Análise
da relação entre o artigo 126 e 26 do Código Penal
“Art.
126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena
- reclusão, de 1 (um)
a 4 (quatro) anos.
Parágrafo
único - Aplica-se a
pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é
alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave
ameaça ou violência.”
“Art. 26 - É isento de pena o
agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Redução
de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um
a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por
desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.”
Antes de iniciar a relação entres o
crime de aborto consentido (art.126
CP) e o artigo 26 CP, é oportuno esclarecer algumas problemáticas nos artigos
referentes ao crime de aborto.
O tipo penal referente ao art.124 é
um crime de ação múltipla (crime de conteúdo variado) e engloba duas condutas:
a primeira, a gestante provoca o
abortamento (autoaborto); e a segunda,
a gestante consente que o terceiro
lhe provoque. Em um caso concreto, se a gestante realizar uma das condutas ou as
duas, simultaneamente, incorre na pena cominada do artigo supracitado. Em uma
segunda situação, se um terceiro provocar aborto com o consentimento da
gestante, este incorrerá na conduta do art. 126 e a gestante responderá pelo
pena referida ao art. 124. Esta ultima suposição é uma das exceções à teoria monística da ação, adotada em
nosso Código Penal. Referida teoria defende que todos os que concorrerem para o
resultado criminoso devem responder pelo mesmo crime. Na situação em análise o
resultado é um só, ou seja, a morte do feto. Segundo a lógica da teoria
monista, todos os envolvidos deveriam responder pelo mesmo crime, mas o
legislador do diploma de 1940 entendeu que as condutas têm reprovabilidade
distintas e, por isso, resolveu criar a esta exceção, de tal modo que a
gestante incorra em crime mais brando (art. 124, 2ª parte), por ter consentido
no aborto, enquanto o terceiro, que realizou os procedimentos abortivos,
pratica crime mais severamente punido (art. 126). Podemos sintetizar referido
entendimento com a citação do doutrinador Bitencourt (2013, p.168) “Concluindo,
a mulher que consente no aborto
incidirá nas mesmas do autoaborto,
isto é, como se tivesse provocado o aborto em
sim mesma, nos termos do art. 124 do CP. A mulher que consente no próprio aborto e, na sequência, auxilia decisivamente
nas manobras abortivas pratica um só crime, pois provocar aborto em si mesma, ou consentir
que outrem lho provoque é crime de ação múltipla ou de conteúdo variado...”
[...] “O aborto consentido não admite coautoria entre o terceiro e a
gestante...”.
Para que ocorra o crime tipificado
no art. 126, se faz necessário o consentimento da gestante e que este perdure
até a consumação do ato. Caso a mulher grávida que, inicialmente, havia prestado
consentimento se arrependa (durante a realização das manobras abortivas) e peça
ao agente que não o faça, mas este prossiga na execução do crime e pratique o
aborto, responderá, por crime de aborto sem o consentimento da gestante (art.125,
conduta com pena mais severa), enquanto que a conduta da gestante - de ter
retirado o consentimento ao aborto e mesmo assim foi forçada a fazer - é
atípica.
Além do consentimento válido da
gestante (obtido de forma livre e espontânea) para que se execute a manobra
abortiva por terceiro (conduta que o terceiro se enquadraria no art 126),
existe o consentimento negativo da gestante (casos enquadrados no art.125 e no
parágrafo único do 126 CP). Este pode ser subdividido em dois tipos: a) quando
não houver qualquer autorização por parte da gestante, o que se dá, por
exemplo, quando o agente agride uma mulher grávida objetivando o aborto, ou
quando introduz clandestinamente substancias abortivas na bebida dela; b)
quando houver uma autorização da gestante, mas tal anuência carece de valor
jurídico em razão do que dispões o texto legal. É o que se dá nas cinco
hipóteses elencadas no artigo 126 CP (consentimento obtido através de fraude,
grave ameaça, violência, quando a gestante não é maior de 14 anos e quando é alienada
ou débil mental, de modo que não possa entender a significado de seu gesto).
A relação entre o art 26 e o art.
126 CP está presente na redação da primeira parte do parágrafo único deste
artigo. Hipótese em que a ausência de consentimento é presumida, sendo assim a
conduta é enquadrada no art. 125 CP com pena mínima de três anos e máxima de 10
anos. O legislador do Código Penal Brasileiro valorou, por razão lógica, como
mais deplorável o aborto realizado em gestante não maior de 14 anos, alienada
ou débil mental, mesmo que esta tenha consentido com aborto, tal consentimento
é irrelevante e não serviria para enquadrar a conduta do terceiro, que realiza
a manobra abortiva, na pena relacionada ao caput
do art. 126 que é sem dúvida mais benéfica que a relacionada ao parágrafo único
do art 126 que remete a pena do art. 125. Se fosse um caso de gestante que
consentisse com aborto e não estiver elencada neste rol, o consentimento (se
este não fosse obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência) seria elementar
do tipo no artigo 126, sendo assim, mais benéfico para o terceiro que realiza a
manobra abortiva. Por fim, ao analisarmos o art. 26 relacionado ao art. 126,
observamos que a gestante que esteja enquadrada no rol supracitado pode ser isentada da pena (se possuir doença
mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado e era ao tempo da ação
ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento) ou ter sua pena reduzida
de um a dois terços (se era relativamente
incapaz de entender seus atos na época do fato). É importante destacar que,
pela corrente defendida por Bitencourt, a pena que a gestante poderia incorrer
seria a cominada no artigo 124 do Código Penal.
Bibliografia:
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte
Especial. Rio de Janeiro: Impetus, 2012
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito
Penal. Volume 2. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
GONÇALVES,
Victor Eduardo Rios. Direito Penal: Parte
Especial. São Paulo: Saraiva, 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário