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terça-feira, 23 de maio de 2017

Motivo fútil e surpresa

SENTENÇA: ABORTO

Homicídio qualificado por motivo fútil e surpresa. Aborto provocado
Recurso criminal N.° 96.002805-6,  Xaxim SC.

Relator. Des. Alberto Costa.

Recurso em sentido estrito. Homicídio qualificado por motivo fútil e surpresa. Aborto provocado. Concurso formal. Qualificadoras excluídas na provisional.

Recurso ministerial visando o reconhecimento das qualificadoras do motivo torpe (e não fútil) e da surpresa. Conjunto probatório que indica elementos capazes de qualificar o delito nos termos da postulação do órgão ministerial.

Provimento do recurso, com a inclusão na pronúncia das qualificadoras do motivo torpe e surpresa (art. 121, § 2°, I e IV, do CP). Afastado, nesta fase, o concurso formal, por constituir matéria de aplicação da pena.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso criminal n. 96.002805-6, da comarca de Xaxim, em que é recorrente a Justiça, por deu Promotor, sendo recorrido CRS.

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, à unanimidade, dar provimento ao recurso ministerial para incluir na sentença de pronúncia as qualificadoras do motivo torpe e surpresa, afastando-se o concurso formal.

Custas na forma da lei.

Na comarca de Xaxim, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra CRS, dando-o como incurso nas sanções dos artigos 121, § 2°, incisos II e IV, e 125, caput, ambos do Código Penal, porque segundo, narra a exordial acusatória: “Aproximadamente às 04:00 horas da madrugada de 02 de janeiro de 1966, o denunciado CRS, após ter visto a vítima JF se divertindo na Boite Charles Day,  aguardou sua passagem na entrada do bairro Santa Terezinha onde ambos moravam e onde obrigatoriamente a vítima teria que passar para ir para casa. No encontro CRS convidou a vítima, sua ex-amásia que dele estava grávida, para irem até o local onde habitualmente se encontravam, para manterem relações sexuais, eis que o denunciado embora estando amasiado com outra mulher, ainda mantinha o relacionamento amoroso, às ocultas, com a vítima. Lá chegando, após esperar a vítima se despir, ocultando sua intenção hostil e movido por despeito e ciúme, desferiu contra a vítima JF de apenas dezesseis anos de idade, um tiro que traspassou-lhe o corpo, atingindo órgãos vitais, causando-lhe choque hipovolêmico e violenta hemorragia intratorácica, razão de sua morte conforme indicação do auto de exame cadavérico de fl. 03 do I.P.

“Com a morte da vítima JF, que estava grávida, o denunciado deu causa eficiente a interrupção do processo de gravidez, com a morte do feto de aproximadamente seis meses, conforme atesta o auto de exame cadavérico de fl. 03 do IP, cumprindo-se sua intenção de causar a morte da mulher e do feto.

“Ao cometer os delitos acima descritos, o denunciado valeu-se de recurso que impossibilitou a defesa da vítima JF, aproximando-se dela com a intenção dissimulada e colhendo-a de surpresa, quando ela não esperava ou sequer suspeitava que seria atacada”(fls. 02/02).

Em alegações finais, o órgão ministerial pugnou pela pronúncia do acusado nas sanções dos artigos 121 § 2°, incisos I e IV, e 125, c/c artigo 70, todos do Código Penal.

Concluída a instrução criminal, o Dr. Juiz sentenciou, pronunciando o acusado CRS como incurso  nas sanções dos artigos 121, caput, e 125, caput, c/c o artigo 70, todos do Digesto Penal, para ser submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri da comarca de Xaxim.

Irresignado o representante do Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito objetivando a reforma do decisum, a fim de serem incluídas na pronúncia as qualificadoras do motivo torpe e da surpresa, haja vista restarem caracterizadas no caso sub judice.

Oferecidas as contra-razões e mantida decisão guerreada, os autos ascenderam a esta Superior  Instância, opinando a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Sidney Bandarra Barreiros, pelo provimento do recurso para serem incluídas, na pronúncia, as qualificadoras de motivo torpe e da surpresa.

