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domingo, 17 de maio de 2015

Espaço do acadêmico - Maria Eduarda de Lima Leão - MP3 - Síndrome de Estocolmo





Síndrome de Estocolmo



Antes de darmos início, é de relevância que façamos antes uma breve e sucinta análise dos institutos intrínsecos ao problema, bem como a conceituação das ciências comportamentais envolvidas: a Psicologia e o Direito. Mais especificamente à Psicologia Jurídica, ramo recente da Psicologia que objetiva tratar dos fundamentos psicológicos da justiça e do direito.

Não obstante às várias vertentes de análise de objeto, a Psicologia traz enfoque em todas as suas áreas sobre o estudo da subjetividade, que consiste no espaço íntimo do indivíduo com o qual ele se relaciona com o mundo social, ou seja, “é a síntese singular e individual que cada um de nós vai constituindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural”. (BOCK, FURTADO E TEIXEIRA, 1999, p. 22).

O Direito, por sua vez, originou-se a partir do momento em que o homem não mais viveu só. Aristóteles afirma que o homem é um ser social. É no semelhante que se encontra a realização dos desejos e angústias pessoais. Desta convivência, a fim de buscar harmonia e cooperação mútuas, é necessário que haja regras que impeçam a existência de conflitos e divergências entre seus habitantes e que organizem a vida social, conforme os costumes e valores locais.

O desenvolvimento da técnica para a ciência jurídica se dá de acordo com a evolução da própria sociedade. É o que afirma Rosemiro Pereira Leal quando diz que:

A passagem de técnica para a ciência, no campo do direito, é uma transposição feita pelas conquistas teóricas do povo em seus enunciados de libertação e sobrevivência em padrões mínimos de dignidade, ainda que até hoje não suficientemente atingidos. (LEAL, 2011, p.3)

Isto posto, não se torna difícil notar que Psicologia e Direito encontram-se intimamente ligados. Isto porque ambos tratam do comportamento humano, ambos analisam um sujeito de deveres e direitos, inserido em um grupo social.

Finalmente, abordando-se a Psicologia Jurídica em si, nota-se que é um ramo da Psicologia que está a se construir, tanto pela ausência de métodos científicos na área jurídica, como pela recenticidade da Psicologia, que remonta sua história e influência a disciplinas como Filosofia e Religião. Sendo então, o estudo do comportamento das pessoas e dos grupos enquanto têm a necessidade de desenvolver-se dentro de ambientes regulados juridicamente, assim como da evolução dessas regulamentações jurídicas ou leis enquanto os grupos sociais se desenvolvem neles.(CLEMENTE, 1998, p. 25)

SÍNDROME DE ESTOCOLMO

Em 23 de agosto de 1973, o assaltante Jan-Erik Olsson entrou com metralhadora e explosivos na filial da Kreditbanken, situada na Praça de Norrmalmstorg, em Estocolmo, capital Sueca, a fim de roubá-lo. Após intensa troca de tiros com policiais, Olsson manteve quatro pessoas que ali estavam como reféns e fez exigências como armas, dinheiro, carro, liberdade e que lhe fosse trazido ao banco Clark Olofsson, presidiário e criminoso muito famoso no país. O mais curioso nesse caso não foi apenas a questão do que estava acontecendo, do crime claramente praticado, mas a reação das vítimas/reféns que estavam no local após os 6 dias de sequestro.Contrariamente ao que se esperava, estes últimos desenvolveram laços afetivos com seus sequestradores que logo ficaram aparentes. Isto porque, quando policiais iniciaram suas estratégias em libertar as vítimas, estas recusaram ajuda, usaram seus próprios corpos como escudo aos agressores e imputaram toda a culpa do fato aos profissionais responsáveis pela solução do crime.

O termo Síndrome de Estocolmo foi cunhado pelo criminólogo e psicólogo NilsBejerot, que ajudou a polícia durante o assalto, e se referiu à esta durante uma reportagem. Daí em diante ele foi adotado por muitos psicólogos no mundo todo.

Além do assalto em Norrmalmstorg, houve muitos outros casos em que as vítimas foram diagnosticadas com a síndrome (citarei exemplos de forma sucinta, mas que se assim for de seu interesse, estes são de fácil acesso e disponibilizados na íntegra pela internet). Um outro caso famoso, foi o de NataschaKampusch que, em 1998, desapareceu a caminho da escola na Áustria. A vítima que, até então, tinha apenas dez anos, só foi encontrada oito anos após o ocorrido, por causa de um descuido do seu sequestrador ao atender um telefonema. Após conseguir chamar a polícia, seu sequestrador cometeu suicídio, deixando Natascha bastante sentida/entristecida com final acontecido. 

