Mídia e seus descompassos: até onde suas (re)
produções legitimam o sistema jurídico brasileiro
RESUMO
Neste
trabalho será exposto e discutido, com base em estudos da Criminologia Crítica,
o papel poderoso que a mídia, sobretudo a brasileira, exerce no seio da
sociedade contemporânea e capitalista, além da sua possível e determinante
atuação no âmbito jurídico-penal. Entender que o direito à informação é uma
prerrogativa de viés constitucional e, por isso, de aplicação imediata e
obrigatória, é imperativo apenas de realidade normativa e teórica, pois,
contrariamente ao que se espera, a informação no Brasil e no mundo é
monopolizada por poderosos grupos jornalísticos, sumariamente pautados na
manutenção do “status quo” da classe dominante. Isso significa que a
mídia e suas mais diversas formas de atuação, acabam por impor às pessoas toda
carga simbólica e parcial que as favorecem, e, portanto, quando consolidam uma
opinião, que de privada passa a ser pública, conjuram um entendimento no
imaginário popular de uma realidade dramatizada e mascarada por interesses, mas
que por outro lado satisfazem o senso comum – o terror social deve ser
solucionado. Assim, naturalmente as demandas sociais investem-se de inflamados
clamores por um Direito Penal máximo, uma intervenção das agências punitivas
mais enfática, maior enrijecimento dos aparatos processuais e judiciais, maior
rigor na legislação penal, de forma a aumentar o parâmetro da quantidade de
pena aplicada a um “indesejável”, e de todo modo, criar novos tipos penais ao
tutelar bens jurídicos não previstos em lei anterior. Ademais, por fim,
corroboramos a tese, de modo exemplificativo, sobre o papel midiático na
formação da opinião pública ao criticar a consequente reprodução do populismo
punitivo e da “saga simbólica” imposta diariamente. Em suma, buscamos intervir
no imaginário popular sobre a “mão invisível” da imprensa a fim de inquietar e
incomodar as pessoas cansadas de serem “marionetes” do Estado e vítimas da
desconstrução moral que ele e a mídia proporcionam aos “desprotegidos da lei”.
É preciso esterilizar todos os males que essas duas instituições
centralizadoras, segregadoras e docilizadoras impõem, uma vez que quanto mais
audiência e importância são dadas a eles mais contagiada e estéril fica a
motivação jovial do povo para empreender novos pensamentos e projetos, que
elucidariam e apontariam soluções em massa à impiedosa febre carcerária,
responsável por vitimizar corporal e psicologicamente tantos apenados e suas famílias.
Palavras-Chave:
Mídia - Sistema Penal – Populismo Punitivo – Criminologia Crítica.
1.
INTRODUÇÃO
É consenso em nível nacional e
constitucional que o direito à informação, de quarta dimensão, carrega um
conteúdo de extrema importância e apreço valorativo pela sociedade, uma vez
que, historicamente, simboliza esforços e conquistas pela implementação de um
regime Democrático de Direito. Sendo assim, essa prerrogativa goza de uma
supralegalidade e “status” constitucional a fim de assegurar com maior rigor
tais vitórias liberais, de modo que se torna irrenunciável, inalienável e
universal. É essa garantia que proporciona aos cidadãos um pluralismo de
informações e maior participação democrática, fundamentando outros direitos,
como a liberdade de expressão de pensamento e a liberdade de comunicação.
No entanto, no contexto do
capitalismo tardio, as imagens e notícias que a mídia informa são temáticas já
direcionadas a satisfazer e a estigmatizar certos grupos dominantes e
dominados, respectivamente. Afinal, “o empreendimento neoliberal precisa de um
poder punitivo onipresente e capilarizado, para o controle dos contingentes
humanos que ele mesmo marginaliza” (BATISTA,
2002, p. 272). E a depender do contexto histórico em que se está
querendo analisar, a mídia posiciona-se em eixos diferentes, mas sempre
trazendo em sua essência a tentativa de monopolizar, em massa, a realidade em
favor de suas próprias convicções e ideologias – econômica, política e
jurídica.
