O grau elevado de psicopatia e o tratamento penal e prisional adequado
RESUMO
Tem se tornado cada
vez mais comum e popular a forma cruenta de atuação do psicopata. Essa
publicidade de sua personalidade fria e dissocial, na maioria das vezes, são
veiculadas no cinema ou das literaturas policiais norte americanos.
Compartilhar dessa análise virtualmente é indubitavelmente instigante e
fascinador. Porém, a grande questão a ser levada neste trabalho é que assim
como é um tanto quanto tenebroso e repugnante ver o modus operandi do psicopata, ao se tornar algoz de sua vítima, é
também desolador e lastimável saber que esse psicopata receberá um tratamento
completamente inadequado, inapto e impróprio por parte do Estado. Para
visualizarmos melhor essa situação, podemos citar o estudo realizado por Hare
que mostra que 20% da população carcerária é de psicopatas com nível elevado, e
esse número é responsável por mais de 50% dos crimes graves cometidos quando
comparados aos outros presidiários. Além disso, a falta de um tratamento
prisional adequado ao psicopata gera uma dificuldade no processo de
ressocialização dos reclusos recuperáveis, tendo em vista a sua grande
capacidade de manipulação atraindo-os ainda mais à criminalidade. Queremos deixar
claro que um tanto quanto inútil e errôneo é não aplicar um tratamento
adequado, é também a um só tempo hipócrita e psicopático ao aplicar a pena de
morte. O psicopata é um sujeito que deve ter seu direito à vida respeitado e
preservado integralmente. E é por isso que chamamos ao debate à psiquiatria –
certos de que também seria inútil querer resolver com soluções jurídicas
totalitárias um problema complexo como este – que é a área habilitada para
citar o tratamento adequado como a psicoterapia e a farmacoterapia, dispensando
assim a pena de morte o que legitimaria um estado exterminador.
Palavras-Chave: Psicopata – Psiquiatria – Sistema
Carcerário.
1. INTRODUÇÃO
Tratar um
tema dessa magnitude é, antes de tudo, tratar de um diálogo entre duas
ciências: Direito Penal e Psicologia. A psicopatia tem sido um problema,
avistado desde o século passado, e que se tornou alvo de grandes investigações,
porém, nunca de forma conjunta, pelo contrário, sempre de forma
individualizada, exclusiva e restrita às ciências acima apresentadas. Por isso,
é proposta deste trabalho colocar essas áreas do saber em simetria de diálogo
“Inter científico” – e não como mera auxiliar ou subsidiária, como tem sido os
serviços prestados pela psicologia ao Direito Penal, um serviço subalterno-
para apresentar à sociedade uma devida e imediata solução, tranquilizando e
mitigando o medo crescente a se ver desprotegida por está sob um Estado omisso
aos problemas atuais. Indubitavelmente, o Brasil - mais especificamente o
direito penal e as políticas criminais -caminha por trilhas obsoletas e
retrógradas no que diz respeito aos mecanismos de controle específico e
diferenciado para esse problema e que se torna mais complexo por ter sua
eclosão considerada uma “bomba relógio”, ou seja, a qualquer momento podemos
ser vítimas ou alvos destas mentes pervertidas e perigosas.Com certeza, não
dispomos de soluções totalitárias, de uma “dose única”, mas de constantes
ajustes práticos e teóricos, que hoje se encontram escassos ou inexistentespela
desatenciosa e descuidada importância dada pelo Estado, e que já deveria ser
apontada há tempos. Esta pesquisa não traz, em hipótese alguma, a pretensão de
legitimar a atuação de um Estado cruento ou nazista (exterminador), com relação
ao psicopata. Prezamos em todo o estudo e elaboração do trabalho pelos seus
direitos fundamentais, uma vez que esses direitos são inalienáveis e
irrenunciáveis, como o direito à vida e à dignidade da pessoa humana – que
imporão limites aos excessos punitivos do direito penal.
