Crime culposo continuado: é possível?
A pergunta situada no
título desse texto causa certa confusão para ser respondida, porém, para
respondê-la da maneira mais didática possível e, assim, facilitar o
entendimento do leitor, iremos explicar, separadamente, cada um desses
conceitos (crime culposo e crime continuado). Após essas explicações,
poderemos, finalmente, responder a questão sem maiores problemas.
Segundo CEZAR ROBERTO
BITENCOURT, culpa é “a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada
numa conduta produtora de um resultado não querido, mas objetivamente
previsível”, ou seja, há uma contradição entre o que o agente quer e o que ele
realiza. Partindo disso, chegamos aos quatro elementos constitutivos do crime
culposo, que são: a) inobservância do cuidado objetivamente devido; b)
produção de um resultado e nexo causal; c) previsibilidade objetiva do
resultado; e d) conexão interna entre desvalor da ação e desvalor do resultado.
O art. 18, II do Código
Penal dispõe sobre o crime culposo e cita as três modalidade de culpa:
imprudência, negligência e imperícia. A primeira consiste em uma ação sem a
cautela necessária, ou seja, sem os devidos cuidados necessários; a segunda é a
omissão que conduz a um resultado evitável pelo agente; enquanto que a última
diz respeito à uma ausência de aptidão técnica para execício profissional.
Já no tocante ao crime
continuado, este encontra-se situado no art. 71 do Código Penal e ocorre
“quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais
crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução
e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do
primeiro”, ou seja, são várias ações criminosas que a lei considera como um
crime único. Trata-se, portanto, de uma ficção jurídica concebida por razões de
política criminal, teoria esta defendida e desenvolvida por Francesco Carrara e
Vincenzo Manzini.
Existem três teorias que
se referem ao crime continuado: teoria subjetiva, teoria objetivo-subjetiva e
teoria objetiva. Para essa última, adotada pelo nosso Código, apuram-se somente
os elementos constitutivos da continuidade delitiva objetivamente, sem
considerar a programação do agente, ou seja, desconsiderando a unidade de
desígnio como elemento caracterizador do crime continuado.
Ainda é importante citar
os três requisitos do crime continuado. O primeiro diz respeito à pluralidade
de condutas, ou seja, a existência de, no mínimo, duas ações ou omissões; o
segundo requisito refere-se à pluralidade de crimes da mesma espécie, que são
aqueles violadores do mesmo bem jurídico e que se assemelham nos elementos
objetivos e subjetivos; o terceiro e último diz respeito ao nexo da
continuidade delitiva, considerando as circunstâncias de tempo (periodicidade),
lugar, maneira de execução (modus operandi) e outras semelhantes.
Podemos concluir, então, que, para haver crime continuado, deverá exstir
homogeneidade dos bens jurídicos atingidos e homogeneidade do processo
executório.
Agora, após essas
informações essenciais sobre crime culposo e crime continuado, podemos voltar à
pergunta inicial e tratar especificamente da continuidade delitiva nos crimes
culposos. Existem duas correntes que tratam dessa questão, adotando diferentes
teorias acerca do tema.
A primeira corrente
adota a Teoria Puramente Objetiva, defendida por autores como Fernando Capez e
Mirabete, para a qual apenas interessam as condições objetivas (tempo, lugar e
modo de execução), não havendo necessidade de unidade de desígnios, e por isso,
defende a aplicação da continuidade delitiva em crimes culposos. Já a segunda
corrente usa a Teoria Objetiva Subjetiva, que preza a existência da unidade de
desígnios, a fim de se configurar a continuidade delitiva, não bastando a
existências de condições objetivas e, assim, consideram que não há continuidade
delitiva em crimes culposos. Os Tribunais Superiores, em sua maioria, têm adotado
a primeira corrente, o que nos permite, finalmente, responder a questão-título
desse texto.
Portanto, chega-se à
conclusão, por meio do maior entendimento dos Tribunais, de que crimes
culposos continuados são sim possíveis.
Referências:
PRADO, Luiz Regis. Curso
de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 – 12. ed.
Rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
BITENCOURT, Cezar
Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1 – 19. ed. rev. ampl. e atual.
- São Paulo: Saraiva, 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário