo 593, inciso III, alínea "d", do Código de Processo Penal, visto que a versão acolhida pelos jurados foi devidamente registrada nos autos e corroborada pelos elementos probatórios, não dando ensejo ao entendimento de que tenha sido "manifestamente contrária às provas coligidas", porquanto - como cediço - só deve ser assim entendida, aquela proferida pelo Júri sem amparo em qualquer elemento de convicção.

Logo, constatada a compatibilidade entre a decisão do Plenário e o conjunto probatório, deve ser resguardada a soberania dos veredictos da Corte Leiga, como no caso em espeque, em que a qualificadora do motivo fútil reconhecida se afigura legítima e coerente com a prova coletada nos autos.

Com efeito, afirmou a testemunha - Vilma Cassimira da Silva, em juízo que:

Vilma Cassimira da Silva: "[...] Que estava presente quando o réu deu a facada na vítima, que o réu tentou agredir a mulher do espetinho quando a vítima interveio para pedir para o réu não bater na mulher do espetinho e disse que em mulher não se bate, que a vítima estava de gracinha com a mulher do espetinho, que estava sentada junto com Júlia, que o réu chegou depois da vítima no espetinho em frente ao bar, que antes disso o réu estava dentro do bar, que após a vítima abraçar a mulher do espetinho o réu falou no ouvido da mulher do espetinho alguma coisa, que a mulher do espetinho disse: "Uai, você não manda em mim", que ao falar com a mulher do espetinho o réu a empurrou levemente porém demonstrando que foi sem querer, que supõe que a vítima imaginou que o réu estivesse agredindo a mulher do espetinho, que a vítima disse: " Em mulher não se bate, se dá beijo", que o réu disse "Você ta com ciúme dela? Você tem algum coisa com ela" que a vítima falou por três vezes "Em mulher não se bate, se dá beijo", que o réu deu um empurrão na vítima, que o réu sacou a faca e a vítima deu a volta no carrinho do espetinho, que a vítima saiu correndo e o Raimundo atrás, que viu Raimundo dando facada na vítima quando esta correndo atrás da vítima, que a vítima caiu não sabendo se em função das facadas ou se tropeçou, que o réu continuou dando facada na vítima, que o réu limpou a faca com a mão e passou o dedo sujo de sangue na boca, que a vítima não agrediu o réu, que a vítima não xingou nem ameaçou o réu, que não tem, conhecimento de rixa anterior entre o réu e a vítima, que não sabe se o réu tomou facada antes de cair. [...]". (sic. fl. 67)

Por sua vez, na fase policial, afirmou a testemunha Júlia Amâncio de Souza, in verbis:

"[...] Que na noite em que ocorreu o crime eu estava no bar da CILENE em companhia da vítima; Que AILTON arrematou todo o espetinho do carrinho da ELZA e ela também ficou ali tomando cervejas com a gente e RAIMUNDO estava no salão do TONINHO ao lado do bar da CILENE e ele vendo a ELZA tomando cervejas com a vítima ficou com ciúmes e pediu que eu falasse pra ela ir até o salão do TONHINHO que ele queria falar com ela eu dei o recado para ELZA, mas ela me respondeu que não ia e era para mim dizer que ela não tinha mais nada com ele porque já fazia sessenta dias que eles tinham terminado; Que RAIMUNDO, mandou eu dizer para ELZA que se ela não fosse dormir com ele com a vítima ela também não ia; Que neguinho ficou ali perto do carrinho de espetinho e abraçava ELZA pela cintura e RAIMUNDO vendo isso se aproximou e queria bater na ELZA e nesse momento a vítima disse: AO INVEZ DE VOCÊ BATER NELA, DÁ UM BEIJO NO ROSTO DELA, PORQUE EM MULHER NÃO SE BATE, MULHER A GENTE TRATA COM CARINHO"; Que RAIMUNDO mandou que a vítima calasse a boca rapaz o negócio não é com você não e em seguida RAIMUNDO empurrou a vítima e esta bateu as costas em um toco existente no local e em seguida sacou de uma arma branca "Faca" e a vítima vendo que RAIMUNO estava armando e queria briga, correu, porém tropeçou em um quebra molas próximo ao bar é RAIMUNDO se aproximou e deferiu várias facadas contra a vítima que não teve sequer tempo para se defender; Que em seguida RAIMUNDO, voltou, passou bem perto de onde eu estava, com a faca suja de sangue passou a mesma na boca e disse "OH! COMO É DOCE A VINGANÇA" e em seguida foi embora para o quarto dele.[...]" (sic. fl.91/92).

