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sábado, 17 de fevereiro de 2018

Suicídio


O direito de se fazer morrer
 A questão foi posta por Léo Rosa.  O que vc acha?
Publicado por Léo Rosa - 
Terei eu o direito de morrer? Não penso que se possa conceber a negação deste direito a quem quer que seja. Mas, apesar de parecer óbvio o direito de morte, o tema é cercado de tal forma que o direito de morrer não é algo tão pacífico como parece. Quero dizer, se tenho o direito de morrer, tenho, pois, o direito de providenciar a minha própria morte? Não, não o tenho. Ainda que eu não seja punido pela providência, não o tenho, pelo menos segundo a legislação brasileira.
Certos princípios e institutos são considerados fundamentais à possibilidade de existência digna do indivíduo na nossa sociedade. São os chamados direitos da personalidade. São direitos da ordem privada. Tais direitos estão previstos no artigo da Constituição Federal e nos artigos 11 a 21 do Código Civil


Sobre eu poder dar cabo da minha vida? Algo está previsto? Pode parecer que não, mas, sim, absurdamente, há previsão legal a respeito do assunto, e a previsão é em detrimento da minha liberdade de decidir. Código Civil, Capítulo II, Artigo 13: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.”

"Amar não é obrigação, mas respeitar é", afirmou juiz


Homem é condenado a pagar indenização para a ex-esposa por traição


Fonte: TJGO

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Um homem que traiu a esposa foi condenado a indenizá-la por danos morais no valor de R$ 15 mil. A decisão é do juiz de Direito substituto Rodrigo Foureaux, da 2ª vara Cível de Niquelândia/GO.

De acordo com os autos, em 2001, o casal se casou civilmente em regime de comunhão parcial de bens, mas se separou em 2013. A esposa entrou com o pedido de divórcio, alegando um constante caso extraconjugal do marido que impossibilitou a continuidade da vida em comum.

A autora também requereu, dentre outras coisas, o pagamento de indenização por danos morais, já que a suposta infidelidade do marido expôs ela e seus filhos de forma vexatória. Em sua defesa, o réu afirmou não haver provas dos danos materiais e morais alegados pela autora.

Ao analisar o pedido de divórcio, o juiz afirmou que "ainda que se considere que a traição não gere dano moral presumido", admite-se, ao menos em tese "o dever de indenizar para casos em que as consequências de tal ato extrapolem a seara do descumprimento de deveres conjugais, para infligir no outro cônjuge, ou companheiro, situação excepcionalmente vexatória, verificado verdadeiro escárnio que advém da publicidade do ato e que altera substancialmente as condições de convívio do meio social".

Ao levar em conta que a fidelidade recíproca, o respeito e a consideração mútuos são deveres a serem respeitados pelos cônjuges, o juiz condenou o homem ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil à mulher, e deu provimento ao pedido de divórcio.

"O direito não pode obrigar ninguém a gostar de ninguém. Amar não é obrigação, mas respeitar é!"

Além disso, o magistrado também acatou o pedido da mulher em relação ao aluguel do imóvel em que o casal vivia, que havia sido adquirido de forma conjunta, e condenou o homem ao pagamento mensal de R$ 394 à autora, valor correspondente à metade do aluguel da residência na qual o réu morou sozinho após a separação.

"Em se tratando de dano moral é de se ressaltar que os prejuízos não são de ordem patrimonial, uma vez que se trata de uma lesão que não afeta o patrimônio econômico, e sim a mente, a reputação da autora, a sua dignidade e honra, não havendo reparação de prejuízo, e sim, uma compensação, da dor e humilhação.



Mulher contrata homem para matá-la




Mulher ingressa com ação de nulidade de negócio jurídico contra homem que contratou para matá-la

(Texto publicado originariamente  em Migalhas.com.br.A sentença está abaixo.)
 Publicado por Flávio Tartuce
Uma mulher em quadro depressivo contratou um homem para matá-la, mas ele não cumpriu o trato. Pelo descumprimento do pacto, ela requereu na Justiça a nulidade do negócio jurídico. O pedido, no entanto, foi julgadoimprocedente pelo juiz de Direito José Roberto Moraes Marques, da 4ª vara Cível do Taguatinga/DF.

A autora alega que desenvolveu quadro depressivo-ansioso crônico, com aspecto suicida, comprometendo-se sua capacidade de trabalho. Sem conseguir cometer suicídio, procurou alguém que pudesse tira-lhe a vida, vindo a encontrar o réu.
Para realizar o serviço, o réu exigiu pagamento, levando um carro e outros diversos produtos. Porém, após receber o veículo automotor e a procuração, desapareceu. A mulher, então, recorreu à Justiça pleiteando a nulidade do negócio jurídico.
Na decisão, o magistrado ressaltou que são anuláveis os negócios em desacordo com o verdadeiro querer do agente (vícios de consentimento), celebrados por pessoa absolutamente incapaz, ou quando for ilícito, impossível ou indeterminado o seu objeto, entre outros.
No caso, embora o pedido seja fundamentado no estado de enfermidade da autora "em consentir com a alienação do veículo automotor ao réu, sob a promessa de que este, a pedido daquela, matá-la-ia", o juiz entendeu que "não ficou demonstrado a eiva do negócio jurídico a demandar, seja sua nulidade, seja a sua anulabilidade".

"Com efeito, o depoimento prestado pela parte autora não foi firme nesse sentido, apresentando-se, em alguns momentos, contradições, quando ao pacto macabro. A testemunha ouvida, embora discursasse sobre o estado de saúde da parte autora, não visualizou o negócio jurídico nem presenciou elementos a ele circunstanciais."

