A pessoa jurídica como
sujeito passivo do crime de calunia
INTRODUÇÃO
Para
o Professor Juarez Tavares, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é,
talvez, o tema de política criminal e de direito penal mais controvertido da
atualidade. Como para ser vítima do crime do art. 138 CP é necessária a
capacidade para cometer fato definido como crime, esse tema está estreitamente
ligado a possibilidade ou não da pessoa jurídica ser considerada agente passivo
do crime em questão.
Antes
de conhecermos os controversos posicionamentos doutrinários, sobre a
possibilidade de pessoa jurídica ser sujeito passivo no crime de calunia, é
importante conhecermos a atual posição jurisprudencial majoritária.
De
acordo com o STF e STJ, pessoa jurídica não pode ser vitima de calúnia, pois o
ente coletivo não pratica crime.
Essa
jurisprudência deve ser atualizada com a lei 9.605/98 (crimes ambientais), pois
esses tribunais já estão aceitando a pessoa jurídica como sujeito ativo de
crime ambiental, logo a pessoa jurídica poderá sofrer a imputação de fato
definida como crime ambiental, sabidamente falso. Caracterizando assim como
vitima do crime de calúnia.
Divergências Doutrinárias
Fernando
Capez sintetizou muito bem as controvérsias doutrinarias sobre o tema em
questão. Como podemos ver a seguir:
Para uma corrente mais
tradicional, fiel ao
brocardo romano societas delinquere non
potest, a pessoa jurídica não comete delitos. Argumentam seus adeptos que a
elas faltam: a) capacidade de ação no sentido estrito do Direito Penal
(consciência e vontade), ou seja, somente o homem é capaz de exercer uma
atividade dirigida pela vontade à consecução de um fim; b) capacidade de
culpabilidade (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e
exigibilidade de conduta diversa); c) capacidade de pena (princípio da
personalidade da pena): em face do princípio da personalidade da pena, esta
deve recair exclusivamente sobre o autor do delito e não sobre todos os membros
da corporação; em segundo lugar, a pena tem por escopo a ideia de retribuição,
intimidação e reeducação. Conclusão: se a pessoa jurídica não pratica crime,
não pode ser sujeito passivo do delito de calúnia.
Contra
essa opinião opõe-se a corrente dos
realistas, para os quais a pessoa jurídica é uma realidade, que tem vontade
e capacidade de deliberação, devendo-se, então, reconhecer-lhe capacidade
criminal. {Para essa corrente} o princípio societas
delinquere non potest não é
absoluto. Há crimes que somente poderão ser praticados por pessoas físicas,
como homicídio, estupro, roubo etc. Mas há outros que, por suas
características, são cometidos quase que exclusivamente por pessoas jurídicas
e, sobretudo, no exclusivo interesse delas. São os crimes praticados mediante fraude, delitos ecológicos e diversas
figuras culposas. Além do que, é perfeitamente possível a aplicação de pena à
pessoa jurídica, tais como multa, interdição temporária de direitos e as penas
alternativas de modo geral.
A constituição brasileira e a
responsabilidade penal da pessoa jurídica
A
questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica no Brasil tem origem em
duas normas constitucionais (arts. 225, § 3º, e 173, § 5º CF/88), sobre as
quais os penalistas da corrente tradicional, de um lado, e os penalistas da
corrente realista, de outro, possuem interpretações antagônicas.
Para
a corrente realista a Constituição
da República de 1988 filiou-se à segunda posição, dispondo, em seu art. 225, §
3º, que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
O art. 173, § 5º, por sua vez, dispõe: “a lei, sem prejuízo da responsabilidade
individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade
desta, sujeitando-se às punições compatíveis com sua natureza, nos atos
praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. Concluem então que em face
do previsto pelos arts. 225, § 3º, e
173, § 5º, da Constituição Federal,
passou-se a admitir a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes
contra a ordem econômica e financeira, economia popular e meio ambiente. A
regulamentação da responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes
ambientais adveio com a Lei n. 9.605/98, em seus arts. 3º e 21 a 24. Com isso, a pessoa jurídica pode ser
sujeito ativo de crime ambiental; logo, pode figurar como vítima de calúnia.
Para
a corrente tradicional
Essa
interpretação de que o texto constitucional teria conferido capacidade penal
ativa à pessoa jurídica, no entanto, é completamente equivocada, pois “a
Constituição não dotou a pessoa jurídica de responsabilidade penal. Ao
contrário, condicionou a sua responsabilidade à aplicação de sanções
compatíveis com a sua natureza. Pois quando a Constituição fala de
responsabilidade quer dizer, simplesmente, responsabilidade, sem adjetivos,
porque a atribuição geral (responsabilidade) não implica a atribuição especial
(responsabilidade penal) e o conceito de “punições” não é exclusivo do direito
penal, abrangendo, também, sanções administrativas, com fins retributivos e
preventivos semelhantes às sanções penais. Sem contar que nenhum legislador
aboliria o princípio da responsabilidade penal pessoal de modo tão camuflado ou
hermético, como se a Carta Constitucional fosse uma carta enigmática decifrável
por iluminados. Ao contrário, se o constituinte tivesse pretendido instituir
exceções à regra da responsabilidade penal pessoal teria utilizado linguagem
clara e inequívoca.
Conclusão
Contudo,
a despeito de todo o exposto, hoje os tempos são outros, e, aqui e acolá, neste
ou naquele país, começam-se a criminalizar, pelo menos, alguns fatos passíveis,
segundo sustentam, de serem praticados por pessoa jurídica, pois essa política
criminalizadora de atividades empresariais, ainda que rarefeita, afasta o
argumento, até então mais forte, contrário à possibilidade de a pessoa jurídica
ser sujeito ativo de crime, pela singela razão de que, como estava, não
praticava crime e, assim, não podia ser caluniada. Dessa forma, em tese,
admitimos, por ora, a possibilidade de a pessoa jurídica figurar como sujeito
passivo de crimes contra a ordem econômica e financeira, contra o meio ambiente
e contra a economia popular.
Referências:
BITENCOURT, Cézar. Tratado de Direito Penal.
Parte Especial. Dos crimes contra a honra. Editora Saraiva, 2014.
CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal: Parte especial. 3.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 3 p. 3 v. (Coleção ciências
criminais).
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal.
V. 2, Parte Especial. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
SANTOS,Juarez Cirilo, INSTITUTO DE CRIMINOLOGIA E POLÍTICA
CRIMINAL. A responsabilidade
penal da pessoa jurídica. Disponível
em: http://icpc.org.br/wp-content/uploads/2013/01/responsabilidade_penal_juridica.pdf.
Acesso: Maio 2015.
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