Monitora de Direito Penal III
Breve análise do Caso
Cristian à luz do Direito brasileiro
Nos Estados Unidos, um menino de 13
anos está sendo acusado de ter levado a óbito por espancamento seu irmão de 2
anos de idade e de ter agredido sexualmente outro parente de 5 anos idade,
podendo vir a ser condenado pelo crime de homicídio doloso, em prisão perpetua,
sem possibilidade de liberdade condicional. Tal caso ganhou grande repercussão
social devido aos possíveis traumas vividos pelo menor, advindo do descaso
familiar e do próprio Estado, sofrido pela criança.
A pequena trajetória de vida de
Cristian Fernandez não se enquadra nos contos de fadas, mundo colorido, onde a
imaginação é combustível de fantásticas aventuras e de super heróis, e sim em
pesadelos que perpetuam na realidade e seus próprios pais são os monstros.
Em relatos oficiais, Bianelle Susana
aos 12 anos foi vítima de estupro e deu à luz a Cristian, sendo o genitor deste
condenado a prisão pelo crime cometido. Aos 2 anos de seu nascimento, Cristian
foi encontrado despido, abandonado, andando de madrugada nas ruas do Sul da
Flórida. A avó, suposta “responsável”, posteriormente foi localizada, em um
hotel de estrada, em uma maratona de uso de entorpecentes. No ano de 2007, o
Departamento de Crianças e Famílias da Flórida investigou a arguição de abuso
sexual sofrido por Cristian, cometido pelo seu primo. Apesar de demonstrar um
excelente desempenho escolar, os históricos da autoridade local constam em
sinais de distúrbio de comportamento do menor, ao matar um filhote de gato e
simular atos sexuais no interior da escola. Novamente em 2010, Cristian sofre
agressões físicas, levando um soco no olho com posterior suicídio do seu padrasto,
evidenciando o emprego de violência e falta de estrutura familiar.
Dentro do ordenamento normativo
brasileiro, a responsabilidade civil dos pais possuí o afeto como fundamento da
família e norte para o convívio entre seus membros. A família como instrumento
de desenvolvimento dos direitos fundamentais da pessoa. A Constituição Federal
do Brasil atribuí como dever dos pais, Estado e sociedade, o direito à
convivência e fornecer subsídios para o pleno desenvolvimento físico e mental
da criança e do adolescente. A família caracteriza-se como instituição basilar
do corpo social, determinando os limites, modo de comportamento, fornecendo
valores sociais e éticos, em virtude do desempenho de habilidades e da personalidade
de seus membros, ocasionando à família como primeiro núcleo de convívio social.
O descuido quanto à responsabilidade civil, o não cumprimento do dever de
oferecer a dignidade preconizada na Carta Magna ao menor, acarreta em prejuízos
físicos e mentais a este, pois a ausência de orientação pode gerar traumas, patologias,
repercutindo em danos ocasionados pelo próprio abandono, refletidos em ações
violentas estendidas ao meio. Logo, tal dever vai além de questões puramente
jurídicas, pois interfere no desenvolvimento da natureza humana em reflexo ao
convívio social.
A lei nº 8069/90 deu origem ao
Estatuto da Criança e do Adolescente, visando à proteção ao menor como sujeito
de direitos em desenvolvimento. Tal estatuto fundamenta-se na Doutrina da
Proteção Integral, afirmando o valor intrínseco da criança e do adolescente
como ser humano e demonstrando a necessidade especial do menor como pessoa em
desenvolvimento. Tal doutrina pressupõe a garantia à satisfação integral da
criança, merecedora da proteção da família, do Estado e da sociedade. A lei
deve respeitar as características da criança enquanto criança e sendo incapaz
deve se caracterizar a impossibilidade da invocação subjetiva na aplicação do
poder coercitivo em caráter genérico, com respaldo no dispositivo legal do
art.121 da lei nº 8069/90.
Segundo o art.59 do Código Penal
brasileiro a fixação da pena deve atentar para a personalidade do agente, os
motivos, as circunstâncias, no cometimento do crime. Logo, a determinação da
pena não deve ser realizada discricionariamente, devendo possuir respaldo
normativo e ser a última via de punição para a recuperação do indivíduo.
É de suma importância avaliar o
contexto histórico ao qual o caso exposto está inserido, pois em um país onde
vigora a prisão perpétua, prevalece à punição em detrimento do próprio
indivíduo como ser capaz de recuperação.
Através de um olhar sensível e brasileiro
do caso, observa-se uma predisposição a vários traumas correlacionados ao baixo
nível de tolerância à frustração, pois a criança necessita de referências
identificatórias para organizar seus impulsos destrutivos. Cristian, enquanto
criança é vítima da precária estrutura familiar, cuja referência paterna está
relacionada ao crime de estupro que ocasionou sua gestação. Seu nascimento está
associado à violência, sendo, portanto, a prova viva do trauma sofrido por sua
genitora, que pode ter lhe tratado de forma pouco cuidadosa e afetuosa por ele
ser filho das referidas circunstâncias que lhe fizeram sofrer. Logo, o trauma
quando não trabalhado para sua superação, em relação ao caso em questão, poderá
ser absolvido pela criança, como que esta representa o sofrimento vivido pela
sua mãe.