O magistrado afirmou ainda que na procuração consta estipulação de preço e cláusula de irrevogabilidade, "o que deixa entrever, no momento de sua confecção, nenhum mal que acometesse a autora que inviabilizasse de manifestar vontade frente ao tabelionato público".

Processo: 0011150-63.2015.8.07.0007

Veja a decisão.

Fonte: Migalh

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Vida: Valor fundamental


121 § 1º

Vida: valor fundamental

“A vida humana constitui o centro dos valores constitucionais protegidos.”

Na CF o art. 5º, caput, considera inicialmente o direito à vida.

O Pacto de San José da Costa Rica afirma no seu art. 1º:
“Toda pessoa tem o direito de que se respeite a sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser arbitrariamente privado de sua vida.”

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos em 1992 cujo art. 6 diz ser:
 “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”. (Decreto nº 592 de 06.10.1992)

Conforme ANIBAL BRUNO Crime é o que a lei diz que é.

Objetivo do Direito Penal:
A) definir comportamentos;
b) definir quem realizou o comportamento;
c) definir as penas.

Na apreciação do comportamento do agente o Código Penal especifica em seu Art. 59 que o juiz leve em consideração, entre outras circunstâncias, à culpabilidade, os motivos, o comportamento da vítima. Todos esses fatos podem esclarecer as razões  ou os impulsos determinantes do crime, esclarecendo quanto ao nível de egoísmo imperante no agir do sujeito ativo assim como a  sua menor  ou  maior  responsabilidade, além de clarificar quanto representa ele como potencial lesivo.

A eliminação da vida humana pode ter sua origem em causas nobres ou motivos que encontrem certa simpatia e até tolerância social, com base nos princípios normalmente aceitos pela cultura do grupo. Esses princípios transformam-se em circunstâncias que obrigatoriamente atenuam a aplicação da pena, conforme o Art. 65 III “a”, para todos os delitos.

Como lembra o Prof. Paulo Costa “o valor social e moral, que deverá ser relevante, há de ser considerado objetivamente, segundo os padrões da sociedade e não conforme o entendimento pessoal do agente.[1] 

Afastada, portanto a satisfação de motivos egoísticos como motivadores, resta a reprovabilidade que sempre cai sobre o comportamento homicida. Contudo face ao § 1º do art 121 esta reprovabilidade é mitigada, como se verifica pela diminuição da pena de um sexto a um terço. É claro que verificada a existência do privilégio não há como se pretender considerar a aplicação da atenuante do art. 65, pois a lei especial derroga a geral.
  

1 – Circunstâncias e qualificadoras

O art. 61 do CP define as circunstâncias que “sempre agravam quando não qualificam o crime”. Algumas delas dizem respeito a comportamentos que a sociedade considera mais reprováveis, razão suficiente para serem selecionadas como as que exigem uma maior reprimenda por parte do Direito Penal que as considera como qualificadoras do homicídio.

Na realidade o Direito Penal assim o faz por atender o imperativo de ordem moral, cuja função prática é tornar a sociedade possível, estabelecendo princípios para tornar concebível a vida em conjunto sem muitos prejuízos ou conflitos. A moral procura dar garantias aos grandes interesses coletivos. (Durkhein, Ética e sociologia da moral Landy Ed.2006.p.25.).

As infrações mais graves à lei moral serão – como percebia Durkhein - igualmente consideradas como as mais graves à lei penal. A sociedade define então, como mais preocupante e causadores dos maiores danos o homicídio, o roubo, o atentado ao pudor, o estupro de vulnerável etc. 

O terreno da moral não é, necessariamente, o mesmo da lei penal. Há atos  morais que são punidos ou desaconselhados e atos imorais que não o são (o incesto praticado entre adultos, o incentivo a autoflagelação, ainda existente como forma religiosa de expiação dos pecados em algumas regiões do país).

Maquiavel em O Príncipe já dizia que existe uma moral cristã, cujo objetivo é conduzir as almas a seu destino celestial e outra de cunho estatal, cujo objetivo principal é assegurar a permanência do Estado, e com isso a ordem coletiva. A moral do Estado – lembrava, como explicitava Maquiavel – não pode ser confundida com a moral religiosa. Cada uma tem seu objetivo próprio. O italiano na verdade não fez mais que repedir uma afirmativa do próprio Cristo: “Dai a César o que é de Cesar e a Deus o que lhe pertence”, como consta do texto bíblico.

A criminalidade nasce dos conflitos de interesses que só existem entre os indivíduos componentes de uma sociedade. O homem é social na sua origem e frequentemente vai contra os interesses favoráveis a melhores condições de convivência social nos efeitos do seu comportamento.

O ser humano, em razão de agir sob a lógica de sua inteligência, aliada a um raciocínio especulativo voltado a obtenção dos seus desejos, uma vez que seja contrariado, ou não recebendo a atenção e dotes necessários para o seu desenvolvimento harmônico e não encontrando nos seus semelhantes o tratamento necessário ou ansiado, pode ser transformado no mais violento e perigoso dos animais.

De conformidade com a Psicologia Criminal o delinquente é dotado de um egoísmo ilimitado, um impulso violento e destruidor, além de se constatar a fragilidade ou ausência de sentimentos afetivos. Em suma, o criminoso é aquele que não sabe resolver os conflitos entre o seu ego (o inconsciente) e o seu superego (a consciência).

A ordem social que precede o seu nascimento não vem das leis da natureza. Ela existe como produto da ação do homem e frequentemente cria desejos de poder e riqueza que não são coerentes com os princípios de equidade e paz social.