Note-se que o motivo fútil restou claramente configurado e, ao contrário do que alega a defesa, aqui não cabe falar em equívoco por parte dos jurados (fl.150), uma vez que em função de simples discussão com a vítima, sacou o apelante de uma faca e, após sair em sua perseguição desferiu-lhe vários golpes, provocando-lhe ferimentos, os quais culminaram com sua morte.

Aliás, sobre o reconhecimento do motivo fútil pelo Tribunal do Júri, no esclarece o mestre Guilherme de Souza Nucci, in verbis:

"Não cabe a anulação, quando os jurados optam por uma das correntes de interpretação da prova possíveis de surgir. Exemplo disso seria a anulação do julgamento porque o Conselho de Sentença considerou fútil o ciúme, motivo do crime. Ora, se existe prova de que o delito foi, realmente, praticado por tal motivo, escolheram os jurados essa qualificadora, por entenderem adequada ao caso concreto. Não é decisão manifestamente contrária à prova, mas situa-se no campo da interpretação da prova, o que é bem diferente. Consideramos que a cautela, na anulação das decisões do júri, deve ser redobrada, para não transformar o tribunal togado na real instância de julgamento dos crimes dolosos contra a vida (Código de processo penal comentado. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 952)." (destaquei e subrinhei)

Ainda sobre a qualificadora (motivo fútil), vale destacar as palavras do douto Procurador de Justiça, Dr. Leonir Colombo, em seu bem lançado parecer, in verbis:

"Ora, resta evidente que não houve qualquer agressão por parte da vítima Ailton Izaias Santos direcionada ao apelante, ressalvando-se, ademais, disso, que mesmo que o real motivo do empreendimento criminoso fosse o ciúme que RAIMUNDO ARRUDA NERES nutria por sua ex-namorada, pivô da discussão, como sustentado pela ilustrada defesa, a verdade é que, em razão da flagrante desproporcionalidade com o resultado produzido, configurada estaria a futilidade." (sic. fl.175).

Portanto, quanto a esta qualificadora, qual seja, motivo fútil, não merece qualquer reparo o decisum.

No mesmo sentido com relação à qualificadora do inciso V do artigo 121 do Código Penal, ou seja, a utilização de meio que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima.

Isso porque, a teor dos depoimentos acima explicitados é irrefutável que o modus operandi utilizado pelo apelante não permitiu qualquer meio de defesa por parte da vítima, uma vez que se encontrava totalmente despreparada para o ataque, restando-lhe tão-somente a fuga, com a qual não obteve sucesso, haja vista que foi atingida pelas costas.

Destarte, como já dito acima, aqui não há falar-se em decisão contrária as provas dos autos, visto que o Conselho de Sentença, apreciando os elementos de convicção amealhados, optou pela versão que entendeu mais consentânea com a realidade fática apresentada e o veredicto final, resultante da votação dos quesitos, expressou a justa e adequada conclusão a que chegou a maioria dos integrantes do Colegiado Popular, ou seja, de que o réu praticou o homicídio contra Ailton Izaias Santos, qualificado pelo motivo fútil e por utilizar recurso que impediu a defesa da vítima, sendo imperiosa a manutenção da decisão em todos os seus termos.

Quanto às penalidades impostas, estas também não merecem reparos, tendo em vista que o douto magistrado sentenciante analisou detidamente as respostas dos quesitos respondidas pelo Colegiado Popular, aplicando as sanções de forma irrepreensível.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

V O T O

EXMO. SR. DES. GÉRSON FERREIRA PAES (VOGAL)

De acordo com os votos precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. GÉRSON FERREIRA PAES, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DR. CARLOS ROBERTO C. PINHEIRO (Relator), DRA. MARILSEN ANDRADE ADDARIO (Revisora) e DES. GÉRSON FERREIRA PAES (Vogal), proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. DECISÃO DE ACORDO COM O PARECER.

Cuiabá, 05 de agosto de 2009.

DESEMBARGADOR GÉRSON FERREIRA PAES - PRESIDENTE DA SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

DOUTOR CARLOS ROBERTO C. PINHEIRO - RELATOR

PROCURADOR DE JUSTIÇA

Publicado em 14/08/09






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