O recurso ministerial merece ser provido, para o fim de incluir-se na pronúncia as qualificadoras do motivo torpe e surpresa, afastando-se o concurso formal.

Com efeito, conforme acentuou com inegável acerto, o Dr. Sidney Bandarra Bareiros, ilustre Procurador de Justiça convocado, no parecer de fls. 123/133, cujos fundamentos de fato e de direito se adota como razão de decidir, e bem por isso vão transcritos, na forma como se segue:

“O Ministério, não se conformando com a desclassificação do homicídio, interpôs recurso em sentido estrito, o qual deve ser conhecido e provido.

“Preliminarmente foi CRS denunciado como incurso nos artigos 121, § 2°, II e IV, e 125, caput, do Código Penal.

“O representante do Ministério Público nas Alegações Finais entendeu, acertadamente, que houve equívoco na capitulação da denúncia, porquanto o móvel do crime não seria fútil, mas sim torpe.

“Há inúmeras decisões que facultam ao Magistrado pronunciar com artigo diverso do constante da denúncia.

‘Processo-Crime. Pronúncia. Reconhecimento de qualificadora não articulada na denúncia. Admissibilidade. Hipótese em que não se faz mister a adoção do artigo 384, do Código de Processo Penal. Inteligência dos artigos 410 e 416 do mesmo estatuto processual. Pode o Juiz quando da prolação da pronúncia, reconhecer qualificadora não articulada na denúncia, sem que para tal seja necessário abrir ao acusado prazo para a indicação de testemunhas e outras providências ex vi do art. 384, do Código de Processo Penal’. (Recuso Criminal n. 6.927, de São Bento do Sul).

‘A jurisprudência, inclusive a do Supremo Tribunal, vem proclamando de há muito, que na pronúncia o Juiz pode incluir circunstância qualificadora do delito não prevista na denúncia’. (Recurso Criminal n. 7/682, de Santa Cecília - Jurisp. Cat. 45/3950.

‘Pode o Juiz, quando da prolação da sentença de pronúncia, sem que seja necessário abrir ao acusado prazo para indicação de testemunhas e outras providências ex vi do artigo 384 do CPP.’ (Recurso Criminal n. 7.754, de Urubici - Jurisp. Cat. 48/381)

“A admissibilidade de o Magistrado prolatar a pronúncia incluindo circunstância qualificadora não prevista na denúncia, está sobejamente demonstrada.

“Em 16 de outubro de 195, JF esteve na Delegacia de Polícia de Xaxim, em 19 de outubro esteve no gabinete do Promotor de Justiça, comunicando que fora agredida - Auto de Exame de Corpo Delioto de fls 71 - e ameaçada de faca, fls 72, por CRS. A vítima naquela oportunidade estava grávida de 02 (dois) meses e havia sido abandonada pelo réu.

“O tempo passou, e quiçá imaginando uma reconciliação, JF começou a ter encontros com CRS no pasto de uma propriedade agrícola, constituindo-se a ameaça feita em 16 de outubro de 1995, um fato pretérito. JF voltou a ter confiança em seu ex-companheiro, entregando-se a ele em reiteradas oportunidades.

“O homicídio ocorreu por volta de 04 horas da madrugada de 02 de janeiro do ano em curso, sem testemunhas presenciais.

“CRS viveu em concubinato com a menor JF, de cuja união, de fato, resultou em gravidez.

“Na noite do crime CRS, após ter visto JF se divertindo na Boite Charles Day, aguardou sua passagem na estrada, fazendo hora com FD, e quando esta se dirigia para sua casa, foi interceptada por CRS, que a convidou para irem até o local de costume e manterem relações sexuais.

“A vítima retirou suas roupas íntimas e deitada no pasto passou a manter relações sexuais, ocultando o réu o seu despeito e ciúme por tê-la visto na boite instantes antes.
“CRS, indivíduo sem princípios, usou o quanto quis uma praticamente menina, de 16 anos de idade, e ao engravidá-la a deixou para viver em concubinato com outra pessoa. A vítima, embora desprezada carregando no ventre o fruto de seu amor, passou a significar para o réu um objeto de sua propriedade, e como tal, passou a ter seus passos seguidos e acompanhados de perto.