Homicídio privilegiado

Caso de diminuição de pena

O crime de homicídio pode apresentar nuances que particularizam a sua prática. São circunstâncias que quantificam a sanção, e que deixam claro a sua característica de acidentais ao delito.
Em razão de seu objetivo é conhecido como homicídio privilegiado, uma vez que definindo circunstancias acidentais – previstas especialmente para o crime – fazem reduzir a reprovabilidade do delito, mitigando ou abrandando a pena cominada ao tipo básico.

O § 1º considera as circunstâncias que, provocadas por motivo de relevante valor social ou moral ou determinadas quando o agente se encontra sob o domínio de violenta emoção que haja irrompido logo após injusta provocação da vítima.
Vê-se claramente que o interesse do § 1º está voltado a motivação do agente ativo. O que se entende por motivo? Ele é visto como o antecedente psíquico da ação. É a pulsão que põe em ação o querer subjetivo e o cristaliza em ação
.
Motivo é a razão de agir.

É a força que traz para o mundo real o desejo, o que dispara a concretização do ato.
 Desde os tempos que antecederam a segunda guerra (1940) se tem dito que é através da motivação do delito que se pode delinear a personalidade do criminoso e identificar a sua maior ou menor antissociabilidade. É, portanto, com tal visão que devemos ler o § 1º do art. 121.
É, portanto, com tal visão que devemos ler o § 1º do art. 121.

Desde os tempos que antecederam a segunda guerra (1940) se tem dito que é através da motivação do delito que se pode delinear a personalidade do criminoso e identificar a sua maior ou menor antissociabilidade.

 Isso foi dito por Nélson Hungria, em uma sociedade que vivenciava os parâmetros da metade do século XX, acossada por um conflito militar mundial onde as ações estavam justificadas ou condenadas por terem sido praticadas por um dos integrantes do eixo (Alemanha, Itália, Japão etc.) ou por um membro do ocidente (USA, França, Inglaterra, etc.). Era a repetição dos autos de Gil Vicente: o mal lutando contra o bem.

Isso tudo me faz recordar uma frase atribuída a um soldado homossexual, quando ele apresentava uma cruel situação: a de que na guerra fora agraciado com uma medalha de honra por haver matado dois homens em batalha e que depois foi preso por amar um.










Homicídio privilegiado – definição
O homicídio privilegiado é aquele em que o agente causa a destruição da vida de outrem, impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.

Requisitos básicos

Autor comete o fato por motivo de relevante valor social;
Se o homem tem de viver ao lado de outras pessoas ele acaba desenvolvendo os valores que norteiam seus contatos com os demais seres humanos. Todos nós temos esses valores. Eles na realidade pautam minhas ações e escolhas quanto à vida em comum e com quem nos relacionamos.
Respeito ao próximo, defesa dos direitos humanos são valores sociais que devemos preservar. Esses valores podem ser ofendidos, e acabam justificando a prática de um homicídio.
Os valores morais estão no foro íntimo. Se atingirem o exterior devemos pensar em valores sociais.
Relevante valor social: o traidor da pátria de Nélson Hungria. Matar o traficante no morro carioca, conforme Moura Teles.

Ocorre o motivo de relevante valor social quando exigível pela valorização de uma sinalização para os comportamentos sociais. Na verdade não se trata apenas de parâmetros para agir em sociedade e sim limites determinantes para a obtenção e manutenção da ordem social, dada a sua importância. Assim deve ser considerado tendo-se em conta os objetivos da coletividade, estando de conformidade com a consciência ético-social. Estamos longe do traidor da pátria de Nélson Hungria. Hoje é mais próprio falar-se em Fuente Ovejuna de Lope de Vega. Na clássica peça espanhola alguém do povo mata um despótico membro da nobreza, constante violador dos costumes mais respeitados pela população da vila de Fuente Ovejuna.  Quando El Rey determina que o assassino seja preso e sofra a pena capital toda a população recusou-se a revelar seu nome ao mesmo tempo em que respondia que o justiceiro era Fuente Ovejuna.

O Prof. Moura Teles ao levantar diversas questões sobre a possibilidade de aplicação do § 1º do art. 121 do CP chega ao ponto de admitir a ação de um cidadão que revoltado com o poderio do tráfico nos morros cariocas, resolva matar o chefe dos meliantes, dada a inoperância do aparato policial. Faltou pouco para elogiar Thoreau, que em 1848 advogou a desobediência civil.

Autor comete o fato por relevante valor moral;
Todos nós escolhemos determinados valores intrínsecos, subjetivos, para nortear nossa vida. O homem não pode viver fora da sociedade.  Na vida social o homem sempre reforça certos valores que ele escolhe, estando ou não em contato com outros homens.

Para alguns o valor máximo é a família. Família célula mater da sociedade. Obs: hoje muitos educadores dizem que a família não é algo natural. Os trabalhos de Engels (Origem da Família Propriedade privada e do Estado) explicam como teria se originado cada um deles e consideram a família como uma necessidade econômica. Os trabalhos de Elizabeth Badington (Um amor reconquistado) insistem no fato de que para ela a mãe não ama o filho. Ela se acostuma com ele, o grupo social exige que ela seja o padrão esperado de mãe, aquela que alimenta, veste, protege, educa. Com o tempo ela assume o papel de mãe devota que sofre no paraíso da maternidade. Na realidade, como diz um amigo meu, filho é muito bom. Só tem um defeito: dura demais.