- JUSTIFICATIVA
A iminente necessidade de um tratamento jurídico-normativo
específico ao problema da psicopatia
Apresentar um projeto que coopere de
forma eficaz no tratamento penal e prisional do psicopata, tem sido uma das
maiores dificuldades do sistema criminal contemporâneo. A importância deste
trabalho se revela antes de tudo, na valoração e na proteção não apenas da
sociedade como todo, mas também do psicopata, tendo em vista queeste continua
sendo sujeito de direito mesmo após suas terríveis atrocidades e seu vil
arrependimento. Mas antes de prosseguirmos nesse assunto que nos faz sentir
vítimas e justiceiros a um só tempo, precisamos tratar das bases desse projeto.
Desde o século XX, pôde perceber-se uma
limitação, uma incerteza, uma incapacidade de ser pleno e total em todos os
saberes dantes conhecidos. A lição de Edgar Morin não nos deixa faltar: “a maior contribuição de conhecimento do
século XX foi o conhecimento dos limites do conhecimento. A maior certeza que
nos foi dada é a da indestrutibilidade das incertezas, não somente na ação, mas
também no conhecimento”, (MORIN, 2003, p. 55).
Assim, se estivermos afinados
perceberemos de forma sutil e tênue, que essa máxima de Edgar, há muito tempo é
percebida pela ciência do direito quando reconhece a doutrina, a jurisprudência
e os costumes, além das normas, como parte integrante do ordenamento,na função
de colaborarem a regimentar as condutas sociais quando da ausência da lei.
Contudo, o problema da psicopatia que
chega para o direito e ao mesmo tempo para a psiquiatria, não podem ser
trabalhados de forma desconjuntada e fracionada. E é por isso que, para
chegarmos ao cerne do que Edgar apregoa em sua obra, precisamos nos despir
deste caráter autoritário e totalizante do direito, e permitir mais do que um
diálogo esquizofrênico, mais do que um diálogo entre a jurisprudência ou a
doutrina, é preciso um diálogo transdisciplinar:
[...] quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a
incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride,
mais progride a incapacidade de pensar a crise... Uma inteligência incapaz de
perceber o contexto e ocomplexo planetário fica cega, inconsciente e
irresponsável, (MORIN, Edgar, 2003, pp. 14,15).
É por isso que o presente projeto
cerceou-se do calor das discussões sociais e midiáticas, que aproximam seus
anseios, horrenda e destrutivamente, das soluções semelhantes as da idade
média. Acatando apenas as literaturas jurídica e médica-psiquiátrica.
Por isso enveredaremos, primeiramente,
na literatura jurídica para uma compreendermos o conceito básico de crime e
principalmente o de culpabilidade – uma partícula integrante do conceito de
delito. O código penal brasileiro não apresenta um conceito definido sobre
crime, restando para a doutrina esta missão. Portanto, o conceito dominante de
crime é o conceito analítico que implica numa cometimento de uma conduta
típica, ilícita e culpável. Como bem coloca Rogério Greco: “o crime é, certamente, um todo unitário e
indivisível. Ou o agente comete o delito (fato típico, ilícito e culpável), ou
o fato por ele praticado será considerado um indiferente penal.” (GRECO,
Rogério, parte geral, p.142). Deste conceito nos deteremos apenas à
culpabilidade, uma vez que possui ligação direta com a capacidade intelectual
de discernimento do indivíduo. Ainda sob a lição do insigne Rogério Greco,
temos que culpabilidade é:
É o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita
do agente. São elementos integrantes da culpabilidade, de acordo com a
concepção finalista por nós assumida:a) imputabilidade; b) potencial
consciência sobre a ilicitude do fato; c) exigibilidade de conduta diversa, (GRECO, Rogério, parte geral, p. 143).
É importante ressaltar, nesse contexto,
que a culpabilidade independe da aplicação da pena. Já que muitos autores
supõem que culpabilidade não integra o conceito de delito, sendo por tanto a
culpabilidade um pressuposto de aplicação da pena. Mas entendemos diversamente,
a exemplo de que o agente pode cometer um crime e na execução da pena vir a
falecer, ou o crime prescrever. Ou seja, será extinta a punibilidade, e não o
crime. Ambos são distintos.
Uma vez pontuado o que vem a ser a
capacidade – que nada mais que a desimpedida vontade e consciência do agente em
cometer determinado fato típico – passaremos para uma análise da literatura
médica-psiquiátrica sobre a capacidade do psicopata. De uma forma técnica
poderíamos definir a psicopatia ou o transtorno
de personalidade dissocial – termo usado em pesquisas internacionais – como
sendo:
Trata-se de uma incapacidade de se adaptar às normas sociais que
ordinariamente governam vários aspectos do comportamento do indivíduo
adolescente e adulto. Embora caracterizado por atos antissociais e criminosos
de forma contínua, o transtorno não é sinônimo de criminalidade,(SADOCK, Benjamin, 2007, p. 860).
