A regra M’Naghten
O comportamento de psicopatas e
as agressões que eles efetivam sem que lhes seja possível imputar a
responsabilidade de seus atos, pode conduzir ao sofrimento de uma pena em
virtude dos danos causados. Peter Gay, em profundo estudo sobre os atos humanos
revela em seu livro O cultivo do ódio importantes informações sobre a mente do
agente durante a prática do ato criminoso.
No presente post vamos nos deter sobre as consequências na elaboração das
modernas teorias sobre a inimputabilidade decorrentes de um rumoroso homicídio
ocorrido em 1843, conforme a narrativa de Peter Gay:
Em 1886 foi criado o Archives
d’antropologie criminelle para facilitar o trabalho conjunto de
médicos, juristas, professores de direito criminal e magistrados. O que reunia
tais estudiosos era a questão do estado mental do réu durante o ato criminoso.
No século XVIII advogados ingleses já alegavam insanidade e médicos eram
chamados para atestar o fato. No início do século XIX especialistas e juízes
tornaram explicito o vínculo entre a medicina mental e procedimentos legais,
florescendo a aliança entre as duas profissões. Em 1811 um decreto napoleônico
atribuiu ao especialista em psiquiatria um lugar na determinação da
responsabilidade criminal. Em 1838 Isaac Ray publicou o Tratado sobre a jurisprudência médica da insanidade, obra que se
tornou uma referência.
Mas foi um julgamento e não um
tratado sobre jurisprudência que fez a diferença. Após um sensacional
assassinato em 1843, os juízes ingleses estabeleceram as muito elogiadas e
muito criticadas -– além de muito copiadas –- regras M’Naghten. Daí em diante
os estudiosos do assunto iriam usar aquele ano como marco decisivo.
As regras M’Naghten e suas
interpretações transformaram em jurisprudência moderna uma visão da natureza
humana primeiramente esboçada em Platão. A mente era encarada como um sistema
altamente vulnerável de paixões peremptórias sujeitas a controles racionais que
às vezes se rompiam, permitindo assim que os impulsos destrutivos governassem o
comportamento.
Sofrendo de delírios
persecutórios e imaginando que estava sendo seguido por espiões, M’Naghten
havia matado Edward Drummond, secretário privado do Ministro Sir Robert Peel,
acreditando que sua vítima era o Ministro. A despeito de todas as suas mórbidas
suspeitas – hoje ele seria classificado como esquizofrênico paranóide - M’Naghten não era o chamado louco varrido;
havia se comportado normalmente em seus assuntos privados e de negócios. Seus advogados impressionaram a Corte com “as
visões mais sadias e humanas a respeito da insanidade jamais ocorrida nas
investigações modernas”. O júri decidiu que os delírios de M’Naghtan eram
absolutórios e o julgaram inocente, por razões de insanidade.
A decisão deixou a Inglaterra
chocada e os juízes foram convidados a participar de uma mesa para esclarecer a
questão. A época foram definidas as chamadas Regras M’Naghten que
definiram a insanidade como a
incapacidade de distinguir o certo do errado, uma instância da perda da razão.
Essas regras persistiram e o único acréscimo consistiu na admissão do “impulso irresistível”.
Ao reconhecer o incapacidade
emocional como uma defesa, essa regra ampliou adequadamente os racionalistas
critérios aplicados a M’Naghten, permitindo aos jurados definir como inocente
um assassino que não era necessariamente desprovido de razão, mas que ficava,
em momentos críticos, inteiramente entregue a suas necessidades agressivas.
(Gay, Peter. O
cultivo do ódio. P. 158.)
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