O artigo a seguir,
publicado no boletim do Conselho Federal de Medicina, trata de decisão judicial
que permite ao médico autorizado pelo paciente ou seu responsável legal limitar
ou suspender tratamentos exagerados e desnecessários que prolonguem a vida do
doente em fase terminal de enfermidades graves e incuráveis:
Os conselhos de Medicina alcançaram importante
vitória nos campos ético e jurídico em 1º de dezembro. O juiz Roberto Luis
Luchi Demo emitiu sentença onde considera improcedente o pedido do Ministério
Público Federal por meio de ação civil pública de decretação de nulidade da sua
Resolução nº 1.805/2006, que trata de critérios para a prática da
ortotanásia. A decisão divulgada pela 14ª Vara da Justiça Federal,
sediada em Brasília, coloca ponto final em disputa que se arrastou por mais de
três anos.
Em sua sentença, o magistrado afirma
que, após refletir a propósito do tema, chegou “à convicção de a resolução, que
regulamenta a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e
tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades
graves e incuráveis, realmente não ofende o ordenamento jurídico posto”.
Essa possibilidade está prevista desde que exista autorização expressa do
paciente ou de seu responsável legal.
“Estamos orgulhosos do desfecho
alcançado. Trata-se de uma sentença que resgata nossa preocupação com o bem
estar e o respeito ao direito de cada individuo. Prevaleceu uma posição
amadurecida ao longo dos anos”, saudou o presidente do Conselho Federal de
Medicina, Roberto Luiz d’Avila, ao comentar a sentença.
Para ele, a decisão valoriza a opção
pela prática humanista na Medicina, em detrimento de uma visão paternalista,
super-protetora, com foco voltado para a doença, numa busca obsessiva pela cura
a qualquer custo, mesmo que isso signifique o prolongamento da dor e do
sofrimento para o paciente e sua família.
Competência - O juiz Roberto Demo citou ainda exaustivamente manifestação inclusa no
processo feita pela procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira que
havia solicitado a desistência da ação movida pelo próprio Ministério Público.
De acordo com ela, apesar da polêmica que o tema encerra nos campos jurídico,
religioso, social e cultural, cinco pontos agregam valor à Resolução nº
1805/2006.
Em primeiro lugar, na opinião do MPF, o
CFM tem competência para editar norma deste tipo, que não versa sobre direito
penal e, sim, sobre ética médica e conseqüências disciplinares. Outra premissa
surge na avaliação da procuradora, acatada pela sentença final, para quem a
ortotanásia não constitui crime de homicídio, interpretado o Código Penal à luz
da Constituição Federal.
A sentença afirma ainda que a Resolução
nº 1805/2006 não determinou modificação significativa no dia-a-dia dos médicos
que lidam com pacientes terminais, não gerando, portanto, os efeitos danosos
alardeados na ação proposta. Segundo a decisão, a regra, ao contrário, deve
incentivar os médicos a descrever exatamente os procedimentos que adotam e os
que deixam de adotar, em relação a pacientes terminais, permitindo maior
transparência e possibilitando maior controle da sua atividade médica.
Cuidados paliativos -
A decisão ainda avança mais ao entender que a
ortotanásia (tema central da ação civil) se insere num contexto científico da
Medicina Paliativa. “Diagnosticada a terminalidade da vida, qualquer terapia
extra se afigurará ineficaz. Assim, já não se pode aceitar que o médico deva
fazer tudo para salvar a vida do paciente (beneficência), se esta vida não pode
ser salva.
Desse modo, sendo o quadro irreversível, é melhor - caso assim o
paciente e sua família o desejem - não lançar mão de cuidados terapêuticos
excessivos (pois ineficazes), que apenas terão o condão de causar agressão ao
paciente. Daí é que se pode concluir que, nessa fase, o princípio da
não-maleficência assume uma posição privilegiada em relação ao princípio da beneficência
- visto que nenhuma medida terapêutica poderá realmente fazer bem ao paciente”,
cita o documento.
Após ressaltar a dificuldade em
estabelecer a terminalidade, assim como a de diagnosticar uma doença rara ou
optar por um tratamento em lugar de outros, assumindo a falibidade da Medicina,
a sentença afirma que a Resolução nº 1865 representa a manifestação de uma nova
ética nas ciências médicas, que quebra antigos tabus e decide enfrentar outros
problemas realisticamente, com foco na dignidade humana.
Por outro lado, o presidente d’Avila
afirmou que o CFM e os CRMs acompanharão a tramitação no Congresso Nacional dos
projetos que descriminalizam a ortotanásia no Código Penal. “A decisão do
Judiciário contempla a própria evolução dos costumes e das relações sociais. A
sociedade está preparada para essa mudança que tem como fundo o resgate da
dignidade do ser humano em todos os momentos de sua trajetória, inclusive na
morte”, concluiu Roberto d’Avila.
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