Ou, segundo a Organização Mundial da
Saúde, através da CID-10, descreve técnica e cientificamente o Transtorno
antissocial ou dissocial:
Prevalece à indiferença pelos sentimentos alheios, podendo adotar
comportamento cruel; desprezo por normas e obrigações; baixa tolerância a
frustração e baixo limiar para descarga de atos violentos. Caracterizado também
por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há
um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais
estabelecidas.O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências
adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e
um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência.
Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer
racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a
entrar em conflito com a sociedade, (SAÚDE, Organização Mundial. Classificação de Tratamentos
Mentais e de Comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes
diagnósticas. 10. ed. rev. v. 1. São Paulo: Edusp, 2007, p. 351-354.).
Aqui podemos, definitivamente, perceber
que o psicopata possui um déficit em seus sentimentos, ou seja, ele tem sua
sensibilidade emocional podada, mitigada ou extinta. Constituindo um transtorno
em sua personalidade, sendo sua capacidade – de acordo com o CPB – intacta. De
fato, os psicopatas são “predadores sociais”, sentem prazer em destruir sentimentos,
sonhos e famílias, como bem adjetiva personalidade do psiquiatra, a Dra.Ana
Beatriz:
Eles podem arruinar empresas e famílias, provocar intrigas,
destruir sonhos... São pessoas frias, insensíveis, manipuladoras, perversas,
transgressoras de regras sociais, impiedosas, imorais, sem consciência e
desprovidas de sentimento de compaixão, culpa ou remorso, (BEATRIZ, Ana, 2008, p. 16).
É de salutar validade ressaltar que há
vários níveis de psicopatia: leve, moderado e grave. Contudo, por tratarmos de
soluções viáveis para o sistema prisional, escolhemos os de grau grave, pois as
medidas expostas no corpo deste trabalho destinam-se aos psicopatas que
receberam penas acima de 8 anos – o que pressupõe um crime com elevado grau de
reprovação social e de caráter hediondo. Como demonstra a Dra. Ana Beatriz, o
que vem a ser um grau grave: “Botam a mão na massa”, com métodos cruéis
sofisticados, e sentem um enorme prazer com seus atos brutais”.
Porém, tão grave quanto ter um
psicopata caçando sua próxima vítima, é ter um Estado omisso em sua função
repressiva e remediadora. Infelizmente, nossa vigente legislação favorece o
retorno rápido e efetivo do “lobo ao aprisco”, do psicopata à sociedade. As
sentenças criminais tratam o psicopata como sendo semi-imputável, aplicando,
pois uma pena reduzida de um a dois terços, segundo o art. 26, parágrafo único,
do CPB. Ou, ainda, na ingenuidade da lei, como a Lei de Execução Penal, que em
seu art. 112 – resumidamente – observa que o condenado, para que se dê a
progressão de regime, cumpra os critérios objetivo: que seria o exaurimento
temporal da pena (um sexto); e o do mérito do condenado: queseria o bom
comportamento atestado pelo diretor da penitenciária, excluindo o exame
criminológico, como bem define Bitencourt (CEZAR, Roberto Bitencourt. 2011. pp.
535 ,536 e 537). O exame criminológico – que compreende os motivos do crime, a
personalidade do a gente, entre outros - fica necessário apenas no início do
cumprimento da pena, sendo desnecessário para a progressão.
Assim, é inválida, inócua e incompetente
lançar o psicopata às misérias do cárcere; primeiro, por possuir uma
personalidade irreparável e irreconciliável; segundo, que por não ter emoções,
sua capacidade de condoer-se e arrepender-se pelo seu crime é zero, tornando
plenamente inútil a finalidade retributiva-preventiva da pena. Muitas vezes
motins e rebeliões nos presídios são coordenadas por psicopatas, que são
exímios manipuladores. Uma vez que são capazes de manipularem os próprios
psicólogos e psiquiatra, como expõe Sadock:
Os pacientes com transtorno da personalidade antissocial são
capazes de enganar até mesmo o clínico mais experiente. Na entrevista podem se
mostrar bem-compostos e confiáveis, mas, sob esse verniz (ou, para utilizar o
termo de HeryCleckley, a máscara da sanidade) [...]; (SADOCK, Benjamin, 2007, p. 860).
