Homicídios por
envenenamento
1 - Conceito
Veneno,
na Roma Antiga, detinha dúbio significado. A palavra, do latim venenum, deriva de venus,
que significa forte desejo, e composta de venes-no-m, poção ou bebida
afrodisíaca. Para fazer distinção entre o veneno bom e o mal, o epíteto
bonum ou malum era
necessário.
Juridicamente,
o conceito de veneno consiste em “toda substância vegetal, animal ou mineral
que tenha idoneidade para provocar lesão no organismo humano” (BITENCOURT). De
acordo com o artigo 121 § 2˚ do Código Penal brasileiro, o emprego de veneno em
homicídio é circunstância qualificadora da pena base, mas para tal é necessário
a comprovação do sortilégio, da dissimulação no processo, da caracterização de
meio insidioso. Ou seja, deve-se comprovar o total desconhecimento da vítima
sobre a agressão e a presença da substancia tóxica, caso contrário,
caracteriza-se apenas crime por meio cruel, perdendo a essência do crime
insidioso.
Por
substancia tóxica, deve-se englobar também qualquer substância, mesmo que inicialmente inócua, capaz de assumir a
condição de veneno dependendo das condições especiais da vítima. O que
propriamente define a morte por veneno é justamente a alteração que a
substância introduzida ao corpo realiza na saúde da vítima, levando-a à
morte. Desse modo, para um alérgico, um
belo Coquetel de Camarões equipara-se ao poder de destruição de um Coquetel
Molotov. “Todas as substâncias são venenos, não existe nenhuma que não seja. A
dose correta diferencia um remédio de um veneno” (Paracelso, médico Suíço do
século XV)
2 - Origem histórica
O homicídio praticado mediante envenenamento é uma das mais antigas formas de se
praticar tal crime. Tanto na Roma Antiga, quanto na Grécia, os casos de
homicídio por envenenamento já eram marcantes e punidos mais severamente que os
crime com armas. O veneno passa depois para a Itália e França, onde
popularizou-se ao ponto de tornar necessária a criação de severas leis para
tentar erradicar seu uso, como a criação da Corte dos Venenos ou Câmara
Ardente, especializada em perseguir e punir crimes por tal meio insidioso.
Evidentemente, na Idade Média, os casos também multiplicavam-se. Por isso, cada
prato servido aos senhores feudais não era consumido antes de ser provado pelo
cozinheiro para provar sua idoneidade.
3 - Envenenamento como crime
tipicamente feminino
Historicamente,
as mulheres eram as mais indicadas como utilizadoras dos venenos. Talvez pela
facilidade de acesso, o próprio domínio da produção ou pela teórica
inferioridade física. Na Roma Antiga, as mulheres eram as principais
responsáveis pelo preparo dos medicamentos, e assim também, dos venenos. Casos
famosos existiram, como a prostituta galiciana Locusta, a mais famosa
preparadora de venenos, que foi resgatada por Nero na prisão e extremamente
recompensada por colaborar em diversas mortes, ou Martina, originária da Síria,
e como Locusta, protagonista do envenenamento de ilustres personalidades e
políticos.
Hodiernamente,
o uso das substâncias toxicas não declinou, principalmente pelas mulheres. Seu
uso ainda é frequente e seus motivos devem ser analisados. Ao contrário do que
alguns juristas afirmam, a preferência das mulheres pelo veneno não reside em
sua completa incapacidade de manejo de armas, mesmo que em muitos casos as forças
físicas sejam desproporcionais. Um dos
principais motivos reside no fato de ser um crime silencioso. Com
o envenenamento, há mais chances de não ser incriminado e mais chances de não
ser descoberta a maquinada intenção ilícita, podendo, o criminoso, facilmente
acobertar-se no argumento de um choque anafilático sofrido por um portador de
alergia ordinário.
Porém,
de fato, a busca pela fuga do confronto físico existe. Um clássico exemplo são
os emblemáticos casos onde mulheres, constantes vítimas de violência doméstica,
acham no envenenamento a forma mais eficaz e efetiva para acabar com os maus
tratos sofridos. Juridicamente, mesmo a presença de meio insidioso, do meio
maléfico na prática de um homicídio, o relevante valor moral motivador do crime
agrega um privilégio, ou seja, uma causa de diminuição da pena.
4 - Conclusão
As
evidências da intoxicação variam de acordo com a substância utilizada. Por
exemplo, a presença de cadáver com cor carminada e possível cheiro a amêndoas
amargas, indica o uso de cianeto. Já a presença de escaras profundas nas vias
de absorção, de cor amarela, indicam a presença de intoxicação por ácido
nítrico, líquido corrosivo que causa agonia por dias. E antes da morte, a
presença de câimbras, paralisia e perda de
sentidos associam-se a intoxicações de gás carbônico, estricnina e nicotina.
Em
suma, é perceptível que a escolha de tal meio ardiloso é frequente, e seus
motivos, em sua maioria, circundam os mesmos desde a Antiguidade: a paixão. A causa passional, como ódio, amor, ciúme e vingança, lidera
os principais motivadores do ato delituoso, logo seguido pelos motivos econômicos, como obtenção de
lucro, sobretudo de herança. Com isso, é essencial a exaustiva e metódica
perícia no local da morte e no histórico médico e social da vítima nesses
casos, visando a uma clara apuração da verdade e a busca pela a distinção entre
um mero acidente, de um suicídio e um homicídio.
Referências
BITENCOURT,
Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 2 v. Parte especial. 2014
HOBENREICH,
Evelyn. ENVENENAMENTO E USO INDEVIDO DE REMÉDIOS
NO
DIREITO ROMANO. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67578/70188
http://enfermagemforense.blogspot.com.br/2008/05/mortes-por-envenenamento-intoxicao.html
PRADO,
Luís Regis. Curso de Direito Penal brasileiro, volume 2: parte especial. 2005
OLIVEIRA,
Marcel Gomes. A História do Delito de Homicídio. Disponível em:
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9832
VADE
MECUM – ed. Saraiva. 2013
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