“O móvel do crime foi ciúme por CRS tê-la visto na boite se divertindo e com sangue frio a levou para o pasto onde costumeiramente se encontravam, deixou a vítima se despir, e quando já estavam no ato sexual a matou.

“Não há dúvida de que o móvel do crime foi torpe, vil, abjeto.

“O réu quis se vingar da amante, que poucos instantes antes vira numa boite, eliminando também com este procedimento repugnante seu próprio filho.

‘É motivo torpe se mata por vingança a amante que o desprezou’. (TJSP - RT 527/337)

‘Mesmo quando duvidosa, é de se reconhecer a qualificativa, para que, sobre a mesma, se manifeste o Tribunal do Júri. Somente quando inteiramente descabida deve ser afastada na pronúncia.’ (Recurso Criminal n. 6.468, de Campos Novos - Jurisp. Cat. 39/415)

‘Somente quando a prova carreada para o processo informa ser inteiramente descabida deve ser afastada da pronúncia.’ (Recurso Criminal n. 7.377, da Laguna - Jurisp. Cat. 39/415)

“No corpo do Recurso Criminal acima, foram citados outros julgados que reforçam nosso entendimento de que o motivo torpe não poderia ser afastado da sentença de pronúncia.
‘Ainda na hipótese de haver certa dúvida a respeito da caracterização da qualificadora, não se justifica o seu afastamento da pronúncia.’ (Jurisp. Cat. 2/346)

‘Na fase provisional não cabe resolver a favor do R. qualquer dúvida que o possa favorecer, competindo a apreciação do caso ao seu Juízo Natural, que é o Tribunal do Júri.’(Recurso Criminal n. 6.788, de Lages).

“Analisando assim, a primeira parte do recurso ministerial, entendemos que o mesmo deve prosperar, incluindo-se na sentença de pronúncia a qualificadora do artigo 121, § 2° , I, motivo torpe.

“O Ministério Público também não se conformou com a exclusão da qualificadora da surpresa na sentença de pronúncia.

“Razão assiste ao Ministério Público. Conforme foi analisado anteriormente, a vítima foi morta, despojada de suas roupas íntimas, mantendo congresso carnal com o réu. Houve em outubro do ano passado um atrito entre os mesmos, decorrente da separação, o qual deu origem a instauração de Ação Penal por lesões corporais e ameaça. Este fato, conforme analisamos anteriormente, foi superado, passando o casal a manter conjunção, carnal as escondidas, tornando a ameaça um fato pretérito.

“CRS alegou que o tiro foi acidental, alegando na fase policial que a vítima fez menção de pegar a arma e em Juízo que a arma não estava próxima a vítima.

“CRS - fls. 20 - na Polícia:

‘...esclarecendo o declarante ainda não tinha concluído o ato sexual, sendo que não ejaculara, quando a vítima começou a agredi-lo com tapas, que disse a vítima: ‘se é para ficar me agredindo eu vou embora’, que vestira a calça, e quando fora pegar o revólver que tinha deixado sobre a grama a vítima fez menção de também pegá-lo, sendo que o declarante puxou a arma para próximo de seu corpo ocasião em que esta detonou um disparo; a vítima foi deitando-se lentamente e não falou mais nada; que a vítima ainda estava com a bermuda abaixada até o joelho...’

“O apelante faltou para com a verdade em todo o seu depoimento, e é de fácil percepção a forma inverídica como foram os fatos narrados, quando o réu declarou: ‘a vítima fez também menção de também pegá-la, sendo que o declarante puxou a arma para próximo de seu corpo, ocasião em que esta detonou um disparo’.

“O tiro foi disparado de cima para baixo , anulando assim a versão de que a arma disparou quando estava sendo arrastada na grama. O próprio réu declarou:  ‘a vítima fora deitando-se lentamente e não falou mais nada’, ora se a vítima foi se deitando lentamente, é porque estava sentada, com o ombro, no mínimo elevado cerca de 50 centímetros do solo, e no local não existe elevação, como demonstramos fatos, e a bala penetrou no ombro esquerdo. Esta colocação nos dá a certeza de que o réu estava de pé, e a vítima sentada, quando o mesmo a alvejou.

