Infanticídio
Indígena
A discussão que abrange o infanticídio indígena é
mais do que simplesmente questão penal. O assunto depende de reflexões de temas
complexos como o Relativismo Cultural e o Universalismo dos Direitos Humanos e,
mais do que isso, onde um começa e o outro termina – se é que há essa tênue
linha imaginária.
O Relativismo Cultural é uma teoria que pressupõe a
existência de uma pluralidade de culturas com elementos próprios e diferentes
entre si que são coerentes para seus integrantes, devendo ser observados como
tais de modo que não sofram valoração baseadas em costumes de outro povo. As
culturas são apenas diferentes entre si, não melhores ou piores; não há
hegemonia. É tida como estável, suas
normas são perfeitas e os costumes devem ser mantidos a todo custo. A
radicalização dessa corrente, entretanto, prevê a ideia de que o contato
intercultural é destrutivo, devendo ser evitada em prol da preservação de uma imutabilidade cultural.
Em contrapartida, a Declaração dos Direitos Humanos estabelece direitos que estão, ou
deveriam estar, acima de qualquer particularidade referente à idade, sexo,
raça, país ou cultura, sendo um deles o direito à vida, protegido juntamente
com vários outros na nossa Constituição Federal. Seus defensores são, não raro,
acusados de fundamentalistas por
apoiarem a extinção desse comportamento entre as tribos, e de “impor suas
crenças e culturas sobre a cultura indígena” e muitos deles, inclusive, são sobreviventes
dos referidos rituais de infanticídio.
Somando às breves informações acima, convém
destrinchar o significado do dispositivo principal aqui tratado, bem como seus
elementos e respectivos significados.
Infanticídio,
segundo o Código Penal Brasileiro, significa “matar, sob a influência do estado puerperal, o
próprio filho, durante o parto ou logo
após”, e recebe como pena detenção de dois a seis anos.
O
primeiro elemento do tipo é a influência
do estado puerperal, critério biopsíquico presente em todas as mulheres, em
graus diversos de intensidade que podem causar, nos casos mais graves,
distúrbios fortes o suficiente para ensejar inimputabilidade da parturiente
ante o assassinato do próprio filho.
O
lapso temporal estabelecido pelo dispositivo é fundamental, uma vez que,
segundo Rezende, a medicina aponta o período de seis a oito semanas como tempo
de duração normal do puerpério, de modo que deve ser analisado de acordo com o
princípio da razoabilidade.
Nesta
conjuntura, faz-se digno de nota que os rituais indígenas preparados para o
extermínio da criança indesejada não contém o elemento biopsíquico, qual seja,
a morte da criança decorrente do estado puerperal da mãe. Na verdade, o que
determina o crime em questão é a tradição
– ainda que não concorde ou consinta no ritual, a genitora sofre pressão da
sociedade em que vive para que a tradição e a crença sejam preservadas podendo,
inclusive, ser castigada em caso de recusa. Também não contém o elemento
temporal, uma vez que, não raro, são executados muito tempo depois do
nascimento da criança. Desse modo, conclui-se que os rituais que ocorrem nas
tribos indígenas com finalidade de exterminar o neonato não se configuram como infanticídio, mas como homicídio.
O
afastamento da hipótese de infanticídio,
entretanto, não finda a discussão, uma vez que há possibilidade de aplicar o
artigo 121, referente ao homicídio, podendo a pena ser aumentada por ser a
vítima menor de 14 anos e a agravantes do artigo 61.
Seguindo
o fundamento estabelecido pelo Estatuto do Índio em
seu parágrafo primeiro temos que esta lei tem a função de regular a situação jurídica dos índios
e silvícolas com o propósito de preservar
sua cultura, bem como integrá-los à
“comunhão nacional”. Torna-se mais do que claro que a intenção do legislador
não era, apenas, preservar a cultura desses povos, mas também introduzi-los de
forma mais direta na sociedade com o objetivo de, gradualmente, serem regidos completamente pelo nosso Ordenamento. Vale
salientar que o Estatuto do Índio entrou em vigor em 1973, durante o governo de
Médice e do Milagre Econômico da Ditadura Militar.
Apesar de não parecer, o Relativismo Cultural está
presente em dispositivos do Ordenamento, como na própria Constituição Federal,
no artigo
231: “São reconhecidos aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que ocupam, competindo à União, demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Isso significa que nosso próprio Ordenamento serve de
fundamentação para apoiar os dois lados da disputa. A interferência estatal em
tais casos seria uma mitigação dos direitos indígenas de expressão de suas
tradições e crenças ou o crime maior seria a perpetuação de tal nível de
violência? Não seria essa mais uma questão de hegemonia cultural, em que os costumes que prevalecerão são os
corretos aos olhos da cultura dominante, falsamente velada de defesa dos
direitos mais essenciais ao ser humano? Ou seria pura conjectura de radicais do
Relativismo com objetivo de preservação das culturas tais como são?
Para saber mais:
Àqueles que se
interessaram pelo assunto, alguns links são bastante interessantes:
·
Projeto Hakani: http://www.hakani.org/pt/default.asp
·
Estatuto do Índio: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.htm
·
Vídeo documentando um ritual de “infanticídio
indígena” feito pelo Projeto Hakani: http://www.youtube.com/watch?v=pzjrO3x9ef0
·
Documentário “Quebrando o Silêncio”: http://www.youtube.com/watch?v=vUGugohRnC8
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