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domingo, 3 de agosto de 2014

Novos advogados pela UNICAP


Aula da saudade 


Trecho da aula da saudade ministrada pelo Prof. João Franco na solenidade da última aula da turma:


O dia de hoje é conhecido como o dia da aula da saudade. Sempre há uma referência ao tempo.

Há certo milagre no conceito de tempo, pois parece que foi ontem que começamos a trabalhar juntos.

Para mim ocorre a mesma contração temporal quando me lembro do início e fim do meu curso. Digo a mesma coisa do espaço de tempo da minha atuação no Ministério Público e da data em que voltei a Católica como professor.

Para mim o tempo parece não ter passado porque vivi escolhas que fiz e as realizei do meu modo. E hoje tenho orgulho de dizer que procurei fazer tudo ao modo que um professor me ensinou.

Tive a honra de ter sido aluno do Prof. José da Costa Porto. Ele possuía uma cultura assombrosa aliada a uma capacidade ímpar de relacionamento com seus alunos. Advogado, Historiador, Latinista de primeira qualidade, Jornalista. Foi um homem que lutou pelos valores que tornam uma sociedade verdadeiramente humana.

Cristão de primeira linha, encontrava no Evangelho as ações que asseguravam a dignidade do homem, o que não era fácil nos idos dos anos sessenta, após a revolução.

Aqui a declaração da minha homenagem e agradecimento por nos ter mostrado que o homem tem que fazer o que acredita e que, se ele não tiver consciência não tem nada. Aprendemos a dizer e fazer as coisas de conformidade com nossos sentimentos e não simplesmente repetir as palavras daqueles que apenas buscamos agradar por serem poderosos.

Foi o velho professor Costa Porto que nos ensinou que a lei foi feita para o homem e não o homem para a lei. Pensem bem nisso por toda a vida.

Reconheço que ele se tornou um modelo e, entre o muito que nos deixou, quero transmitir dois ensinamentos que considero necessários hoje, por vivermos em um momento também crítico para a sociedade brasileira:

O primeiro lembra que a dimensão social da nossa vida é desenvolvida por cada um de nós e que devemos agir como criadores de valores, e não aceitar ser arrastado pelos interesses das forças dominantes. Essas forças buscam apenas reforçar seu poder e multiplicar os seus ganhos. Elas conduzem o cidadão ao sacrifício econômico no afã de consumir cada vez mais o que ele menos precisa, transformando-o em escravo do consumo irresponsável.

Tais forças não demonstraram a menor preocupação com os danos provocados na nossa casa que é o planeta Terra e que hoje, desgastado, vive o momento da assustadora mudança climática, com a previsão de secas, fome, enchentes, miséria, desemprego.

O segundo ensinamento básico é de que a paz social não pode ser entendida como simples ausência de violência praticada por uma parte sobre a outra.

O fim da intranquilidade causada pela insegurança quanto ao nosso patrimônio ou vida não pode justificar o estabelecimento de uma organização social que se apoia em um grupo armado.

Tal sistema policial fica cada vez mais numeroso e equipado com as mais modernas armas. O Estado moderno está limitando a liberdade do ser humano em nome da segurança.  Cada passo e cada esquina são controlados pela vigilância eletrônica. Até as nossas compras podem ser rastreadas através do CPF. Cada e-mail ou telefonema é registrado e se usa tal comportamento também como desculpa de prevenção e punição do crime, se praticado.

A paz social não pode ser obtida com o simples aumento do efetivo policial nas ruas. A ocupação maciça das ruas pela polícia não resolve a questão. Basta ver os repetitivos fatos no Rio, São Paulo, Minas ... .

Todo esse equipamento mostra apenas que o crime já ocorreu. Ele é passado. Resta aplicar a punição. Mas todos sabem que este país ocupa lugar de destaque no pódio da impunidade. Na verdade somos o 3º do mundo em número de condenados em relação à população. Mas apenas uma pequena parcela dos homicidas é condenada.  Quantos estupradores? Quantos ladrões? E mais essa incontável gama de pequenos meliantes que inquietam o cidadão decente que trabalha, paga seus impostos, e suas contas no comércio.
O governante tornou-se aquele que diz garantir a minha pessoa. Cabe a pergunta: Quem vigia o governante, se é ele que tem a força e faz as leis?

Hoje, por incrível que pareça, o que se ouve dos parentes e amigos é a expressão do desejo de que o criminoso seja preso e não o desejo de se ter uma sociedade onde o apelo a soluções violentas seja bem menor, nem propostas para uma vida social pacífica.
Estamos nos iludindo com a simples mudança de nomes, enquanto o problema permanece. Os chamados “flanelinhas” surgem como uma profissão. Não estamos percebendo que eles permanecem na perigosa fronteira entre a esmola e a prática da extorsão. Agora mascarado como “profissão”, eles recebem uma curiosa “concessão” para explorar determinadas áreas públicas, que são entregues ao seu domínio. Por que não investimos neles assegurando cursos técnicos já que demonstram vontade de fazer algo? Nós simplesmente os abandonamos, com sua flanela e balde de água.

E o incentivo ao consumo de bens de forma compulsiva? As cidades não suportam mais tantos veículos particulares por causa de um Estado que não assegurou a mobilidade para as necessidades diárias.  Porém é necessário manter uma oferta de emprego, ainda que à custa da habitação humana.

Não investimos em ônibus dignos e em número suficiente para a locomoção dos trabalhadores. Não temos um sistema efetivo de transporte de massas, como não investimos no transporte dos bens produzidos neste país, o que nos faz possuir um escandaloso custo Brasil, que se reflete em inaceitável perdas de bens e vidas nas lastimáveis rodovias brasileiras.

Para se obter a paz social, deve-se pensar  na dor que acompanha a perda de um pai ou esposo em caso de latrocínio. Deve-se levar em conta o fatal desequilíbrio econômico e afetivo que se abate sobre a família que perde alguém em tal circunstância.  A pessoa que sofre um estupro volta ao seu estado psíquico anterior só porque seu agressor foi fotografado? Isso porque ser punido é outra história.

Com base em fatos do dia a dia, quero lembrar aos colegas que a paz social não pode ser obtida pela simples ausência de violência pela imposição da força de uma parte sobre as outras.

O apelo ao pão e circo, ou se quiserem, ao futebol e a TV para distrair o povo, só é eficaz por certo tempo.

As Malalas só queriam estudar, aprender a ler e escrever. Os primeiros cristãos enfrentaram morte crudelíssima na antiguidade. A mulher árabe, malgrado todos os radicais, já está nas ruas e o cristianismo sobreviveu ao martírio.

A paz social só é obtida com a distribuição de renda, inclusão social dos pobres. Os direitos humanos não podem ser sufocados para que aqueles que gozam dos maiores benefícios possam manter o seu estilo de vida sem sustos.

Não há paz enquanto os demais sobrevivem como podem, ao lado de uma corrupção desenfreada que clama aos céus pela impunidade neste país.

Estabelecer valores que orientem a comunidade para a obtenção da paz social passa a ser agora, também, tarefa de vocês.

Escolham. Vivam para isso, façam o seu caminho ser a estrada que os demais vão seguir. 
       

 Deus os abençoe.

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