“Em Juízo declarou: ‘que JF não chegou a encostar na arma...’.

“Não há dúvida de que o réu agiu com surpresa. Após manter relações sexuais o réu se levantou, pegou um revólver Rossi, cal. 38, e aproveitando-se a distração da vítima, que quiçá estava sentada e se vestindo, acionou o gatilho da arma entrando o projétil no ombro esquerdo e saindo embaixo do braço direito, fotos de fls. 10 e laudo de fls. 07.

“A surpresa está cristalinamente caracterizada, a vítima inclusive estava, na grama, sem as vestes inferiores, como declarou o próprio réu:  ‘que a vítima ainda estava com a bermuda abaixada até o joelho, que viu que a vítima estava morta e antes de sair puxara a bermuda para cima, vestindo-a, que a vítima tinha baixado a calcinha e a bermuda até o tornozelo de uma das pernas, sendo que a outra perna ficara livre destas peças de roupa, que após vestir a vítima, dirigiu-se para a casa de sua companheira...’.

“Há divergências entre a declaração do réu, com relação as declarações prestadas pela sua companheira e o irmão desta. CRS alegou que foi para a casa onde mora com sua companheira e o irmão desta; R e o seu irmão V declararam que o mesmo não voltou para casa naquela noite.

“O crime ocorreu de madrugada, em local onde não existe iluminação pública, o que impossibilitou a vítima de ver o réu com a arma em punho.

‘Por outro lado, a qualificadora da surpresa não podia também ser afastada da provisional, eis que as vítimas, ante a versão predominante dos fatos, receberam os tiros em circunstâncias tais que tornaram impossível qualquer gesto de defesa.’ (Recurso Criminal n. 7.377 de Itajaí -Jurisp. Cat. 34/464)

‘Há surpresa se a vítima concordou em acompanhar o agente, sem a menor suspeita de que esta tinha a intenção de matá-la.’ ((TJSP - RJTJSP - 68/368)

‘Se o gesto do acusado foi tão repentino que não deu à vítima a oportunidade de esboçar um gesto de defesa sequer, o homicídio se qualifica em razão de um recurso que impossibilitou qualquer defesa do ofendido.’ (RT 438/376)

‘O que caracteriza a qualificadora da surpresa é não ter a pessoa ofendida razões, próximas ou remotas, para esperar o procedimento do agressor ou mesmo suspeitá-lo.’ (RT 430/354)

‘Somente quando a prova autuada informa serem inteiramente descabidas as qualificadoras do homicídio é que devem ser excluídas  da pronúncia.” (Recurso Criminal n. 7.203, de Rio do Sul)

“Houve por parte da vítima justificável confiança com relação à pessoa do réu, tendo a mesma em várias oportunidades se entregue ao mesmo para o congresso carnal, e na noite do crime não foi diferente. JF se despiu, manteve relações sexuais e, satisfeito o seu prazer bestial, CRS, a pretexto de vestir o calção se levantou, pegou a arma e desferiu o tiro que ceifou a vida da jovem JF e de seu filho que estava para nascer, e que também era filho do réu.

“O motivo torpe e a surpresa se fizeram presentes neste homicídio, razão pela qual somos pela reforma da sentença de pronúncia a fim de que estas qualificadoras sejam incluídas.”

E nessa conformidade decide a Câmara incluir na pronúncia as pré-citadas qualificadoras e excluir o concurso formal, por se tratar de matéria que não pode ser apreciada  em sede provisional, ligada que está aquela à aplicação da pena.

Desta sorte, a tipificação da sentença de pronúncia fica jungida ao disposto nos artigos 121, § 2°, incisos I e IV, e 125, caput, do Código Penal.

Pelo exposto, deu-se provimento ao recurso ministerial para incluir na sentença de pronúncia as qualificadoras do motivo torpe e surpresa, afastando-se o concurso formal.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Álvaro Wandelli e Jorge Mussi, e lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Ex.mo. Dr. Sidney Bandarra.


                                           José Roberge
                                              Presidente



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