Consequências
do crime - art. 59 do Código Penal
As consequências do crime constituem uma circunstância
judicial (art. 59 do CP) objetiva, ou seja, diz respeito não à vontade do
autor, mas somente aos resultados decorrentes direta ou indiretamente da ação. Pouco
importa saber, na análise das consequências do crime, dentro do art. 59, se o
agente queria ou não que houvesse maior prejuízo à vítima ou à sociedade.
Aplicando-se a Terceira Lei de Newton, toda ação gera uma
reação, ou seja, uma consequência, se o crime é resultado de uma ação, em
sentido amplo (ação ou omissão), é óbvio que produzirá resultados. Porém, há os
resultados próprios de cada infração e outros que, não sendo próprios dela,
decorrem da pratica da infração penal. É de se esperar que no homicídio haja um
corpo que outrora pertencera a alguém, logo, o resultado, a consequência, foi a
morte desse alguém. Assim como no furto ou no roubo presume-se ter havido a
subtração de algo, com ou sem violência. Ou no estupro que, além dos danos
físicos, haverá também o dano psicológico à vítima.
Essas consequências, perda da vida, diminuição do patrimônio
ou danos físicos e/ou psicológicos, não devem ser analisadas para dosar a maior
ou menor reprovação do agente durante a fixação da pena base, pois incorreria
na dupla valoração dos fatos (bis in idem),
já que são inerentes ao tipo penal. As consequências de que estamos tratando
são aquelas que, diante do acontecido, geram maior prejuízo às pessoas e/ou à
sociedade.
É o que diz Cezar Roberto Bitencourt:
“Não
se confundem com a consequência natural tipificadora do ilícito praticado. É um
grande equívoco afirmar — no crime de homicídio, por exemplo — que as
consequências foram graves porque a vítima morreu. Ora, a morte da vítima é
resultado natural, sem o qual não haveria o homicídio. Agora, podem ser
consideradas graves as consequências, porque a vítima, arrimo de família,
deixou ao desamparo quatro filhos menores, cuja mãe não possui qualificação
profissional, por exemplo. Importa, é verdade, analisar a maior ou menor
danosidade decorrente da ação delituosa praticada ou o maior ou menor alarma social
provocado, isto é, a maior ou menor irradiação de resultados, não
necessariamente típicos, do crime.”
Sendo assim, a morte de mais de 100 especialistas em AIDS,
que estavam a caminho da 20ª Conferência Internacional de AIDS em Melbourne,
quando seu avião foi supostamente abatido
por um míssil russo sob o poder dos separatistas ucranianos, traz prejuízos
indiscutivelmente maiores para a sociedade do que a morte de qualquer
recém-nascido, mesmo sendo tão ilícita e injusta quanto a outra.
Tomemos também como exemplo um campeão olímpico que, a
poucos dias da competição é atropelado por um motorista imprudente e, por isso,
terá de se afastar por pelo menos seis meses de suas atividades habituais, não
podendo mais participar dos Jogos Olímpicos daquele ano. Mesmo que ele venha a
se recuperar após esses seis meses, ou antes, e possa voltar a praticar
normalmente seu esporte, o prejuízo causado já não pode mais ser revertido,
visto que ele não pôde participar da competição.
Noutro exemplo, um pai, que sustenta toda sua família apenas
com o seu salário, vem a ser assaltado após pegar o pagamento do mês. O dano
causado é visivelmente enorme, visto que seus vinte e sete filhos dependiam
exclusivamente daquele dinheiro. Diferentemente de um empresário rico que tem a
mesma quantia subtraída.
Há uma discussão, nos casos de crimes patrimoniais
(retirando-se daqui, a meu ver, o crime de latrocínio), sobre se faria ou não
diferença se o dano fosse revertido, se posteriormente, por qualquer razão, os
bens fossem recuperados. Não que eu tenha algum mérito para falar sobre isso,
mas acredito que tem de ser analisado cada caso isoladamente para saber o real
prejuízo sofrido pela vítima, não devendo criar uma regra geral e abstrata para
se aplicar ao caso concreto.
Se um colecionador de obras de arte tem sua conta bancária
praticamente zerada durante uma importante semana de leilões em São Paulo e, tempos
depois, ele recuperar totalmente o valor levado, o prejuízo já se consumou por
completo, visto que o leilão fora realizado e ele não pôde dar nenhum lance.
