Em 1883 o Dr. Agostinho José de
Souza Lima instava pela modificação do Código Penal, em um ponto em que a velha
lei, de 1830, revelaria “doutrina incompreensível e irracional”: o
infanticídio.
Esse crime era
previsto com a pena de três a doze anos de prisão (Atr. 197), punição
bastante inferior àquela prevista pelo Art. 192 para o homicídio. Conquanto a
“inocência da vítima” e sua “impossibilidade de resistência” devessem servir de
agravantes ao infanticídio, a magistratura parecia considerá-lo crime “menos
grave e hediondo” que o homicídio. O Presidente da Academia de Medicina sugeria
a seus colegas médicos, e a D. Pedro II, ali presente, que o legislador
ter-se-ia deixado levar, na distribuição das penas, pelas menores “dimensões da
vítima”.
“Realmente não conhecemos nada de mais iníquo em
matéria de legislação criminal” – era o comentário do editorialista da Gazeta
Médica do Rio de Janeiro (isso em
1863), criticando o mesmo descompasso entre as penalidades, a propósito da
resenha sobre o ensaio médico-legal publicado pelo doutor José Soriano de
Souza, famoso especialista pernambucano.
Essas reclamações teriam surtido efeito em 1890, quando a nova edição do Código
Penal atribuiu penalidade mais severa ao assassinato de recém-nascidos, tanto
por omissão (recusar à vítima os cuidados necessários à manutenção da vida)
como por comissão (emprego de meios diretos e ativos). O Art. 298 prescrevia
prisão celular por 6 a 24 anos, equivalentes à punição do homicídio simples,
isto é, sem agravantes, incluso no parágrafo 2º do Art. 294.
Entretanto uma exceção foi aberta para os casos em que
o crime fosse perpetrado pela própria mãe, “para ocultar a desonra própria”, circunstância em que a pena era
reduzida para três e nove anos de prisão.
Nos anos seguintes, essa exceção foi motivo de
reclamações por parte de médicos legistas. Em 1923, o doutor Leonidas Avendaño,
do Peru, apresentou ao VI Congresso Médico Latino Americano uma memória
coligindo a legislação sobre o infanticídio em todos os países da América. Como
preferência pessoal, ele destacava o dispositivo legal equatoriano, em que essa
figura jurídica nem sequer era mencionada e o crime ficava, portanto,
enquadrado como os demais homicídios. Além disso, o infanticídio era passível
de punição suplementar extraordinária no Equador, em função do agravante
estipulado para os assassinatos cometidos por parentes.
Em todos os demais países latinos americanos,
lamentava o médico Leonidas Avendaño, impunha-se pena reduzida aos réus desse
delito, aceitando como atenuantes os
argumentos de defesa da honra materna e de influência do estado puerperal. Avendaño
propôs que a redução de pena fosse restrita apenas às mulheres “de boa fama”, que “para ocultar a sua desonra” matassem o filho clandestinamente concebido, no momento de nascer ou
imediatamente após”.
Concordando com a atual disposição do Código Penal
(Art. 123) o doutor Flamínio Fávero concorda com seu texto. Em seu livro
“Medicina Legal” ele diz que o infanticídio está sempre ligado “a uma falta sexual consequente à sedução,
adultério, estupro, incesto” e seria “o
epílogo de uma gravidez ilícita”, havendo, em relação à mulher, “uma desonra a ocultar”, uma emoção violenta “no espírito de uma infeliz” que não lhe soube ou não lhe pôde resistir.
Fonte:
José Leopoldo Antunes. Medicina, Leis e Moral. Ed UNESP 1999 Pg. 75.
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