Dano a saúde
A norma penal contida no Art. 129 do
CP está voltada à proteção do ser humano no seu aspecto físico e psíquico.
O crime consiste em ofender a integridade corporal ou a saúde, quer
física ou mental de alguém. A lesão consiste na alteração do organismo da
vítima por intermédio de equimoses, ferimentos, mutilações, etc. A ofensa
(dano) pode ser interna, tipo hemorragia ou luxação.
Observe-se que o dano pode também
atingir a saúde mental do sujeito passivo. O conceito de saúde esclarece ser
ela um estado do indivíduo cujas funções orgânicas, físicas e mentais se
encontram em situação normal. É, por sua identidade com tal ideia,
esclarecedora a decisão que afirmou o conceito de dano a saúde compreender “a
saúde do corpo como a mental também. Se uma pessoa, à custa de ameaças, provoca
em outra choque nervoso, convulsões ou outras alterações patológicas, provoca
lesão corporal”(RT 478/374). Crise de histeria, dor de cabeça, desmaios, roborização,
etc. não são considerados como lesões corporais, pois são irrelevantes e as
alterações provocadas, insignificantes.
O ofensor tanto pode fazer uso de violência física quanto moral para o
obtenção de seu desígnio. Da mesma forma pode usar de meios comissivos ou
omissivos, chegando Magalhães Noronha a lembrar que deixar de zelar pela
higiene de determinado lugar ou de não impedir a ação de fatores externos
nocivos, são meios omissivos da prática da infração penal.[i]
Em
princípio o direito a integridade física e psíquica é indisponível.
Contudo deve ser observado que lesões
ocorridas no decorrer de competições esportivas lícitas, intervenções como transplantes
ou ablação dos genitais não são
consideradas para efeito penal. Alguns autores falam na possibilidade de consentimento a partir da ideia da não
punição da auto lesão.
Lesões
consentidas
O princípio da proteção da saúde encontra determinada flexibilidade
quanto à ocorrência de lesões no desenrolar de práticas esportivas, não
interferindo o Estado diretamente quando sucede alguma ofensa no decorrer de
jogos. Elas não põem em risco as condições de harmônico convívio social
pois são derivadas de competições
esportivas onde a violência praticada é a recreativa, disciplinada por regras
aceitas pela sociedade, como o boxe, luta livre e as ocorridas em outras
modalidades.
Não se vê, quando da ocorrência de
lesões, atividade voltada à realização de ataques a bens juridicamente
tutelados. A exigência para a omissão da polícia e não instauração de
procedimento judicial é que ocorram dentro dos limites estabelecidos pelas
regras do esporte. Assim uma perna quebrada em jogo de futebol não será
considerada lesão corporal nos moldes do Art. 129 do CP se resultar de um choque
“normal” entre jogadores. Já cotoveladas na cabeça de outro jogador, "joelhadas" na coluna ou mordidas no oponente não podem
ser consideradas como um fato decorrente da prática exclusiva do esporte,
tratando-se de pura agressão. Tal comportamento é inaceitável dentro das regras
do futebol que, por sua natureza de esporte aguerrido, chega a reconhecer como
admissível determinado nível de contato físico entre os jogadores.
Ablação de
genitais
Quanto a ablação dos genitais dos chamados transexuais existem
afirmativas de constituir lesão corporal grave, por ser mutiladora. As
cirurgias para mudança de sexo não encontram apoio na doutrina e legislação
brasileira vigente a partir do Decreto Lei 2.848 (Código Penal).
O médico que a realizava corria o
risco de ser processado criminalmente e sujeito a pena de reclusão de dois a
oito anos (lesão corporal gravíssima). O Código de ética Médica (de 1988)
entendia que esta operação constituía uma cirurgia mutiladora. O médico podia
ser penalizado com advertência, suspensão e até cassação de seu registro
profissional.
Apenas quem consente na
operação estaria fora do alcance da lei, pois o Código Penal não previa como
crime a autoflagelação. Agindo com particular bom senso o Tribunal de Justiça
de São Paulo decidiu que:
“Não
age dolosamente o médico que através de cirurgia faz ablação dos órgãos sexuais
externos de transexual, procurando curá-lo ou reduzir seu sofrimento físico e
mental.”
(RT 545/355)
Damásio de Jesus em seu Código Penal
Anotado afirma baseado em outras decisões, a inexistência de crime.
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