Outro valor clássico: o trabalho.  Para outros a formação acadêmica é o valor.
 Todos findam por selecionar algum valor que ele considera o mais importante. Esse valor é o mais relevante para essa pessoa, e para ela, ocorra o que ocorrer, tudo pode ser questionado, até agredido, menos esse valor, que pode ser a família ou fé religiosa. O problema real é que estamos vendo surgir agora como valor absoluto para alguns o time de futebol. Qualquer que seja ele (religião, p. ex.) acabará influenciando comportamentos, ações, escolhas...   É o valor moral.
O crime de homicídio pode ser considerado em relação ao § 1º (relevante valor moral) quando o agente se sentir ultrajado (sua motivação) com referência a esse valor que para ele é primordial. Intimamente se sentiu abalado nos seus valores pessoais.  No caso da família: se a vítima de forma acintosa agredir minha mãe, um filho menor. Essa agressão atinge um bem que é para o agente é íntimo, é precioso.  Isso pode motivar o agente à prática do crime. No caso ele está agindo em defesa de seus valores.

É comum a afirmativa de que alguém age sob a pressão de relevante valor moral quando mata o estuprador da filha menor, assim como o marido traído que mata a mulher. Sabe-se que a cultura local determina a força de certos valores, contudo perece mais acertado buscar um exemplo legal que não esteja tão a mercê de debates.

A chamada legítima defesa da honra ou vingança pessoal não se harmoniza com o respeito à lei que exige do pai da ofendida não acrescentar mais um crime àquele já praticado com uma ilegal vingança privada.




O STJ e a legítima defesa da honra

Superior Tribunal de Justiça
ACÓRDÃO: RESP 1517/PR (198900121600)
E M E N T A  Recurso Especial. Tribunal do Júri. Duplo homicidio praticado pelo marido que surpreende sua esposa em flagrante adultério. Hipótese em que não se configura legitima defesa da honra. Decisão que se anula por manifesta contrariedade a prova dos autos (art. 593, paragrafo 3., do CPP).

Não há ofensa a honra do marido pelo adultério da esposa, desde que não existe essa honra conjugal. Ela é pessoal, própria de  cada um dos cônjuges.  O marido, que mata sua mulher para conservar um falso crédito, na verdade, age em momento de transtorno mental transitório, de acordo com a lição de Gimenez de Asua (El criminalista, Ed. Zavalia, B. Aires, 1960, T. IV, p. 34), desde que não se comprove ato de deliberada vingança.

O adultério não coloca o marido ofendido em estado de legitima defesa, pela sua incompatibilidade com os requisitos do art. 25, do Código Penal.
A prova dos autos conduz a autoria e a materialidade do duplo homicídio (mulher e amante), não a pretendida legitimidade da ação delituosa do marido. A lei civil aponta os caminhos da separação e do divorcio. Nada justifica matar a mulher que, ao adulterar, não preservou a sua própria honra.

Nesta fase do processo, não se ha de falar em ofensa a soberania do Júri, desde que os seus veredictos só se tornam invioláveis, quando não ha mais possibilidade de apelação. Não e o caso dos autos, submetidos, ainda, a regra do artigo 593, paragrafo 3., do CPP.
Recurso provido para cassar a decisão do Júri e o acordão recorrido, para sujeitar o réu a novo julgamento.





Tribunal de Justiça do Paraná

Legítima defesa da honra
Decisão: acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento a apelação.

EMENTA: crime contra a vida. Homicídio privilegiado. Conceito de honra. Convívio marital. - A decisão do Conselho de Sentença, consentânea com a confissão do réu, reconhecendo o homicídio privilegiado e rejeitando a tese da legitima defesa, ajusta-se ao entendimento  no sentido  de que, o  conceito de  honra, por ser eminentemente  pessoal, não se coaduna com o ato de infidelidade da companheira, nem  confere  ao varão  o direito de  ceifar-lhe  a  vida,  ainda  que  a  eclosão  da violência, decorrente  do  descontrole  emocional, possa  minorar a reprovabilidade  da  conduta. - Apelação improvida.





O adultério da esposa e a legítima defesa da honra

O conceito de “homicídio atenuado”, estabelecido no Direito Romano, literalmente serviu como ponto de apoio e orientação sobre qual a atitude a ser tomada por um marido em caso de adultério da esposa.  Em face da difficilimum justum dolori tornava-se compreensível  –  e perdoável  -  o assassinato da mesma.  O comportamento foi sendo repetido e, por sempre encontrar essa condescendência por parte da sociedade, tornou-se exigível. É o que se vê, em nossos dias, em processo crime de homicídio, narrado por Mariza Corrêa em seu livro “Morte em Família” (pág. 128 – Ed. Graal, 1983), ao reproduzir parte das alegações do advogado de defesa:

 “Que maior injúria poderá sofrer o marido brioso, e bem adequado aos valores morais de seu agrupamento social, do que ser, cara a cara, apontado com o apodo de ‘corno manso’.  Que a mulher se degrade pelo adultério, não se há de recusar o óbvio. Mas negar que o marido não sofra, em razão direta do mal comportamento do cônjuge, o desprezo de seus pares, traduzido em aviltante piedade ou escárnio – tudo isso a lhe macular profundamente a honra – é desconhecer profundamente a honra – é desconhecer aberrantemente a realidade social...Por que, assim submeter às imensas agruras de um novo e inútil  julgamento, um operário exemplar, pai de família, trabalhador incansável, probo e religioso...”