Fica evidente que os nossos sistemas
penal e prisional – sistema repressivo – estão sendo displicentes ao retardar e
relegar a emissão de uma resposta à sociedade, de caráter urgente, e que
compreenda e regulamente sobre a condição atual do psicopata em nossa
sociedade. Exatamente por isso, e visando a garantia do psicopata ao direito à
vida (protegido e petrificado no art. 5º, CF), é que esta pesquisa não vem
colaborar com o Estado para tornar-lhe um “Estado Psicopata” ou um “Estado
Assassino” (mais do que já é, ao faltar, conscientemente, com tantas outras
responsabilidades e deveres), mas que disponha de medidas humanistas, com a
devida colaboração da medicina psiquiátrica.
Queremos deixar claro que o psicopata
também é pessoa, é pai, mãe, filho ou filha, e ainda que não desenvolva laços
afetivos, para alguém – talvez sua família – ele possua inestimável valor como
pessoa, e aplicar-lhe uma pena capital, além de ser retrógrada e medieval, demonstra
uma solução desatualizada frente à doutrina médica-psiquiátrica, que propõedentre tantos tratamentos: identificação do Transtorno
Dissocial, através Escala de Hare – professor da Universityof British Columbia
– além de Psicoterapias e Farmacoterapia.
Creio que a garantia do direito à vida,
disposto no art. 5 CF/88, não se restringe apenas às obrigações básicas do
Estado, como saúde, alimentação entre outros. Mas efetivar medidas adequadas,
como propõe o tema deste projeto,é forçar-se à regulamentação de questões em
que a nossa vida está indiretamente ameaçada. Permitir o mesmo tratamento
prisional e penal ao psicopata é por com certeza a nossa vida e segurança em
ameaça e perigo.
Podemos arrematar essa exposição
teórica com a célebre frase – que, sem dúvidas, resume toda a necessidade de um
tratamento diferenciado ao psicopata – do jurista recifense Esmeraldino Olímpio
Torres Bandeira: “Não há de mais
profundamente desigual do que a igualdade de tratamento entre indivíduos
diferentes”.
CONCLUSÃO
Como
ficou evidente durante nossa exposição, o urgente e árduo trabalho de promover
um tratamento legal e, consequentemente, prisional para o psicopata, exige a
reunião de esforços das áreas política, jurídica e médica. Tal necessidade se
dá, como vimos, pela complexidade da própria situação do psicopata.
Dessa forma, através do diálogo
intercientífico, é proposto a executação do tratamento com técnicas aprimoradas
e inovadoras abarcadas pela mais atualizada literatura médica-psiquiátrica,
como a escala de Robert Hare, a psicoterapia e a farmacoterapia. Além de
medidas como impulsionar os psicopatas ao estudo, trabalho e atividades
científicas, tendo em vista o aproveitamento da sua avantajada capacidade
intelectuais. Tendo em vista, sempre, que mesmo os psicopatas de grau mais
elevado continuam sendo sujeitos de direitos e garantias fundamentais e por
isso não prescindem de um tratamento desumano e hostil.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado
de direito penal: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
BRASIL. Código penal
brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
BRASIL. Constituição
Federal (1988). 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
BRASIL. Lei de execução
penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
GRECO, Rogério. Curso de
direito penal: parte geral. 14. ed. rev. atual. eampl. Rio de Janeiro:
Impetus, 2003.
MORIN, Edgar. A Cabeça bem
feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8. ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2003.
SADOCK, Benjamin J; SADOCK, Virginia A. Compêndio de psiquiatria: ciência do comportamento e psiquiatria
clínica. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
SAÚDE, Organização Mundial. Classificação
de Tratamentos Mentais e de Comportamento da CID-10: descrições clínicas e
diretrizes diagnósticas. 10. ed. rev. v. 1. São Paulo: Edusp, 2007.
SILVA, Ana Beatriz B. Mentes
perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Fontanar, 2008.