Seguindo essa linha de pensamento, este presente trabalho visa a abordar criticamente os
efeitos da direta influência que os meios de comunicação investem nos setores
sociais, propagando uma cultura do medo, distorcendo a realidade fática,
instigando a populismo punitivo sobre as camadas vulneráveis do nosso país, em
favor da manutenção do “status quo” da elite dominante e, consequentemente,
será discutida a poderosa atuação, descarada, da mídia no âmbito jurídico penal
brasileiro.
2.
JUSTIFICATIVA
Fundamentação teórica: legitimação midiática no
Sistema Penal brasileiro
O pluralismo da informação é um
direito constitucional mascarado pela monopolização do poder simbólico,
pertencendo o conteúdo – filtrado - das matérias veiculadas aos grandes e
poucos centros econômicos do jornalismo brasileiro. De certo, percebe-se a
construção de uma realidade fictícia que será transmitida aos
interlocutores/consumidores como realidade revelada através de imagens, edições
e discursos reiterados, capazes de formar superficiais opiniões de acordo com
as ideologias das classes dominantes. Dessa forma, Mario Rosa (2003) afirma
que:
[...]
A mídia funcionaria idealmente, assim, como uma espécie de espelho do ambiente
social. Um espelho seletivo, pois se concentra não sobre todos os temas do
universo social, mas apenas sobre aqueles que são mais importantes ou
surpreendentes. Nesse sentido, qualquer mídia, em qualquer lugar do mundo,
embute em seu âmago um certo grau de distorção, pois não reflete a realidade
como um todo, senão seus aspectos capitais. (ROSA, 2003, p.494).
Então, o
compromisso que a mídia desempenha com o capitalismo e o sistema neoliberal é o
ponto de partida para análise do agir seletivo da mídia para com os mais
diversos setores da sociedade, e, em especial, o jurídico. E, nessa conjuntura
os meios de comunicação corroboram os seus discursos - impregnados de
imparcialidade e posicionamentos racistas, classistas, sexistas e políticos -
com o uso de trejeitos e o apoio de “especialistas” a fim de garantir maior
credibilidade e cientificidade às informações transmitidas. Contudo, dentre os
temas selecionados, o fenômeno da violência, da criminalidade e da consequente
função do Sistema Penal no papel de contenção e paz social, sobrepõem-se por
unanimidade aos demais fatos sociais. A comprovação é nítida: basta assistir
uma edição dos jornais televisivos, ou mesmo folhear as páginas de revistas e
jornais impressos.
As crenças midiáticas de que o
Sistema Penal está em crise, desmoralizado e defasado é perpetuado em suas
duras falas quanto à problemática da impunidade. Assim, a imprensa difunde,
através de discursos sensacionalistas e moralizantes, a ideia de que a Pena
Privativa de Liberdade, com ênfase na “instituição total” prisão, acabaria por
resolver as dificuldades enfrentadas pelo bem contra o mal. Tal concepção
maniqueísta consagra o que Nilo Batista bem observou: “A equação penal – se
houve delito, tem que haver pena – é a lente ideológica que se interpõe entre o
olhar da mídia e a vida, privada ou pública.”. (BATISTA, 2002, p. 273). Dessa
forma, naturalmente as demandas sociais investem-se de inflamados clamores por
um Direito Penal máximo, uma intervenção das agências punitivas mais enfática,
maior enrijecimento dos aparatos processuais e judiciais, maior rigor na
legislação penal, de forma a aumentar o parâmetro da quantidade de pena
aplicada a um “indesejável”, e de todo modo, criar novos tipos penais ao
tutelar bens jurídicos não previstos em lei anterior. Entretanto, a lógica
midiática com relação à criminalidade afeta diretamente as estruturas do
Sistema Penal, sobretudo as agências executivas, filtros da criminalização
secundária.
Ainda dentro da perspectiva da
afetação midiática que o Direito experimenta, pode ser destacado o papel de
“executivização” que as agências comunicativas absorveram (mídia como quarto
poder), pois existe um entendimento controverso quanto a sua fundamentabilidade
no processo de investigação e denúncia dos crimes visíveis. Nesta ótica,
Alessandro Nepomuceno (2002) nos alerta que
[...]
tem-se que lembrar da criminalidade visível e invisível. Ambas ocorrem, porém o
foco de atenção está voltado para a criminalidade individual praticada pelas
camadas mais vulneráveis do estrato social, enquanto que os demais delitos
ficam imunes, ocorrendo de fato, contudo não sendo processados pelo sistema
penal. (NEPOMUCENO, 2002, p. 187).
