Síndrome de Estocolmo
Antes de darmos início, é de
relevância que façamos antes uma breve e sucinta análise dos institutos
intrínsecos ao problema, bem como a conceituação das ciências comportamentais
envolvidas: a Psicologia e o Direito. Mais especificamente à Psicologia
Jurídica, ramo recente da Psicologia que objetiva tratar dos fundamentos psicológicos
da justiça e do direito.
Não obstante às várias
vertentes de análise de objeto, a Psicologia traz enfoque em todas as suas
áreas sobre o estudo da subjetividade, que consiste no espaço íntimo do
indivíduo com o qual ele se relaciona com o mundo social, ou seja, “é a síntese
singular e individual que cada um de nós vai constituindo conforme vamos nos
desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural”. (BOCK,
FURTADO E TEIXEIRA, 1999, p. 22).
O Direito, por sua vez,
originou-se a partir do momento em que o homem não mais viveu só. Aristóteles
afirma que o homem é um ser social. É no semelhante que se encontra a
realização dos desejos e angústias pessoais. Desta convivência, a fim de buscar
harmonia e cooperação mútuas, é necessário que haja regras que impeçam a
existência de conflitos e divergências entre seus habitantes e que organizem a
vida social, conforme os costumes e valores locais.
O desenvolvimento da técnica
para a ciência jurídica se dá de acordo com a evolução da própria sociedade. É
o que afirma Rosemiro Pereira Leal quando diz que:
A
passagem de técnica para a ciência, no campo do direito, é uma transposição
feita pelas conquistas teóricas do povo em seus enunciados de libertação e
sobrevivência em padrões mínimos de dignidade, ainda que até hoje não
suficientemente atingidos. (LEAL, 2011, p.3)
Isto posto, não se torna
difícil notar que Psicologia e Direito encontram-se intimamente ligados. Isto
porque ambos tratam do comportamento humano, ambos analisam um sujeito de
deveres e direitos, inserido em um grupo social.
Finalmente, abordando-se a
Psicologia Jurídica em si, nota-se que é um ramo da Psicologia que está a se
construir, tanto pela ausência de métodos científicos na área jurídica, como
pela recenticidade da Psicologia, que remonta sua história e influência a
disciplinas como Filosofia e Religião. Sendo então, o estudo do comportamento das pessoas e dos grupos enquanto
têm a necessidade de desenvolver-se dentro de ambientes regulados
juridicamente, assim como da evolução dessas regulamentações jurídicas ou leis
enquanto os grupos sociais se desenvolvem neles.(CLEMENTE, 1998, p. 25)
SÍNDROME DE ESTOCOLMO
Em 23 de agosto de 1973, o assaltante Jan-Erik Olsson
entrou com metralhadora e explosivos na filial da Kreditbanken, situada na
Praça de Norrmalmstorg, em Estocolmo, capital Sueca, a fim de roubá-lo. Após
intensa troca de tiros com policiais, Olsson manteve quatro pessoas que ali
estavam como reféns e fez exigências como armas, dinheiro, carro, liberdade e
que lhe fosse trazido ao banco Clark Olofsson, presidiário e criminoso muito
famoso no país. O mais curioso nesse caso não foi apenas
a questão do que estava acontecendo, do crime claramente praticado, mas a
reação das vítimas/reféns que estavam no local após os 6 dias de sequestro.Contrariamente
ao que se esperava, estes últimos desenvolveram laços afetivos com seus
sequestradores que logo ficaram aparentes. Isto porque, quando policiais
iniciaram suas estratégias em libertar as vítimas, estas recusaram ajuda,
usaram seus próprios corpos como escudo aos agressores e imputaram toda a culpa
do fato aos profissionais responsáveis pela solução do crime.
O termo Síndrome
de Estocolmo foi cunhado pelo criminólogo e psicólogo NilsBejerot, que ajudou a
polícia durante o assalto, e se referiu à esta durante uma reportagem. Daí em
diante ele foi adotado por muitos psicólogos no mundo todo.
Além do assalto
em Norrmalmstorg, houve muitos outros casos em que as vítimas foram
diagnosticadas com a síndrome (citarei exemplos de forma sucinta, mas que se
assim for de seu interesse, estes são de fácil acesso e disponibilizados na
íntegra pela internet). Um outro caso famoso, foi o de NataschaKampusch que, em
1998, desapareceu a caminho da escola na Áustria. A vítima que, até então,
tinha apenas dez anos, só foi encontrada oito anos após o ocorrido, por causa
de um descuido do seu sequestrador ao atender um telefonema. Após conseguir
chamar a polícia, seu sequestrador cometeu suicídio, deixando Natascha bastante
sentida/entristecida com final acontecido.