Submeter o réu as imensas agruras de um julgamento, só porque matou a esposa?
Essa lógica da defesa só é apresentada com tal simplicidade por se tratar de um comportamento aceito - e esperado - em nome da “legítima defesa da honra”. 
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, manifestando-se sobre o citado processo bem delimitou a questão:
“ O apelado, na  realidade, livrou-se de uma esposa impertinente, geniosa e infiel, mas seguramente o meio escolhido não pode ser definido como jurídico.  A aceitar-se a ingênua generalização da defesa, todo marido de mulher adúltera, ou mesmo que durante uma discussão tivesse os seus melindres feridos por referências aos seus ornamentos capilares, teria o direito de sacrificar a esposa, como um inseto que nos perturba o sono...”







O domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.

A doutrina tem se referido a presente hipótese como um ímpeto de ira ou justa dor, situação que ocorreria em casos de adultério ou morte dada ao ladrão. Na verdade os autores buscaram referência ou inspiração no antigo Direito Romano que na verdade era muito melhor no civil. A parte penal estava mais voltada a assegurar os direitos do pater, principalmente quanto à propriedade e sua posição inconteste de chefe e dono da família.

A história nos mostra que eles não eram muito voltados a questões que hoje tomam um aspecto mais importante, com o a fidelidade matrimonial em si, e sim com referência a possibilidade de sangue estranho herdar parte dos bens.

O homicídio do escravo podia ser determinado pelo pater ao seu querer, ou a determinação para que ele praticasse o suicídio. Ação que o cidadão romano também atendia em caso de dívidas não honradas, desonra ou perda de intimidade com o poder. Mas como as aparências sempre devem ser guardadas em qualquer sociedade, daí o aforismo de que “a mulher de César deve sempre parecer honesta”, sempre foram guardadas as conveniências embora as ações nem sempre fossem convenientes.

A lei romana entendia e justificava o assassinato da mulher ou de seu amante, se descobertos. A cobertura legal vinha da Lex Júlia de Adulterio, e foi assegurado não ao marido, mas ao pater família a execução do amante. A Lex Cornélia de Sicarii, existente na ocasião  esclarecia que o marido através do pater,  “sob justum et dificilimum dolere” poderia matar o ofensor ao lar.

Vale lembrar que, sob inspiração romana, até muito pouco tempo, a vítima no crime de rapto para casamento previsto na lei brasileira, tinha como sujeito passivo o pai. E ainda no Brasil o crime de estupro de mulher casada tinha como vítima o marido.

A violenta emoção não pode ser resultado de ato colérico. O entendimento é de que só é possível alegar este requisito se a emoção for intensa, incontrolável, mas não pura explosão de ódio, o que corresponde a um estado psicopatológico breve. Temos um estímulo bastante forte, mas que não pode turvar pesadamente a consciência, permitindo a aplicação do art. 26. A violenta emoção esta situada entre os parâmetros da art 26 e do art. 28 do CP.

Vamos distinguir:

ira (intenso sentimento de ódio, de rancor, dirigido a uma ou mais pessoas em razão de alguma ofensa, insulto etc., ou rancor generalizado em função de alguma situação injuriante; fúria, cólera, indignação) que é distinta de

emoção (agitação de sentimentos; abalo afetivo ou moral; turbação, comoção, ou na via da psicologia, reação orgânica de intensidade e duração variáveis, ger. acompanhada de alterações respiratórias, circulatórias etc. e de grande excitação mental).

violenta traduzida pela realização de atos transtornados que o agente não cometeria em seu estado normal.  

Não confundir “estar submetido a uma emoção” com “estar sob o domínio de violenta emoção”. O estar submetido a uma emoção não retira a responsabilidade penal  Art 28.

Agir sob “paixão” age sob a influência de algo pré-existente. Não pode ser atribuída a uma reação do momento. Não é só a paixão erótica. É qualquer sentimento, que você já possui.

Age por “emoção” quem se encontra em um estado de espírito momentâneo. Uma ação pode criar uma emoção. (Sob ofensa ou outra qualquer) Se você agredir o ofensor o fez sob a emoção do momento.

 O art. 28 quer dizer que a pessoa deve ser capaz de viver com suas emoções ou paixões.

O domínio de violenta emoção é um transtorno tão sério ou relevante que o induz a não refletir no tocante a sua conduta. Ele priva o homem do bom senso e o afasta da razoabilidade que o homem deve ter no dia. Ele não está somente transtornado. Ele está muito alterado com as circunstâncias.

Não basta só existir o domínio sob violenta emoção logo em seguida a injusta provocação. Qual o lapso de tempo? Não vale definir de acordo com as marcas do relógio. O relógio é mecânico. O homem é humano. Enquanto perdurar a situação emocional, nada ocorreu de arrefecimento entre a emoção e o crime.

O 121 § 1º é caso de redução de pena, é minorante.

Como se trata de causa de redução de culpabilidade e não elementos do tipo, em caso de concurso de pessoas tais circunstâncias não se comunicam.

A doutrina tem apresentado uma questão importante: A violenta emoção pode ser desencadeada por motivos éticos? Não é aconselhável que se aceite tal critério, pois este critério é subjetivo e está a mercê da formação religiosa, educação, exemplos obtidos através da observação da ação paterna quando criança, etc.

O mais lógico é que seja considerada como mola propulsora uma violação jurídica. O estimulo deve ser externo, pois um estado emotivo pode existir sem suporte na realidade, estabelecendo na mente do agente uma falsa percepção que para ele é realidade. É o caso de sentimentos como ciúme, medo, insegurança.

