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domingo, 15 de março de 2015

Aborto - Sentença



Inviabilidade dos fetos

Processo nº001 2002 019006-0

Autores: Cristiane de Alcântara Santana e José Aderson Gonçalves de Brito
SENTENÇA: Vistos, etc. CAS e seu companheiro JAGB, ambos devidamente qualificados na peça inaugural alegando, em resumo, que:

 “...em decorrência de má formação congênita dos fetos, comprovada cabalmente por médicos, como forma de evitar amargura e sofrimento psicológico da mãe que aliada ao fato de que a continuidade da gravidez põe, comprovadamente, a vida da Requerente, e, de antemão, sabe que os filhos não terão qualquer possibilidade de sobrevida...”, requerem autorização para interrupção da gravidez.  A inicial foi instruída com as procurações e os documentos de fls. 11/23.

Com vistas dos autos o Ministério Publico ofereceu às fls. 25/27 , opinando pelo deferimento do pedido. Está feito o relatório.

Passo a decidir.

O art. 128 do Código Penal Brasileiro autoriza duas hipóteses de exclusão da antijuricidade em face do delito de aborto: o aborto necessário (inciso I) e o aborto sentimental (inciso II). Para a questão sub judice, importa ressaltar o que diz o inciso I do artigo 128 do Código Penal. “Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante:” O dispositivo legal acima enfocado é claro. Permite-se o aborto praticado por médico para evitar a morte da mãe, independentemente das condições do feto. No dos autos, a requerente CRISTIANE DE ALCÂTARA SANTANA encontra-se entre as 13ª e 14ª semanas de gestação, com dois fetos unidos pelo tórax e abdômen, com duas colunas vertebrais, quatro membros inferiores e superiores, entretanto, existe apenas um coração, fato que torna a vida intra-uterina é absolutamente inviável conforme pareceres médicos de fls.

Embora o Código Penal em vigor, que é de 1940, não tenha previsto expressamente a autorização do aborto nos casos em que há constatação da impossibilidade de vida extra-uterina do feto, como é a hipótese dos autos, cuido que o pleito ora formulado deva ser deferido, pois de um magistrado exige-se muito mais do que a aplicação pura e simples da letra fria da lei.

Aliás, o art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil diz que: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” Interpretar a norma jurídica, observando o avanço da ciência e atendendo às modificações introduzidas nos usos e costumes de uma sociedade é tarefa indispensável para todos aqueles que buscam a verdadeira justiça.

Pois bem. Em 1940, data em que entrou em vigor o atual Código Penal, a medicina não dispunha dos recursos que atualmente dispõe. Situações que no passado eram imprevisíveis, hoje podem ser antevistas. Naquela época, a medicina não havia avançado o suficiente para fornecer dados confiáveis sobre a saúde do feto e da impossibilidade de vida extra-uterina.

Hoje, a ultra-sonografia e outros exames de alta precisão permitem um diagnóstico seguro, como é o caso dos autos em que se constatou a inviabilidade dos fetos, por serem portadores de dois corpos unidos pelo tórax e abdômen, mas dotados de apenas um coração.

Desse modo, obrigar a Requerente a manter uma gravidez nestas circunstâncias seria cruel e desumano, pois além do risco natural de uma gestação desse tipo, poderia implicar num gravíssimo comprometimento psicológico para a pessoa da Requerente. O judiciário não pode, por capricho, deixar de autorizar a Requerente a interromper uma gravidez sem a menor possibilidade de êxito, sobretudo porque é princípio constitucional que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante. (art. 5°, inc. III, da C.F.)”.

Por todas estas razões e por considerar ainda que da Requerente não se poderia exigir outra conduta, com fundamento no art. 5°, inc. III, da C.F., c/c o art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil e artigo 128, inciso I, do Código Penal, julgo procedente o pedido para AUTORIZAR a interrupção da gravidez de CRISTIANE DE ALCÂNTARA SANTANA, a ser efetuada em nosocômio de escolha da Requerente.

Sem custas, P.R.I. Recife,

ANTÔNIO FRANCISCO CINTRA, Juiz de Direito.

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