Um caso famoso brasileiro foi o da
filha de Sílvio Santos, Patrícia Abravanel, que no ano de 2001, foi sequestrada
e passou cerca de 1 semana em cativeiro.
Após sua libertação, em entrevista dada na varanda da casa de seu pai,
lembrava-se com carinho de seus raptores e dizia se compadecer dos mesmos.
Em
outros estudos realizados, é notória a presença da síndrome na literatura, podendo-se
citar como exemplo o conto da Bela e a Fera, em que a donzela é mantida em
cativeiro por um “monstro”, ambos desenvolvem um relacionamento afetivo e
acabam se casando.
Dado esses
exemplos e conforme já explicitado anteriormente, a Síndrome de Estocolmo é uma
identificação, uma simpatia, desenvolvida por aquele que está em situação de
risco em face de seu dominador. Muitos entendem como uma forma inconsciente de
autopreservação, um mecanismo, por vezes, utilizado pelo cérebro para permitir
a sobrevivência em situações em que a morte é iminente.
Os requisitos
exigidos para que a Síndrome seja diagnosticada são, segundo Jorge Trindade
(2010, p. 213) o(a): evento traumático (assalto, sequestro, abuso sexual,
violência) com ameaça física ou psicológica; crença de que o desfecho irá
acontecer; a percepção da vítima, no contexto de terror, de gestos de atenção
(carinho, amabilidade, gentileza) por parte do agressor; e o sentimento de
impotência para escapar.Quanto ao processo de desenvolvimento, a Síndrome
inicia-se com um evento traumático e estressante em que o indivíduo se vê como
um prisioneiro e cuja fuga é até então impossível. Ele sofre ameaças e abusos,
sendo a obediência a única forma de manter sua integridade.
Com o tempo, a
obediência cega não é a mais a forma segura de garantir a sobrevivência. O
dominador também está em situação de estresse e a variação de seu humor pode
gerar sérias consequências. A partir desse momento, a vítima busca “ler” o
agressor de forma a compreender qual ato poderia deflagrar ações de violência
por parte do mesmo. Jorge Trindade confirma esta ideia quando afirma que “a
vítima, além de não conseguir sentir ódio pelo seu agressor, ainda passa a se
colocar em seu lugar, a ver o mundo através de seus olhos, pois, afinal, é
pelos olhos do agressor que a vítima se constitui como sujeito.” (TRINDADE,
2010, p. 214).
Estas
informações quando associadas a pequenos gestos de gentileza do agressor, que
geralmente se limitam a alimentação e ao simples fato de ainda não ter matado a
vítima, torna o mesmo como um indivíduo que, em última análise, é bom.O
agressor, portanto, começa a aparecer menos ameaçador, haja vista que o inconsciente,
a fim de sobreviver e diminuir o estresse da situação, faz com que o dominado
realmente acredite que aquele que lhe infringe a agressão é seu amigo, que não
o matará e que juntos eles podem encontrar uma alternativa para resolver o conflito
no qual estão inseridos.Ademais, a pessoa que sofre a agressão passa a ignorar
o fato de que o agressor é a origem do risco o qual ameaça sua sobrevivência,
criando assim uma auto ilusão. A consequência disso é que quem está “do lado de
fora” deixa de ser um aliado, ao passo que busca ferir o ser com quem a vítima
se identifica e possui afeição.
Por fim, é
relevante comentar que, ao contrário do que o senso comum postula, a Síndrome
de Estocolmo não se manifesta apenas em relações entre sequestradores e
sequestrados, reféns e bandidos. Historicamente, o fenômeno analisado neste
artigo pôde ser observado entre servos e seus senhores e entre os sobreviventes
de campos de concentração. Hoje, o quadro pode ser desencadeado por relações de
trabalho extremas nas quais, geralmente, observa-se o assédio moral e até mesmo
em casos de violência doméstica, em que a mulher nutrindo ainda um sentimento
positivo em relação ao marido, não permite que acusações sejam a ele
atribuídas.
ASPECTOS JURÍDICOS DA SÍNDROME DE ESTOCOLMO
Os efeitos da
Síndrome na vítima ocasionam interesse ao Direito. Isto porque a ambivalência
do comportamento desta dificulta a elucidação do processo e, até mesmo, a
punibilidade do agente. Como se trata de uma doença psicológica, é necessário
certo cuidado, pois a vítima, muitas vezes, desenvolve um sentimento de empatia
em relação ao agressor e, por conseguinte, passa a rejeitar qualquer tipo de
ajuda ou de interferência, considerando tais atitudes como intervenções
desnecessárias e até mesmo, invasivas.