Vale lembrar Shakespeare em Otelo. O mouro, casado com Desdemona, é consumido por ciúmes infundados. Um personagem, amigo de Otelo (determinados personagens são na literatura clássica a representação da consciência – inteligência - que sempre é crítica) diz na peça:

“Meu senhor, livrai-vos do ciúme!
  É um monstro de olhos verdes, que escarnece
  do próprio pasto em que se alimenta.
  Que felizardo é o corno
  que, cônscio de que o é, não ama a sua infiel!
  Mas que torturas infernais padece
  o que, amando, duvida, e, suspeitando, adora!”
   Otelo, Ato 3

É injusta a provocação dirigida e quem a sofre não se encontre jurídica ou legalmente obrigado a suportá-la. Não realiza uma injusta provocação o oficial de justiça que procede um despejo ou o meirinho que providencia o afastamento do lar de um filho ou marido que pelo seu comportamento recebeu a determinação judicial de sair da casa da mãe ou residência do casal não realiza injusta agressão.

logo em seguida (tempo):
Não se pode considerar o logo em seguida sob uma ótica física do tempo pré- estabelecido. É bem assentado o entendimento de que a reação deve ocorrer enquanto perdurar a resposta emocional imediata, deixando esta de ser considerada para aplicação do § 1º se houve intervalo para que o agente demonstre capacidade de reflexão ou de autocontrole, verificáveis se entre a provocação e ação. Se ele foi capaz de intercalar outros comportamentos, ainda que simples como falar sobre vários assuntos com terceiros, realizar atos diversos como esperar em uma fila de elevador ou caminhar pelas ruas de forma calma nas calçadas a possível emoção já não é tão violenta. O cruzar ruas obedecendo aos sinais e faixas designativas para os pedestres, por exemplo, é demonstrativo de que ela já se dissipou e já há espaço para arquitetar atos de vingança. É lógico o entendimento de que a não reação em sequência a ofensa não foi forte o suficiente para transtornar o seu raciocínio.
A determinação da reação aceitável está na distinção entre o estado emotivo  e a premeditação.

Ver:

“Para que ocorra o homicídio privilegiado a emoção deve ser intensa, o que se infere do comportamento do agente, antes, durante ou após a ação. É necessário, também, que a reação se exerça incontinenti e não ex-intervallo. Daí dizer o texto legal: “logo em seguida à injusta provocação da vítima” (TJ-SP).    


Injusta provocação
A provocação da vítima deve ser injusta. Isto é, sem motivo justo, plausível, moral, antijurídica, de forma a gerar uma justa repulsa.
Veja-se que injusta provocação (art. 121 § 1º) é diferente de injusta agressão (art.24 CP – Legítima defesa)

O juiz deve reduzir a pena
A discussão é antiga. Trata-se de uma faculdade (escolha livre por parte do Juiz) ou existe a obrigatoriedade de redução?
A resposta é simples: a redução é obrigatória, porque o Juiz está limitado a decisão do Júri. Uma vez preenchidos os requisitos legais é dever do Juiz reduzir a pena, dentro dos limites determinados por lei.



Súmula STJ 231 : “A incidência de atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo.”


É interessante pensar na hipótese de que seja fixada a pena base no mínimo e reconhecida a atenuante da confissão espontânea (art. 65 III CP). No caso é rigor a sua incidência, mesmo que resulte abaixo do mínimo legal, pois o preceito legal tem comando imperativo, estabelecendo que as circunstâncias atenuantes sempre reduzem a pena,













[1] Paulo Costa, in Comentários ao C.Penal, Vol II pg 7, Saraiva

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Erich Fromm

 Diferentes formas de agressão

Deparamo-nos no dia-a-dia com uma série de manifestações de agressões. É necessário que se entenda que algumas delas são necessárias à sobrevivência do ser humano e outras permitem os indispensáveis ajustes para a manutenção do equilíbrio social. Essas diferentes formas de violência foram percebidas por Erich Fromm. (Erich Fromm, O coração do homem, Zahar Editores.)

I - VIOLÊNCIA RECREATIVA

Sua abordagem, baseada nas motivações inconscientes, continua merecendo atenção. Para ele, a violência recreativa é uma forma não patológica e pode ser observada nas atividades onde ela é exercida com o fim de exibir perícia e não de provocar destruição. Na hipótese não existe ódio ou destrutividade em sua motivação. O tipo se faz presente nos jogos guerreiros em tribos, nas artes marciais ou competições esportivas onde o emprego da força se faz necessário para a vitória ou até em jogos eletrônicos.

II - VIOLÊNCIA REATIVA

A violência reativa, com suas raízes no medo (real ou imaginário, consciente ou não), é uma forma mais frequente. É empregada na defesa da vida, liberdade, propriedade ou dignidade. Por objetivar preservar e não destruir, suas consequências morais e legais são admitidas como aceitáveis, sob o nome de legítima defesa, mesmo que ocorra perda de outra vida.

III - VIOLÊNCIA POR FRUSTRAÇÃO

A violência por frustração é um tipo da violência reativa exercitada por animais, crianças e homens. Surge quando um desejo ou necessidade não atinge o seu objeto ou não se integraliza. Nessa categoria está a hostilidade nascida da inveja ou ciúme. Deve-se observar que o ciúme sempre foi considerado um sentimento capaz de deflagrar as mais violentas reações, conforme se verifica até no Livro do Êxodo onde se encontra o verbo hebraico qana, usualmente traduzido por “ciumento”. É interessante notar, contudo, que os mais recentes estudos demonstram que qana possui o sentido primitivo de “ser incandescente, arder, flamejar”. As traduções desse verbo para o árabe resultam em “tornar-se muito vermelho”, “provocar irritação, inveja, ciúme”. Qina tem o sentido primeiro de “paixão ou violenta excitação”. Qina pode tornar-se, contudo “inimizade” ou “ódio”. Curiosa à percepção da sequência de sensações: qana parte de “ser incandescente, arder”, transformando-se em “tornar-se muito vermelho”, “ciúme” e concluindo em qina, “inimizade” ou “ódio”. (André Chouraqui, A Bíblia - Êxodo, pág. 245, Imago Editora.)