Um caso famoso brasileiro foi o da filha de Sílvio Santos, Patrícia Abravanel, que no ano de 2001, foi sequestrada e  passou cerca de 1 semana em cativeiro. Após sua libertação, em entrevista dada na varanda da casa de seu pai, lembrava-se com carinho de seus raptores e dizia se compadecer dos mesmos.

Em outros estudos realizados, é notória a presença da síndrome na literatura, podendo-se citar como exemplo o conto da Bela e a Fera, em que a donzela é mantida em cativeiro por um “monstro”, ambos desenvolvem um relacionamento afetivo e acabam se casando.

Dado esses exemplos e conforme já explicitado anteriormente, a Síndrome de Estocolmo é uma identificação, uma simpatia, desenvolvida por aquele que está em situação de risco em face de seu dominador. Muitos entendem como uma forma inconsciente de autopreservação, um mecanismo, por vezes, utilizado pelo cérebro para permitir a sobrevivência em situações em que a morte é iminente.

Os requisitos exigidos para que a Síndrome seja diagnosticada são, segundo Jorge Trindade (2010, p. 213) o(a): evento traumático (assalto, sequestro, abuso sexual, violência) com ameaça física ou psicológica; crença de que o desfecho irá acontecer; a percepção da vítima, no contexto de terror, de gestos de atenção (carinho, amabilidade, gentileza) por parte do agressor; e o sentimento de impotência para escapar.Quanto ao processo de desenvolvimento, a Síndrome inicia-se com um evento traumático e estressante em que o indivíduo se vê como um prisioneiro e cuja fuga é até então impossível. Ele sofre ameaças e abusos, sendo a obediência a única forma de manter sua integridade.

Com o tempo, a obediência cega não é a mais a forma segura de garantir a sobrevivência. O dominador também está em situação de estresse e a variação de seu humor pode gerar sérias consequências. A partir desse momento, a vítima busca “ler” o agressor de forma a compreender qual ato poderia deflagrar ações de violência por parte do mesmo. Jorge Trindade confirma esta ideia quando afirma que “a vítima, além de não conseguir sentir ódio pelo seu agressor, ainda passa a se colocar em seu lugar, a ver o mundo através de seus olhos, pois, afinal, é pelos olhos do agressor que a vítima se constitui como sujeito.” (TRINDADE, 2010, p. 214).

Estas informações quando associadas a pequenos gestos de gentileza do agressor, que geralmente se limitam a alimentação e ao simples fato de ainda não ter matado a vítima, torna o mesmo como um indivíduo que, em última análise, é bom.O agressor, portanto, começa a aparecer menos ameaçador, haja vista que o inconsciente, a fim de sobreviver e diminuir o estresse da situação, faz com que o dominado realmente acredite que aquele que lhe infringe a agressão é seu amigo, que não o matará e que juntos eles podem encontrar uma alternativa para resolver o conflito no qual estão inseridos.Ademais, a pessoa que sofre a agressão passa a ignorar o fato de que o agressor é a origem do risco o qual ameaça sua sobrevivência, criando assim uma auto ilusão. A consequência disso é que quem está “do lado de fora” deixa de ser um aliado, ao passo que busca ferir o ser com quem a vítima se identifica e possui afeição.

Por fim, é relevante comentar que, ao contrário do que o senso comum postula, a Síndrome de Estocolmo não se manifesta apenas em relações entre sequestradores e sequestrados, reféns e bandidos. Historicamente, o fenômeno analisado neste artigo pôde ser observado entre servos e seus senhores e entre os sobreviventes de campos de concentração. Hoje, o quadro pode ser desencadeado por relações de trabalho extremas nas quais, geralmente, observa-se o assédio moral e até mesmo em casos de violência doméstica, em que a mulher nutrindo ainda um sentimento positivo em relação ao marido, não permite que acusações sejam a ele atribuídas.

ASPECTOS JURÍDICOS DA SÍNDROME DE ESTOCOLMO

Os efeitos da Síndrome na vítima ocasionam interesse ao Direito. Isto porque a ambivalência do comportamento desta dificulta a elucidação do processo e, até mesmo, a punibilidade do agente. Como se trata de uma doença psicológica, é necessário certo cuidado, pois a vítima, muitas vezes, desenvolve um sentimento de empatia em relação ao agressor e, por conseguinte, passa a rejeitar qualquer tipo de ajuda ou de interferência, considerando tais atitudes como intervenções desnecessárias e até mesmo, invasivas.

