Diretivas antecipadas
A Câmara Técnica de Bioética do
Conselho Federal de Medicina,considerando, por um lado, que o tema diretivas
antecipadas de vontade situa-se no âmbito da autonomia do paciente e, por
outro, que este conceito não foi inserido no Código de Ética Médica brasileiro
recentemente aprovado, entendeu por oportuno, neste momento, encaminhar ao
Conselho Federal de Medicina as justificativas de elaboração e a sugestão
redacional de uma resolução regulamentando o assunto.
Esta versão contém as sugestões
colhidas durante o I Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina de 2012.
JUSTIFICATIVAS
1) Dificuldade de
comunicação do paciente em fim de vida
Um aspecto relevante no contexto do
final da vida do paciente, quando são adotadas decisões médicas cruciais
a seu respeito, consiste na incapacidade de comunicação que afeta 95% dos
pacientes (D’Amico et al, 2009). Neste contexto, as decisões médicas sobre seu
atendimento são adotadas com a participação de outras pessoas que podem
desconhecer suas vontades e, em consequência, desrespeitá-las.
2) Receptividade dos médicos às diretivas antecipadas de vontade
Pesquisas internacionais apontam que
aproximadamente 90% dos médicos atenderiam às vontades antecipadas do paciente no
momento em que este se encontre incapaz para participar da decisão
(Simón-Lorda, 2008; Marco e Shears, 2006).
No Brasil, estudo realizado no Estado
de Santa Catarina, mostra este índice não difere muito. Uma pesquisa entre
médicos, advogados e estudantes apontou que 61% levariam em consideração as
vontades antecipadas do paciente, mesmo tendo a ortotanásia como opção (Piccini
et al, 2011). Outra pesquisa, também recente (Stolz et al, 2011), apontou que,
em uma escala de 0 a 10, o respeito às vontades antecipadas do paciente atingiu
média 8,26 (moda 10). Tais resultados, embora bastante limitados do ponto de
vista da amostra, sinalizam para a ampla aceitação das vontades antecipadas do
paciente por parte dos médicos brasileiros.
3) Receptividade dos
pacientes
Não foram encontrados trabalhos
disponíveis sobre a aceitação dos pacientes quanto às diretivas antecipadas de
vontade em nosso país. No entanto, muitos pacientes consideram bem-vinda a
oportunidade de discutir antecipadamente suas vontades sobre cuidados e
tratamentos a serem adotados, ou não, em fim de vida, bem como a elaboração de
documento sobre diretivas antecipadas (in: Marco e Shears, 2006).
4) O que dizem os códigos de ética da Espanha, Itália e Portugal
Diz o artigo 34 do Código de
Ética Médica italiano: “Il medico, se il paziente non è in grado di esprimere
la propria volontà in caso di grave pericolo di vita, non può non tener conto
di quanto precedentemente manifestato dallo stesso” (O médico, se o paciente
não está em condições de manifestar sua própria vontade em caso de grave risco
de vida, não pode deixar de levar em conta aquilo que foi previamente
manifestado pelo mesmo – traduzimos). Desta forma, o código italiano introduziu
aos médicos o dever ético derespeito às vontades antecipadas de seus
pacientes.
Diz o artigo 27 do Código de Ética
Médica espanhol: “[…] Y cuando su estado no le permita tomar decisiones, el
médico tendrá en consideración y valorará las indicaciones anteriores hechas
por el paciente y la opinión de las personas vinculadas responsables”.
Portanto, da mesma forma que o
italiano, o código espanhol introduz, de maneira simples e objetiva, as
diretivas antecipadas de vontade no contexto da ética médica.
O recente Código de Ética Médica
português diz em seu artigo 46: “4. A actuação dos médicos deve ter sempre como
finalidade a defesa dos melhores interesses dos doentes, com especial cuidado
relativamente aos doentes incapazes de comunicarem a sua opinião, entendendo-se
como melhor interesse do doente a decisão que este tomaria de forma livre e
esclarecida caso o pudesse fazer”. No parágrafo seguinte diz que o médico
poderá investigar estas vontades por meio de representantes e familiares.
Deste modo, os três códigos inseriram,
de forma simplificada, o dever de o médico respeitar as diretivas antecipadas
do paciente, inclusive verbais.
5) Comitês de Bioética
Por diversos motivos relacionados a
conflitos morais ou pela falta do representante ou de conhecimento sobre as
diretivas antecipadas do paciente, o médico pode apelar ao Comitê de Bioética
da instituição, segundo previsto por Beauchamps e Childress (2002, p. 275). Os
Comitês de Bioética podem ser envolvidos, sem caráter deliberativo, em muitas
decisões de fim de vida (Marco e Shears, 2006; Savulescu; 2006; Salomon; 2006;
Berlando; 2008; Pantilat e Isaac; 2008; D’Amico; 2009; Dunn, 2009; Luce e
White, 2009; Rondeau et al, 2009; Siegel; 2009).
No entanto, embora possa constar de
maneira genérica esta possibilidade, os Comitês de Bioética são raríssimos em
nosso país. Porém, grandes hospitais possuem este órgão e este aspecto precisa
ser contemplado na resolução.
Carlos Vital Tavares Corrêa Lima
- Relator
(Publicada no D.O.U. de 31 de agosto de
2012, Seção I, p.269-70)
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