IV - VIOLÊNCIA VINGATIVA

Conduzindo suas observações para a proximidade do patológico, Fromm considera a violência vingativa, cuja prática representa um desejo e possui a função fantasiosa de desfazer magicamente o que foi feito na realidade. Essa violência curiosamente se faz presente tanto em grupos primitivos quanto em sociedades civilizadas. Por independer do grau de desenvolvimento de um povo, pode-se considerar que ela faz parte da própria natureza humana. Observa Fromm ser mais forte a sua manifestação na ordem indireta da autoestima e produtividade e na ordem direta do empobrecimento econômico e cultural. Suas manifestações são sentidas a partir do desmoronamento da fé que ocorre em uma criança pela quebra da imagem positiva que faz dos pais, da família, dos amigos, religião e até no adulto que, ludibriado e desapontado, torna-se um elemento cínico e destruidor. Alimenta então o desejo de provar que a maldade impera e que os homens, a vida e ele próprio são igualmente maus. Por não tolerar mais o desapontamento, leva com isso o ódio à vida.

V - VIOLÊNCIA COMPENSATÓRIA

Já a violência compensatória é uma forma claramente patológica. Ela é empregada como um processo substitutivo da atividade do agente que se descobre impotente perante a vida. O homem que se vê incapaz de tornar realidade seus desejos e toma consciência de ter se transformado em um simples objeto e joguete das circunstâncias. Em virtude de sua debilidade não é capaz de cumprir o papel de elemento criador ou transformador e se ressente de sua situação. Por não possuir as qualidades necessárias para criar a vida faz a opção por destruí-la, por ser este o caminho mais fácil, bastando-lhe para tanto a vontade viciada, que já possui, ou de uma arma. Compensa seu fracasso destruindo ou desorganizando a vida, nos outros ou em si próprio.

Muito se tem dito sobre ser o problema da manifestação de violência por parte do homem muito mais biológico que psicológico. Algumas pessoas nasceriam com falhas na estrutura do caráter e apresentariam características biológicas voltadas para a agressividade e desconhecendo as sensações de afetividade. Teriam uma natureza mórbida, nascendo geneticamente mal formadas e agindo por instinto.

Um criminoso dessa qualidade é um psicopata perverso. Já nasce com uma destinação biológica para a crueldade. Sua percepção do sentimento de rejeição que ele causa e as pressões familiares estabelecidas ao seu redor desencadeiam o grave desvio de conduta. Acentuada a doença, é exaltada a sensação de ódio e devastador desejo de vingança.

Já foi lembrando que o homem é anatomicamente um animal como outro qualquer; a única diferença substancial é que possui um lobo frontal um pouco mais desenvolvido do que as outras espécies. Porém todos nós guardamos, lá no fundo e em estado latente no código genético, uma porção selvagem, sempre pronta a revigorar-se. Para os irracionalistas o que diferencia homem moderno do primitivo é apenas uma tênue camada de verniz chamada civilização. Arranhada esta, por estímulos sociais ou defeitos biológicos, seu lado animal virá à tona. Assim haveria uma predisposição física para o procedimento agressivo.
Cristianismo

O cristianismo procura novas respostas.  O Antigo Testamento conduz o homem a uma série de indagações ao tratar no Gênesis do primeiro homicídio.  Antes do assassinato de Abel o Senhor Iahweh vendo Caim irritado com seu irmão e com o rosto transtornado, sob motivação do ciúme, adverte:  “ Se procederes mal o pecado deitar-se-á  à tua porta e andará a espreitar-te.  Cuidado, pois ele tem muita inclinação para ti, mas deves dominá-lo”. 

O texto deixa claro o entendimento de que o homem possui a liberdade de escolha entre a prática, ou não, do mal.  Portanto não existe a predestinação para o crime e, em virtude  da não intromissão divina no seu comportamento, Caim permanece livre na opção, ainda que haja muita inclinação, e que isso signifique tendências para determinados procedimentos.

Morto Abel o Senhor não o fulmina Caim de imediato em ato de justa cólera. Iahweh espera. Malgrado possuir pleno conhecimento das limitações de Caim assim como das suas motivações e procedimento, sabendo do homicídio praticado contra um irmão com violação da confiança que a vítima tinha em seu algoz, e provavelmente - conforme se depreende do relato bíblico - mediante dissimulação teria tornando impossível a defesa. O diálogo não é interrompido apesar da tentativa frustrada de encobrir ou negar a prática do crime. Caim descaradamente declara “não saber dele”, e acrescenta “são ser responsável pela guarda (segurança) do irmão. Depois do questionamento e da resposta que implicava em uma negativa de autoria Deus simplesmente indaga: “Que fizeste?” “Que fizeste?”.

Por ser um chamado à consciência é uma questão a qual nem o autor de qualquer crime ou o seu julgador pode escapar. Como em um inquérito são abordadas várias questões trazendo a tona investigações mediante as quais o cristianismo amplia as responsabilidades, não só quanto a um ato e seu autor, mas a todos os procedimentos que culminem com a eliminação da vida ou ataques a sua existência e atinge também os que se omitem ou decidem quanto à sorte dos criminosos.

