Polêmica sobre o aborto: análise de casos
O aborto
provocado pela gestante ou com o seu consentimento encontra-se previsto no artigo 124 do Código Penal, da seguinte forma:
"Art. 124 - Provocar
aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três)
anos"
Como visto, o tipo objetivo se divide
em duas partes, sendo que a primeira conduta típica é provocar o aborto, independentemente do meio, interrompendo a
gravidez com a morte do produto da concepção, a qual pode ocorrer no útero ou
fora dele, e a segunda conduta é a de consentir
a gestante no aborto, exigindo-se então a figura do provocador, terceiro que responderá pelo delito na forma
do artigo 126, com pena mais severa,
o que faz dessa segunda parte do delito, um crime cujo concurso de pessoas é
necessário, e não eventual.
Como sujeito ativo do crime de auto-aborto,
tem-se a própria gestante e o sujeito passivo é apenas o feto. Na hipótese de
ser o aborto provocado com o consentimento da gestante, são os sujeitos ativos:
a gestante e o terceiro que participou da realização do aborto. Assim, ocorre o
que a doutrina denomina subjetividade
passiva, uma vez que os sujeitos passivos são o feto e a própria gestante.
Após uma breve explanação acerca do
aborto e a análise sobre os sujeitos desse crime, é possível expandirmos as
considerações. Uma polêmica que surge seria: o aborto admitiria a participação ou
a coautoria? Qual seria a pena adequada para uma ou para outra? O professor, ao
lançar os exemplos a seguir, trouxe a tona essa reflexão.
Exemplo 1: A gestante deseja abortar e seu
marido, além de consentir com a sua atitude, ainda lhe entrega o dinheiro
correspondente para a prática abortiva. Com o valor em mãos, ela segue para uma
clínica clandestina e realiza o aborto. A criança morre, concretizando o tipo
penal.
Exemplo 2: A gestante deseja abortar e seu
marido, além de consentir com a sua atitude, ainda lhe entrega o dinheiro,
acompanha-a até a clínica, entra na sala e é realizada a prática abortiva. A
criança morre, concretizando o tipo penal.
O aborto é crime doloso, que admite
tentativa e ainda crime próprio ou comum quanto ao sujeito, doloso, comissivo
ou omissivo, material de dano, efetivo e instantâneo. Quanto ao concurso de
agentes, a doutrina se divide:
Representando a corrente majoritária, Delmanto (2002, p. 268) diz que: "a
matéria não é pacífica na doutrina, mas entendemos que o partícipe que
meramente auxilia ou encoraja a gestante a consentir estará incurso no artigo
124 e não no art. 126 ou 127, ainda que ela morra ou sofra lesão grave". E
continua dizendo: "quem apenas auxilia a gestante, induzindo, indicando,
instigando, acompanhando, pagando, etc., será co-partícipe do crime do art.
124, não do art. 126 do CP. A coautoria do art. 126 deve ser reservada, apenas
a quem eventualmente auxilie o autor na execução material do aborto".
Já Bitencourt (2003, p. 161), representando
a corrente minoritária, assevera
que: "[...] a mulher que consente no aborto incidirá nas
mesmas penas do auto-aborto, isto é, como se tivesse provocado
o aborto em si mesma, nos termos do art. 124 do CP. A mulher
que consente no próprio aborto, e na seqüência, auxilia
decisivamente nas manobras abortivas pratica um só crime, pois provocar
aborto em sim mesma ou consentir que outrem lho
provoque é crime de ação múltipla ou de conteúdo variado. Quem
provoca o aborto, com o consentimento da gestante, pratica o
crime do art. 126 do mesmo estatuto e não o do art. 124. Assim, por exemplo, o
agente que leva uma amásia à casa da parteira, contrata e paga os seus serviços
é autor do crime tipificado no art. 126, enquanto a amásia, que consentiu,
incorre no art. 124. Enfim, o aborto consentido não admite co-autoria entre o
terceiro e a gestante, constituindo uma das exceções à teoria monística
da ação, que é a consagrada pelo nosso Código Penal. E quem provoca
aborto sem consentimento da gestante incorre nas sanções do artigo 125".
Dessa maneira, considerando a corrente defendida por Delmanto, numa
possível decisão judicial, o juiz deveria, tanto para a resolução do primeiro
exemplo quanto do segundo, defender a ideia de que houve participação,
enquadrando as hipóteses no art. 124, CP e valorar, de forma diferente, as
circunstâncias judiciais, na forma da culpabilidade, resultando, tão-somente, em
penas distintas.
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