Isso significa
que a mídia e suas mais diversas formas de atuação, acabam por impor às pessoas
toda carga simbólica e parcial que as favorecem, e, portanto, quando consolidam
uma opinião, que de privada passa a ser pública, conjuram um entendimento no
imaginário popular de uma realidade dramatizada e mascarada por interesses, mas
que por outro lado satisfazem o senso comum – o terror social deve ser
solucionado. Por isso,
[...]
os jornais e revistas encontram-se envolvidos em uma luta simbólica pela
definição do mundo social, conforme os interesses das diferentes classes e
frações de classes. Essa ‘luta’ pelo poder é conduzida diretamente ao cotidiano
dos leitores. (BOURDIEU, 1989, p.13).
Essa maneira de
intervir nas questões jurídicas representa um caos no sistema jurídico, e,
sobretudo, demonstra mais enfaticamente a perda de força e de legitimidade, por
si só, do poder que os operadores do Direito deveriam possuir. Exercitando uma
atividade tão intensa, a mídia desfavorece as decisões judiciais, uma vez que
assumem o papel de mitigador de conflitos do caso concreto, levando ao ar,
acontecimentos pontuais e específicos – obviamente, aqueles que causam ameaça à
manutenção de dominação são negados e são exaltados os que reiteram seus
ideais. E, mais do que influenciar as decisões, os meios de comunicação em
massa efetivam o próprio julgamento, que é público, “não se trata aqui de
influenciar um tribunal, senão de realizar diretamente o próprio julgamento” (BATISTA, 2002, p. 286).
Ademais,
o amedrontamento e o consequente populismo punitivo, faz com que o sistema
penal, cada vez mais represente uma agência de seletividade, reprodutora de
criminosos e instigadora da violência. As funções declaradas que incumbiriam o
sistema penal – defesa social, igualdade na aplicação das penas, prevenção geral
e especial, ressocialização do apenado – são meras cartas de intenções, tendo
em vista a sobreposição das funções latentes do dispositivo penal. Logo, a
tutela midiática sobre as questões que importam ao Direito, no que concerne ao
âmbito penal e criminal, faz surgir em nós uma ideia de desproteção e
insegurança frente às autoridades competentes e a noção do crescente aumento da
taxa de encarceramento proporcional ao aumento da violência (premissa
falaciosa). No entanto, os argumentos utilizados – como dados estatísticos
equivocados e sem base científico-objetiva - são simbólicos, irreais e
sensacionalistas. Assim, com medo, a população reproduz a teoria maniqueísta
(bem X mal), a ideia da neutralização e extermínio dos “marginais indesejáveis”
e as opiniões manipuladas e vazias, que legitimam a reprodução da desigualdade,
manutenção do “status quo” e perpetuação do crime em geral.
CONCLUSÃO
Entender as ideologias dominantes no nosso
meio, não é dificuldade para a sociedade “cancerizada” por uma mídia
politicamente unilateral e visivelmente capitalista. E quanto mais audiência e
importância são dadas a esses “vetores das informações” mais contagiada e
estéril fica a motivação jovial do povo para empreender novos pensamentos e
projetos, que elucidariam e apontariam soluções em massa à impiedosa febre
carcerária, responsável por vitimizar corporal e psicologicamente tantos
apenados e suas famílias. As falas imponentes de defesa social, de controle, de
ressocialização, de prevenção contra o “mal”, de retribuição e de igualdade na
pena são funções, em sua essência, esquecidas e ocultas. Logo, imperam-se
outras vias de ação: a despersonalização, a degradação e o extermínio do
recluso.
Diante de todo o citado, buscamos intervir
no imaginário popular sobre a “mão invisível” da imprensa: não se pode
acreditar numa instituição carcerária e penal falida nem mesmo nas influências
punitivistas da comunicação, pois aquela é alimentada pelos sensacionalismos
desta, e, portanto, a legitimação do Sistema Penal só é efetivamente possível
quando consegue – sem muitas dificuldades - o aval populacional, que de tanto
crer em novelas e outros “circos” alienantes, acomodam-se com as falas
heroificadas dos acontecimentos de extermínio e desumanização ao se punir um
estigmatizado social e perturbador da paz.