Inviabilidade dos fetos
Processo nº001 2002 019006-0
Autores:
Cristiane de Alcântara Santana e José Aderson Gonçalves de Brito
SENTENÇA:
Vistos, etc. CAS e seu companheiro JAGB, ambos devidamente qualificados na peça
inaugural alegando, em resumo, que:
“...em decorrência de má formação congênita
dos fetos, comprovada cabalmente por médicos, como forma de evitar amargura e
sofrimento psicológico da mãe que aliada ao fato de que a continuidade da
gravidez põe, comprovadamente, a vida da Requerente, e, de antemão, sabe que os
filhos não terão qualquer possibilidade de sobrevida...”, requerem autorização
para interrupção da gravidez. A inicial
foi instruída com as procurações e os documentos de fls. 11/23.
Com vistas dos autos o
Ministério Publico ofereceu às fls. 25/27 , opinando pelo deferimento do
pedido. Está feito o relatório.
Passo a decidir.
O art. 128 do Código Penal
Brasileiro autoriza duas hipóteses de exclusão da antijuricidade em face do
delito de aborto: o aborto necessário (inciso I) e o aborto sentimental (inciso
II). Para a questão sub judice, importa ressaltar o que diz o inciso I do
artigo 128 do Código Penal. “Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por
médico: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante:” O dispositivo
legal acima enfocado é claro. Permite-se o aborto praticado por médico para
evitar a morte da mãe, independentemente das condições do feto. No dos autos, a
requerente CRISTIANE DE ALCÂTARA SANTANA encontra-se entre as 13ª e 14ª semanas
de gestação, com dois fetos unidos pelo tórax e abdômen, com duas colunas
vertebrais, quatro membros inferiores e superiores, entretanto, existe apenas
um coração, fato que torna a vida intra-uterina é absolutamente inviável
conforme pareceres médicos de fls.
Embora o Código Penal em vigor,
que é de 1940, não tenha previsto expressamente a autorização do aborto nos
casos em que há constatação da impossibilidade de vida extra-uterina do feto,
como é a hipótese dos autos, cuido que o pleito ora formulado deva ser deferido,
pois de um magistrado exige-se muito mais do que a aplicação pura e simples da
letra fria da lei.
Aliás, o art. 5° da Lei de
Introdução ao Código Civil diz que: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos
fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” Interpretar a
norma jurídica, observando o avanço da ciência e atendendo às modificações
introduzidas nos usos e costumes de uma sociedade é tarefa indispensável para
todos aqueles que buscam a verdadeira justiça.
Pois bem. Em 1940, data em que
entrou em vigor o atual Código Penal, a medicina não dispunha dos recursos que
atualmente dispõe. Situações que no passado eram imprevisíveis, hoje podem ser
antevistas. Naquela época, a medicina não havia avançado o suficiente para
fornecer dados confiáveis sobre a saúde do feto e da impossibilidade de vida
extra-uterina.
Hoje, a ultra-sonografia e
outros exames de alta precisão permitem um diagnóstico seguro, como é o caso
dos autos em que se constatou a inviabilidade dos fetos, por serem portadores de
dois corpos unidos pelo tórax e abdômen, mas dotados de apenas um coração.
Desse modo, obrigar a
Requerente a manter uma gravidez nestas circunstâncias seria cruel e desumano,
pois além do risco natural de uma gestação desse tipo, poderia implicar num gravíssimo
comprometimento psicológico para a pessoa da Requerente. O judiciário não pode,
por capricho, deixar de autorizar a Requerente a interromper uma gravidez sem a
menor possibilidade de êxito, sobretudo porque é princípio constitucional que
“ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante.
(art. 5°, inc. III, da C.F.)”.
Por todas estas razões e por
considerar ainda que da Requerente não se poderia exigir outra conduta, com
fundamento no art. 5°, inc. III, da C.F., c/c o art. 5° da Lei de Introdução ao
Código Civil e artigo 128, inciso I, do Código Penal, julgo procedente o pedido
para AUTORIZAR a interrupção da
gravidez de CRISTIANE DE ALCÂNTARA SANTANA, a ser efetuada em nosocômio de
escolha da Requerente.
Sem custas, P.R.I. Recife,
ANTÔNIO FRANCISCO CINTRA, Juiz
de Direito.
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