Neste contexto de gestação, nascimento
e desenvolvimento bastante conturbado, Cristian estrutura-se como um ser
psíquico sem limites e passa a ser considerado uma ameaça para a sociedade que,
de acordo com suas leis resolve lhe impor um sistema de vida privado,
tirando-lhe toda e qualquer possibilidade de reestruturar-se na tentativa de
dar um novo sentido para sua vida.
A potencialidade para ser mal e bem é
do próprio ser humano. A criança como sujeito em desenvolvimento necessita
receber apoio, limites, para entender seus atos. O limite com amor, pois para
ser respeitado necessita respeitar. No caso Cristian, depara-se com a
possibilidade da existência de diversos traumas interiores e exteriores que
ocasionaram distúrbios psicológicos no menor, necessitando este ser conduzido a
um sistema protetivo correlacionado a educação, más não só aprendizagem escolar,
como também e primordial o direcionamento no que diz respeito às relações
sociais e suas próprias pulsões. O sofrimento vivenciado pelo ser humano pode
vir a gerar o sentimento de revolta que leva a onipotência, indagando por
diversas vezes a questão: se o mundo foi cruel comigo porque vou ser um cidadão
de bem? A carência de altruísmo está associada à falta de valores familiares e
amor próprio, pois o indivíduo, em especial a criança, necessita de ajuda para construir
e desconstruir sua vida.
Em um paralelo comparativo do Caso
Cristian com a realidade brasileira, esta não se distancia daquele, pois enquanto
que na abstração vigora o princípio da pena não ultrapassar a pessoa do réu, na
realidade fática há um prejuízo quanto a sua aplicação. Já dizia Thomas Hobbes “o
homem é o lobo do homem”. Em um país, como o Brasil, onde a desigualdade social
é um traço cultural, diversas crianças fruto dessa injustiça são
marginalizadas, excluídas do seio social e até mesmo condenas por crimes de
terceiros, na maioria dos casos dos seus próprios pais. Surgir a partir de um crime é nascer já
condenado? Esse dilema vivenciado por diversos brasileirinhos e também
observado no Caso Cristian, acarreta na inversão de valores ao punir quem de
fato necessita de auxilio, pois antes de serem agentes de crimes essas crianças
são vítimas de tantos outros, ressaltando a omissão do Estado como guardião dos
direitos fundamentais do ser humano.
O sistema normativo, a lei, é
fundamental para a manutenção da vida em sociedade. O pacto social determina abrir mão
de direitos individuais em virtude do coletivo, mas diferentemente deste que é
imposto ao homem, o pacto do individuo com ele mesmo não é rompido, pois está
entranhado na sua própria natureza, prevalecendo seus desejos inconscientes.
Logo, o homem necessita ser moldado, auxiliado, em especial a criança que
configura a base do indivíduo, visando o seu desenvolvimento e distanciamento
do estado de natureza. A aplicação rígida da lei poderá levar a suma injúria,
pois o homem como um ser predominantemente subjetivo esta, em muitos casos,
fadado a seguir seus desejos, devendo as circunstâncias do caso concreto serem
avaliadas para a aplicação da lei. A unidade do sistema normativo é
fundamental, como também a adaptação de sua aplicação.
Em vista do exposto, a questão não é
como punir ou “punir por punir”, mas sim como recuperar esse sujeito. O
problema não está em qual o melhor meio, mecanismo de punição, mas como auxiliar,
dar apoio a essa criança que suplica inconscientemente por socorro, através de
seus próprios atos que evidenciam distúrbios patológicos, exercidos como uma
revolta e resposta a sociedade do descaso sofrido em sua vida pregressa. Para a
avalição da configuração de um crime é fundamental identificar o ânimo do agente,
o que este quer, se suas ações são uma forma de revolta a realidade que está
inserido ou é apenas maldade. Independente do país, sistema normativo, que o
sujeito está subordinado, as condutas ilícitas devem sofrer punição, pois o
castigo faz parte do crescimento do indivíduo, mas a punição deve estar aliada
a inserção social e recuperação do indivíduo. No Caso Cristian, a punição desta
criança deve sair de cena e dar espaço para o apoio psicossocial que este menor
necessita, para enfim ser concretizada a justiça e o direito a dignidade humana
ser efetivado.
Bibliografia:
- Constituição
Federal do Brasil
- Código
Penal brasileiro
- Código
Civil brasileiro
- Lei
nº 8069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente.
- Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos, Andréa Rodrigues Amin.
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(NBR
6023:2002 ABNT):
MIRANDA,
Amanda Oliveira Gonçalves de. Responsabilidade civil dos pais nos casos de
abandono afetivo dos filhos. Jus Navigandi,
Teresina, ano 17, n. 3242, 17 maio 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21799>.