Deixando um pouco de lado a formalidade e essa questão do
dano revertido e a possível não valoração do prejuízo causado momentaneamente,
voltemos ao ponto.
O exemplo dado em sala de aula foi de um motorista que atropelou um aluno que estava
atravessando a pista (Rua do Príncipe) para pegar o ônibus do outro lado (esses
foram os únicos dados fornecidos). Num primeiro caso, o aluno em questão ficou
apenas com alguns arranhões, no outro, quebrou costelas, ossos, o nariz, perdeu 12 dentes, fraturou o
braço e teve um olho perfurado após ser jogado em direção a uma viga que estava
sendo transportada para um prédio em construção. Não, isso não aconteceu, eu
exagerei um pouco, foram “apenas” graves lesões que ele sofreu. O professor
perguntou se as penas deveriam ser diferentes por causa das consequências
diversas, de um dano maior ou menor à vítima, mesmo sendo provenientes de ações
iguais e de um mesmo autor.
O crime é o de “praticar lesão
corporal culposa na direção de veículo
automotor”, previsto no art. 303 do Código de Transito Brasileiro, punido com
detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a
permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Vejamos agora o disposto no caput
do artigo 59 do Código Penal:
“O juiz, atendendo à culpabilidade, aos
antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às
circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento
da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação
e prevenção do crime.” (grifo nosso – sempre
quis dizer isso).
Segundo o
artigo 59, caput, do CP, e o que vimos acima, a pena base deve ser fixada acima
do mínimo legal quando as consequências do crime forem mais danosas às pessoas
- o que ocorreu no caso do atropelamento - ou à sociedade. Então a resposta é
sim! As penas devem divergir, pois não seria justo aplicar seis meses de
detenção em ambos os casos, devido a maior ou menor gravidade das lesões
sofridas pelo acidentado. Mas vejamos mais um exemplo para finalizar.
Kiko, ao chutar sua pelota
cuadrada de um pátio ao outro da Vila, numa velocidade de 18 m/s, acerta o
Senhor Barriga que, por possuir uma grande quantidade de massa corporal, sofre
pequenas lesões (apenas hematomas). Porém, ao chutar a mesma bola, na mesma
velocidade e do mesmo local ao outro, Kiko acerta o Seu Madruga, que é fumante,
extremamente magro e tem os ossos fracos por não tomar Calcitran D3, pois não
tem dinheiro pra comprar. Ao receber o impacto, o corpo de Seu Madruga é
“jogado” para trás, vindo a colidir com o barril do Chaves, sofrendo sérias
lesões na bacia, no fêmur e quebrando duas costelas.
Seria justo, se o Kiko pudesse ser penalmente imputável, que
o juiz aplicasse a mesma pena aos dois casos, já que a ação do autor foi a
mesma, mas, por algo totalmente alheio a ele (a massa corporal das vítimas), os
resultados foram diferentes?
Não! Não se deve aplicar penas iguais, mesmo que as ações
das quais resultaram os crimes sejam idênticas. Mesmo que seja a “cara cagada e
cuspida da outra” (expressão usada para se referir a duas pessoas muito
parecidas em sua fisionomia).
Como vimos anteriormente, o
juiz deve estar atento às consequências do crime ao fixar a pena base para o
réu, logo, se o Seu Madruga sofres sérias lesões e o Senhor Bola, digo, Senhor
Barriga, mal sente o impacto, ficando apenas com uns hematomas, as penas
aplicadas às duas situações devem ser distintas em sua quantidade.
Bibliografia
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. – 17. ed. rev., ampl. e
atual. de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo: Saraiva, 2012.
BUSATO, Paulo César. Direito
penal: parte geral. – São Paulo: Atlas, 2013.
EDITORA SAIVA. Vade Mecum Compacto. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva
com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. –
9. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2013.
GRECO, Rogério. Curso
de direito penal. – 12. ed. Rio de
Janeiro: Impetus, 2010.
MIRABETE, Julio Frabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal, volume 1: parte
geral, arts. 1º a 120 do CP. – 26. ed. rev. e atual. até 5 de janeiro de
2010. – São Paulo: Atlas, 2010.
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