1.
Fases
Históricas de Sedimentação e Expansão do Cárcere
O
cárcere é uma instituição que, em um primeiro momento (séc. XVII), apareceu
como “Casa de Internamento”, tendo caráter de suplemento de pena e não como
substituição às penas, que até então, eram iminentemente corporais. Em um
momento posterior (1750 – 1825 / sécs. XVIII e XIX) o cárcere estrutura-se como
verdadeira instituição para criminosos (diminuindo progressivamente as punições
corporais), momento este que coincide com o instaurar-se do modo de produção
capitalista. E na atualidade (sécs. XX e XXI) o cárcere vem caracterizando-se
pelo considerável aumento no número de detentos, aumento esse que está
intimamente ligado ao aumento dos índices de desigualdade.
Dessa
forma, pode-se notar que o cárcere foi se consolidando ao longo do tempo e
atendendo à demanda do sistema capitalista. Como afirma Karina Vasconcelos
(2013), baseando-se em De Giorgi, “[...] não só há uma estreita relação entre
modo de produção e modo de punição como a própria punição varia quantitativa e
qualitativamente de acordo com as alterações dos ciclos econômicos.” E ainda
afirma, baseando-se em Rusche e Kirchheimer, que “[...] há uma fina coerência
[...] entre o desaparecimento de um certo modelo de produção e o modelo
punitivo a ele interligado”.
c 2.
Motivações
Justificadoras do Surgimento do Cárcere
2.1 Motivações
Declaradas
A instituição carcerária surge na era
moderna em meio a uma lógica burguesa como uma alternativa à pena de morte e
aos castigos corporais, se consolidando como uma pena justa e igualitária, e
trazendo consigo o argumento de humanização da pena. Contudo, não deixa de lado
a ideia de inimigo a ser contido. E como afirma (Vasconcelos, 2013, p. 43):
Embora
os teóricos modernos defendam que a pena privativa de liberdade se dirige à
alma e não ao corpo e de fato houve uma redução na severidade da aplicação
punitiva, o reflexo direto da pena privativa de liberdade é, sim, sobre o
corpo, o que conduz à constatação de que a mudança ocorrida pode ter se dado em
termos de quantidade ou de qualidade, mas o objeto da pena continuou sendo o
corpo.
2.2 Quem são os “inimigos”?
Tendo
conhecimento do fato de que o cárcere se insere em uma lógica burguesa pode-se
rapidamente perceber que a ideia de inimigo está intimamente ligada à propriedade.
Seguindo essa lógica é possível dividir a sociedade em dois grupos: o grupo
detentor da propriedade e, consequentemente, ditador das regras sociais e do
projeto jurídico; e o grupo não proprietário, que por sua condição, já surge,
desde o inicio do projeto jurídico, como um transgressor em potencial, um ente
a ser neutralizado. Sendo assim, o projeto jurídico já é elaborado tendo em seu
bojo mecanismos de neutralização e “alvos” predeterminados.
Analisando
essa lógica é possível perceber que o inimigo não está ligado a um perigo real,
ele é definido previamente e o perigo é apenas um argumento legitimador.
Tem-se, dessa forma: X é o inimigo, então direi que ele é perigoso; e não, X é
perigoso, logo ele é um inimigo. Segue-se, dessa forma, uma lógica invertida,
uma lógica baseada no Direito Penal do Autor e não do Fato.
Indo
um pouco mais adiante nessa linha de pensamento, ainda poderemos perceber que o
trabalho atua como uma forma de adestramento e, consequentemente, submissão. Os
não-proprietários passaram a ser “educados” e disciplinados por meio do
trabalho (um mecanismo de docilização). Nesse momento, aqueles que tentam se
desprender dessa submissão são colocados na posição de inimigos. Logo, o
inimigo não é aquele que põe a sociedade em risco, mas aquele que começa a
questionar o sistema. Há nesse momento uma subdivisão da classe
não-proprietária: os trabalhadores e os perigosos.
2.3 Motivações
Reais
Se o cárcere
surgiu como uma alternativa à pena de morte e aos castigos corporais não foi
por motivo de solidariedade ou compaixão, mas por motivos puramente econômicos.
O cárcere continua punindo corporalmente o indivíduo, mas essa punição é
morosa. Como diz Kafka (1994), “a prisão marca o detento e essa marca vem
registrada no corpo, seja para não haver o esquecimento do ilícito cometido,
seja para que o preso possa ser reconhecido pelo ilícito, seja como registro
físico de uma dor também corpórea, ou melhor, essencialmente corpórea.” Esse
não é o tipo de pena extremamente intensa e rápida, que logo inutiliza o
apenado. É um tipo de pena também degradante, mas, ao contrário da anterior, é
lenta. Dessa nova maneira, o indivíduo demora mais tempo para ficar inutilizável,
e assim sendo, ainda pode servir como mão-de-obra para a burguesia.
Referências:
KAFKA,
Franz. Nella colônia penale. In: La metamorfosi e altri racconti. Tradução
de Rodolfo Paoli Ed Ervino Pocar. Milano: Oscar Mondadori, 1994.
VASCONCELOS,
Karina Nogueira. O Cárcere. Curitiba: Juruá, 2013.
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