Discurso do Dr Ney Cavalcanti
Patrono da turma de formandos da
Faculdade de Ciências Médicas – UPE
O Brasil vive um novo momento.
Milhares de brasileiros estão indo as
ruas, para dar um grito de protesto. Protesto contra a corrupção
e a injustiça com que milhões de brasileiros são tratados pelo governo, e pelas nossas
elites.
A maneira com que os poderosos tratam
as outros chega ser quase que cruel.
E às vezes a crueldade é explícita,
mendigos são incendiados por jovens pertencentes às classes mais ricas.
Os pobres são considerados quase que
uma sub espécie, que teriam como principal finalidade de servir aos poderosos.
Este tipo de sentimento, provavelmente,
é resquício do período da escravatura.
Afinal, foi o Brasil um dos países do
mundo, que mais tempo conviveu com este abominável sistema social.
Recentemente, um desses exemplos vem
acontecendo.
As domésticas convivem
secularmente com regime de semi-escravidão. Salários baixos, horários de
trabalho na dependência da vontade dos patrões e nenhum direito trabalhista. Em compensação, os seus lugares de
descanso são os menores e os mais quentes das casas.
Bastou que se levantasse a
possibilidade de lhes conceder alguns benefícios legais, que todos os
trabalhadores têm, para que os gritos de muitos patrões se fizessem ouvir.
Os argumentos aventados são semelhantes
aos que, provavelmente existiram por ocasião da abolição da escravatura.
Muito acertadamente, o governo
brasileiro implantou o programa social, a Bolsa Família, que diminui, apenas
diminui, as enormes carências que ainda existem na nossa pobreza.
Muitos milhões de brasileiros passaram
a ter menos fome.
As próximas refeições deixaram de ser
incógnitas.
Milhões tiveram o prazer de pela
primeira vez, ter água gelada e televisão em casa.
O dinheiro da Bolsa fez gerar novos
negócios nos municípios mais pobres, que por sua vez geraram arrecadação de
impostos. Resultado, os custos do programa ficaram menores.
Todos esses benefícios foram realizados
a um custo relativamente pequeno. Menos de 0.5% do nosso PIB. Isso deveria ser motivo de muita
satisfação para toda sociedade brasileira, mas assim não tem sido.
Afinal está se fazendo, como quase
nunca se fez, uma ação que concretamente beneficia aos mais pobres.
Infelizmente esse reconhecimento não
tem acontecido por parte da classe dominante. Ela critica, e de maneira veemente o
programa.
Os argumentos são vários:
Está se estimulando aos seus
beneficiários a não trabalharem por terem um rendimento mensal, pequeno
é verdade, garantido.
Existem em alguns dos nossos municípios,
dificuldade de se conseguir mão de obra para determinado tipos de trabalhos.
Meias verdades.
Antes da bolsa família a maioria dos
que não trabalhava, era por falta de oportunidade.
Por conta de um numero menor de locais
de trabalho, do que mãos de obra disponível, os poucos que conseguiam
trabalhar, aceitavam qualquer remuneração. Em virtude de suas necessidades
pessoais e familiares, exerciam as suas tarefas por salários vergonhosamente baixos.
Sem duvida, ficou mais difícil ter
trabalhadores com este tipo de pagamento.
Outro argumento contra Bolsa Família, é
que o dinheiro seria melhor gasto se investido em educação
.
Ora, educar um povo é uma
tarefa que consome décadas.
E as necessidades dos nossos pobres,
são agora. Precisamos alimentá-los para
depois os educar.
Uma outra crítica é pela
existência de irregularidades no programa.
Alguns recebem a Bolsa e que não
deveriam, usando práticas não recomendáveis.
Obviamente as irregularidades existem,
devem ser investigadas, e corrigidas.
No entanto eu pergunto, com que
autoridade nossa elite pode denunciar. Afinal ela é considerada uma das mais
sonegadoras e corruptoras do mundo.
Uma outra injustiça
que o governo faz com os mais pobres, é na educação.
Os gastos com as nossas Universidades
são proporcionalmente muito maiores, dos que os destinados ao ensino
fundamental e médio.
Afinal, a classe dominante frequenta
apenas o ensino universitário.
O fundamental e o médio
oferecido pelo Governo, é apenas para os menos ricos.
Na saúde ocorre condição semelhante.
O Brasil acertadamente adotou um
sistema universal de assistência, o SUS. Todos os brasileiros tem o
direito de usá-lo.
Porem os recursos a ele destinado são muito
insuficientes. O Brasil é um dos países do mundo, que
destina o menor percentual do seu PIB para saúde .
O motivo é simples.
As classes dominantes não reivindicam
de maneira adequada, para que o governo destine mais recursos para esse setor. Afinal elas não usam o SUS.
Sua assistência medica, muito melhor, é
feita através do sistema privado, os planos de saúde.
Essas injustiças se repetem
praticamente em todos os setores da vida brasileira.
Ao invés de investir em transporte
coletivo, o governo estimula de todas as maneiras, o individual. Para
isso, tem sido capaz, inclusive, de reduzir os impostos para facilitar a
aquisição de automóveis.
Mesmo que isto implique em uma
diminuição arrecadação, que poderia ser utilizada em destinações mais nobres.
A maioria da nossa classe política não
nos merece admiração. Quase sempre legisla em beneficio dos mais
ricos, inclusive e principalmente dos seus próprios.
Os nossos deputados, apesar de serem os
mais bem mais remunerados do mundo, trabalham muito pouco. E os que pretendem realizar os seus
mandatos de maneira ética são atropelados pelos corruptos.
A corrupção é quase que a regra.
A nossa justiça é muito lenta, e com frequência
sofre a pressão e cede o poder econômico.
Os chamados crimes do colarinho branco quase sempre não são
punidos.
Combate a corrupção, mais recursos para
a saúde e educação, transportes de melhor qualidade com tarifa zero, foram
algumas principais reivindicações do grito de protesto.
A classe política respondeu
imediatamente. Propôs um plebiscito, cujas
perguntas beiram o ridículo.
E mostrou que a tarifa zero
já existe, pelo menos para eles, a tarifa aérea zero.
Verdadeiras agressões à sociedade
brasileira.
Meus caros pais e mães dos formandos. A
inteligência e a capacidade de luta dos seus filhos, os levaram a
concluir um curso universitário, dos mais cobiçados e difíceis. A eles devemos
as nossas homenagens.
Porem, isto nunca teria acontecido não
tivessem eles a retaguarda que vocês os proporcionaram. É impossível mensurar
as horas de trabalho dedicação e até sofrimento que lhes foram exigidas.
Meus efusivos parabéns.
Meus caros formandos, congratulações
pela vitoria. A conclusão do curso médico é o primeiro degrau da nossa
profissão.
Exercer atividade médica requer que
sejamos sempre estudantes.
A nossa missão como medico no Brasil
exige que além de bons profissionais, sejamos também seres sociais ativos. O
Brasil exige modificações que atenuem as injustiças que são cometidas, contra
milhões dos nossos irmãos.
Muito sucesso nas suas missões.
Por último o meu muitíssimo obrigado,
pela honra que me prestaram me distinguindo como homenageado.
Apesar de eu ter tido experiências
semelhantes anteriores, essa é especial.
Vocês escolheram como patrono, um
ex-professor.
Fui expulso da nossa faculdade por mau
comportamento.
Fiz 70 anos, e não tinha nada que
fazê-los.
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