Como vimos, na Síndrome de Estocolmo, a vítima passa por um evento traumático e desenvolve, num processo de preservação inconsciente, uma aproximação ao agressor. A Vitimologia, ramo da Criminologia, está estreitamente preocupada em analisar os impactos causados na vítima, na família e na sociedade a partir do delito, bem como a relação delinquente-ofendido nessa situação.
O estudo vitimológico, então, deve ser coordenado para que se possa identificar esse comportamento ambíguo que dificulta a resolução do conflito. Há países, por exemplo, que utilizam técnicas diferenciadas na elaboração dos quesitos formulados para o depoimento dessas vítimas. Assim, quando se percebe que os fatos narrados por elas não se assemelham com a realidade aferida por outros indícios e depoimentos, busca-se, através dos questionamentos direcionados, não permitir que a interação do ofendido com o ofensor dificulte a justa punição deste.

Do mesmo modo com que o Direito se atenta ao instituto da Vitimologia, atenta-se também, à Dosimetria da Pena, ou seja, o cálculo da pena imputada ao réu do crime, que, conforme disposto no art. 59, faz-se necessário atenção quanto os incisos I e II deste. Podendo, a certo modo, configurar motivo para que o juiz fixe uma pena-base menor.
Outro ponto, trata das causas excludentes da punibilidade do agente expressas no art. 107 do Código Penal.

Art. 107. Extingue-se a punibilidade:IV – pela prescrição, decadência ou perempção;V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

A decadência, como excludente de punibilidade, e a Síndrome de Estocolmo passam a ter um ponto de intersecção quando se analisa a possibilidade da vítima se mostrar inerte ante ao lapso temporal de seis meses que dispõe para oferecer a queixa no caso de uma ação penal privada. Isto ocorre porque o ofendido, ainda muito ligado ao agressor, não admite que qualquer punição seja a este imputada.

A renúncia ao direito de queixa, assim como na decadência, ocorre pelo fato do agredido não intencionar a punição de seu ofensor. Consoante ao previsto no entendimento doutrinário, a vítima externa sua vontade de renunciar de forma expressa ou tácita. Manifestar-se-á expressamente quando assinar declaração perante a autoridade policial e tacitamente ao passo que começa a praticar atos incompatíveis com a vontade de ver o delito solucionado.

Contemplado, também, pelo inciso V do artigo transcrito, o perdão do ofendido difere-se da renúncia. O perdão acontece após o início da ação penal e depende da anuência daquele contra quem o processo foi instaurado.

Tratando-se ainda de ações privadas, não se pode olvidar a nova relação feita pelos psicólogos a qual correlaciona a Síndrome e os casos de violência doméstica. O estudo psicológico ao mapear as reações dos agredidos concluiu que os sintomas desses se assemelham aos das pessoas que desenvolveram a Síndrome após sofrerem traumas como sequestros ou cárceres privados. Sendo assim, as vítimas de violência doméstica também são isoladas e impedidas de receberem ajuda passando a se adaptarem a situação como uma forma inconsciente de superar a agressão. A consequência evidenciada é o não oferecimento da representação na ação penal a fim de que o agressor não seja punido ou mesmo processado pelo delito cometido. Quando oferecem representação, muitas das vezes, ainda se retratam.

O comportamento das vítimas nos processos em que a ação penal é pública não se difere da conduta apresentada nas ações privadas. Neste diapasão, como o ofendido não tem como impedir o oferecimento da denúncia, ele busca, no meio do processo, diminuir a culpa que deve ser atribuída ao ofensor, abstendo-se de dar informações em seu depoimento ou contribuindo de qualquer outra forma para que findo o processo o agressor tenha uma punição moderada.

REFERENCIAS
·         TRINDADE J. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito . 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. Acesso em: 30 de abril de 2015.
·         WEB ARTIGOS – Síndrome De Estocolmo: Uma Análise Da Psicologia Jurídica
<
http://www.webartigos.com/artigos/sindrome-de-estocolmo-uma-analise-da-psicologia-juridica/116647/#ixzz3YkfATsJP> Acesso em: 30 de abril de 2015.
·         BRASIL ESCOLA – SINDROME DE ESTOCOLMO. Acesso em: 02 de maiode 2015.

·         CLEMENTE, M. Fundamentos de la psicología jurídica. Madrid: Pirâmide, 1998. Acesso em: 02 de maio de 2015.

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