Nos Dez Mandamentos, ou como se chamavam originariamente, “As Dez Palavras” aparece o verbo “rasah”. Indicava a prática de um homicídio grave. Na realidade “rasah” aparece nos textos bíblicos apenas quarenta e seis vezes contra mais de duzentas outras expressões que significam “matar”. Tudo parece indicar que nas distinções entre as penas aplicáveis aos homicidas já existia a clara definição entre homicídio simples, culposo e qualificado: era prevista a pena de morte no Levítico 24,17; a maldição era a pena em Deuteronômio 27,24. Em Números  35,6 o “rasah” tornava o agente sujeito a vingança de sangue, sem direito a asilo, se a morte fosse levada a cabo por ódio ou pura maldade. Ao final vê-se que a pena capital era limitada apenas aos casos de homicídio premeditado. [1]

João Franco






Catecismo da Igreja Católica
A liberdade do homem
1730. Deus criou o homem racional, conferindo-lhe a dignidade de pessoa dotada de iniciativa e do domínio dos seus próprios atos. «Deus quis "deixar o homem entregue à sua própria decisão"(Sir 15, 14), de tal modo que procure por si mesmo o seu Criador e, aderindo livremente a Ele, chegue à total e beatífica perfeição» (29):
«O homem é racional e, por isso, semelhante a Deus, criado livre e senhor dos seus atos» (30).

I. Liberdade e responsabilidade
1731. A liberdade é o poder, radicado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, praticando assim, por si mesmo, ações deliberadas. Pelo livre arbítrio, cada qual dispõe de si. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e de maturação na verdade e na bondade. E atinge a sua perfeição quando está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança.

1732. Enquanto se não fixa definitivamente no seu bem último, que é Deus, a liberdade implica a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, e, portanto, de crescer na perfeição ou de falhar e pecar. É ela que caracteriza os atos propriamente humanos. Torna-se fonte de louvor ou de censura, de mérito ou de demérito.

1733. Quanto mais o homem fizer o bem, mais livre se torna. Não há verdadeira liberdade senão no serviço do bem e da justiça. A opção pela desobediência e pelo mal é um abuso da liberdade e conduz à escravidão do pecado (31).

1734. A liberdade torna o homem responsável pelos seus atos, na medida em que são voluntários. O progresso na virtude, o conhecimento do bem e a ascese aumentam o domínio da vontade sobre os próprios atos.

1735. A imputabilidade e responsabilidade dum ato podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas e outros fatores psíquicos ou sociais.

1736. Todo o ato diretamente querido é imputável ao seu autor.

Assim, depois do pecado no paraíso, o Senhor pergunta a Adão: «Que fizeste'?» (Gn 3, 13). O mesmo faz a Caim (32). Assim também o profeta Natan ao rei David, após o adultério com a mulher de Urias e o assassinato deste (33).

Uma ação pode ser indiretamente voluntária, quando resulta duma negligência relativa ao que se deveria ter conhecido ou feito, por exemplo, um acidente de trânsito, provocado por ignorância do código da estrada.

1737. Um efeito pode ser tolerado, sem ter sido querido pelo agente, por exemplo, o esgotamento duma mãe à cabeceira do seu filho doente. O efeito mau não é imputável se não tiver sido querido nem como fim nem como meio do ato, como a morte sofrida quando se levava socorro a uma pessoa em perigo. Para que o efeito mau seja imputável, é necessário que seja previsível e que aquele que age tenha a possibilidade de o evitar como, por exemplo, no caso dum homicídio cometido por um condutor em estado de embriaguez.

1738. A liberdade exercita-se nas relações entre seres humanos. Toda a pessoa humana, criada à imagem de Deus, tem o direito natural de ser reconhecida como ser livre e responsável. Todos devem a todos este dever do respeito. O direito ao exercício da liberdade é uma exigência inseparável da dignidade da pessoa humana, nomeadamente em matéria moral e religiosa (34). Este direito deve ser civilmente reconhecido e protegido dentro dos limites do bem comum e da ordem pública (35).

II. A liberdade humana na economia da salvação
1740. Ameaças à liberdade. O exercício da liberdade não implica o direito de tudo dizer e fazer. É falso pretender que «o homem, sujeito da liberdade, se basta a si mesmo, tendo por fim a satisfação do seu interesse próprio no gozo dos bens terrenos»(36). Por outro lado, as condições de ordem econômica e social, política e cultural, requeridas para um justo exercício da liberdade, são com demasiada frequência desprezadas e violadas. Estas situações de cegueira e de injustiça abalam a vida moral e induzem tanto os fracos como os fortes na tentação de pecar contra a caridade. Afastando-se da lei moral, o homem atenta contra a sua própria liberdade, agrilhoa-se a si mesmo, quebra os laços de fraternidade com os seus semelhantes e rebela-se contra a verdade divina.

Resumindo:
1743. «Deus [...] deixou o homem entregue à sua própria decisão» (Sir 15, 14), para que ele possa aderir livremente ao seu Criador e chegar assim à perfeição beatífica (40).

1744. A liberdade é a capacidade de agir ou não agir e, assim, de realizar por si mesmo ações deliberadas. Atinge a perfeição do seu ato, quando está ordenada para Deus, supremo Bem.

1745. A liberdade caracteriza os atos propriamente humanos. Torna o ser humano responsável pelos atos de que é autor voluntário. O seu agir deliberado pertence-lhe como próprio.

1746. A imputabilidade ou responsabilidade duma ação pode ser diminuída, ou suprimida, por ignorância, violência, medo e outros fatores psíquicos ou sociais.

1747. O direito ao exercício da liberdade é uma exigência inseparável da dignidade do homem, sobretudo em matéria religiosa e moral. Mas o exercício da liberdade não implica o suposto direito de tudo dizer ou de tudo fazer.



[1] André Chouraqui, A Bíblia - Êxodo pg. 249  Imago Editora.