Como vimos, na
Síndrome de Estocolmo, a vítima passa por um evento traumático e desenvolve,
num processo de preservação inconsciente, uma aproximação ao agressor. A
Vitimologia, ramo da Criminologia, está estreitamente preocupada em analisar os
impactos causados na vítima, na família e na sociedade a partir
do delito, bem como a relação delinquente-ofendido nessa situação.
O estudo
vitimológico, então, deve ser coordenado para que se possa identificar esse
comportamento ambíguo que dificulta a resolução do conflito. Há países, por
exemplo, que utilizam técnicas diferenciadas na elaboração dos quesitos
formulados para o depoimento dessas vítimas. Assim, quando se percebe que os
fatos narrados por elas não se assemelham com a realidade aferida por outros
indícios e depoimentos, busca-se, através dos questionamentos direcionados, não
permitir que a interação do ofendido com o ofensor dificulte a justa punição
deste.
Do mesmo modo
com que o Direito se atenta ao instituto da Vitimologia, atenta-se também, à
Dosimetria da Pena, ou seja, o cálculo da pena imputada ao réu do crime, que,
conforme disposto no art. 59, faz-se necessário atenção quanto os incisos I e
II deste. Podendo, a certo modo, configurar motivo para que o juiz fixe uma
pena-base menor.
Outro ponto, trata
das causas excludentes da punibilidade do agente expressas no art. 107 do
Código Penal.
Art. 107. Extingue-se a punibilidade:IV – pela prescrição,
decadência ou perempção;V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão
aceito, nos crimes de ação privada;
A decadência,
como excludente de punibilidade, e a Síndrome de Estocolmo passam a ter um
ponto de intersecção quando se analisa a possibilidade da vítima se mostrar
inerte ante ao lapso temporal de seis meses que dispõe para oferecer a queixa no
caso de uma ação penal privada. Isto ocorre porque o ofendido, ainda muito
ligado ao agressor, não admite que qualquer punição seja a este imputada.
A renúncia ao
direito de queixa, assim como na decadência, ocorre pelo fato do agredido não
intencionar a punição de seu ofensor. Consoante ao previsto no entendimento
doutrinário, a vítima externa sua vontade de renunciar de forma expressa ou
tácita. Manifestar-se-á expressamente quando assinar declaração perante a
autoridade policial e tacitamente ao passo que começa a praticar atos
incompatíveis com a vontade de ver o delito solucionado.
Contemplado,
também, pelo inciso V do artigo transcrito, o perdão do ofendido difere-se da
renúncia. O perdão acontece após o início da ação penal e depende da anuência
daquele contra quem o processo foi instaurado.
Tratando-se
ainda de ações privadas, não se pode olvidar a nova relação feita pelos
psicólogos a qual correlaciona a Síndrome e os casos de violência doméstica. O
estudo psicológico ao mapear as reações dos agredidos concluiu que os sintomas
desses se assemelham aos das pessoas que desenvolveram a Síndrome após sofrerem
traumas como sequestros ou cárceres privados. Sendo assim, as vítimas de
violência doméstica também são isoladas e impedidas de receberem ajuda passando
a se adaptarem a situação como uma forma inconsciente de superar a agressão. A
consequência evidenciada é o não oferecimento da representação na ação penal a
fim de que o agressor não seja punido ou mesmo processado pelo delito cometido.
Quando oferecem representação, muitas das vezes, ainda se retratam.
O comportamento
das vítimas nos processos em que a ação penal é pública não se difere da
conduta apresentada nas ações privadas. Neste diapasão, como o ofendido não tem
como impedir o oferecimento da denúncia, ele busca, no meio do processo,
diminuir a culpa que deve ser atribuída ao ofensor, abstendo-se de dar
informações em seu depoimento ou contribuindo de qualquer outra forma para que
findo o processo o agressor tenha uma punição moderada.
REFERENCIAS
·
TRINDADE J.
Manual de psicologia jurídica para operadores do direito . 4. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010. Acesso em: 30 de abril de 2015.
·
WEB ARTIGOS
– Síndrome De Estocolmo: Uma Análise Da
Psicologia Jurídica
<http://www.webartigos.com/artigos/sindrome-de-estocolmo-uma-analise-da-psicologia-juridica/116647/#ixzz3YkfATsJP> Acesso em: 30 de abril de 2015.
<http://www.webartigos.com/artigos/sindrome-de-estocolmo-uma-analise-da-psicologia-juridica/116647/#ixzz3YkfATsJP> Acesso em: 30 de abril de 2015.
·
BRASIL
ESCOLA – SINDROME DE ESTOCOLMO.
Acesso em: 02 de maiode 2015.
·
CLEMENTE, M.
Fundamentos de la psicología jurídica. Madrid: Pirâmide, 1998. Acesso em: 02 de
maio de 2015.
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