Infanticídio em questão: diferença entre estado puerperal e puerpério
O crime de infanticídio, no ordenamento jurídico
brasileiro, está relacionado aos crimes contra a pessoa, mais especificamente
aos crimes contra a vida. Nesse sentido, o artigo 123 do Código Penal,
tipifica: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho,
durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.”
Diante desse cenário, é válido analisar, a luz da
Medicina Legal, a diferença entre puerpério e estado puerperal, indagação
frequente na comunidade científica e nas provas de concurso público no Brasil.
De acordo com o entendimento de CAPEZ (2003), “o estado puerperal, por vezes, pode
acarretar distúrbios psíquicos na genitora, os quais diminuem a sua capacidade
de entendimento ou auto-inibição, levando a eliminar a vida do infante”.Ou
seja, por mais que possa ser relacionado ao crime de homicídio, recebe
tratamento especial, uma vez que existe a associação de elementos
fisiopsicológicos que caracterizam o tipo, nesse caso, o estado puerperal.
Para caracterizar um crime como infanticídio, então, é
necessário que todos os elementos, cumulativamente, sejam preenchidos:
·
Matar o próprio filho;
·
Durante o parto ou logo após;
·
Estar sob influência de estado puerperal.
Necessário pontuar, também, que esse crime tutela a vida
humana, assim como o homicídio. Todavia, diferencia-se pela observação
intrínseca do indivíduo desde o nascimento. Delmanto é feliz ao advertir que:“Se a conduta ocorre antes do nascimento, o
crime será de aborto (CP, arts. 124-128). Se ausente o elemento fisiopatológico
ou temporal, poderá haver homicídio (CP, art. 121).”.
Ainda sobre a consideração do bem jurídico tutelado,
Bitencourt afirma: "O bem jurídico
do crime de infanticídio, a exemplo do homicídio, é a vida humana. Protege-se
aqui a vontade do nascente e do recém-nascido. Comparativamente ao crime de
homicídio apresentam-se duas particularidades: uma em relação aos sujeitos do
crime e outra em relação ao período da vida a que se destina essa proteção
legal.”.
Considerando a importância, já mencionada, em diferenciar
os termos, define-se o puerpério como sendo o período que se inicia no
parto, através das transformações fisiológicas (dequitação placentária), e que
se estende até o retorno à completa normalidade dos órgãos genitais da
parturiente, durando aproximadamente seis semanas. Em outras palavras, “o conjunto dos processos (mecânicos,
fisiológicos e psicológicos) através dos quais o feto a termo ou viável
separa-se do organismo materno a passa ao mundo exterior”.Para Odon Ramos
Maranhão, “Puerpério é o período que se
estende do fim do parto à volta do organismo às condições pré-gravídicas.”.
Jorge de Rezende, traduzindo um conceito médico de
puerpério, esclarece: “Puerpério,
sobreparto ou pós-parto, é o período cronologicamente variável, de âmbito
impreciso, durante o qual se desenrolam todas as manifestações involutivas e de
recuperação da genitália materna havidas após o parto. Há, contemporaneamente,
importantes modificações gerais, que perduram até o retorno do organismo às
condições vigentes antes a prenhez. A relevância e a extensão desses processos
são proporcionais ao vulto das transformações gestativas experimentadas, isto
é, diretamente subordinadas à duração da gravidez.”.
Sobre o estado puerperal, Odon Ramos Maranhão
coloca que “constitui uma situação sui
generis, pois não se trata de uma alienação, nem de uma semi-alienação. Mas
também não se pode dizer que seja uma situação normal.”.
Rogério Greco define estado puerperal como “um critério fisiopsiquíco ou biopsíquico,
no qual se exige a conjugação do estado puerperal, com a influência por ele
exercida no agente. Se não houver essa influência no comportamento da gestante,
o fato deverá ser tratado como homicídio.”.
Parte da jurisprudência vem
entendendo que a influência do estado puerperal na conduta da agente, que mata
o próprio filho após o parto, é presumida. Há entendimento contrário. No caso,
considerando que os fatos não ocorrem logo após o parto, não há como reconhecer
a influência do estado puerperal (SER, 224.577-3/ Barretos, 4ª Câm. Crim. de
Férias ‘Julho/98’, Rel. Passos de Freitas, v.u.,
23/7/1998).
Nucci, lecionando acerca da
definição de estado puerperal e puerpério, indica que este é o período que se
estende do início do parto até a volta da mulher às condições de pré-gravidez.
Já o estado puerperal é o que envolve a parturiente durante a expulsão da criança
do ventre materno. Há profundas alterações psíquicas e físicas, que chegam a
transtornar a mãe, deixando-a sem plenas condições de entender o que está
fazendo.
Por fim, então, entende-se que o “puerpério é o período de tempo entre a dequitação placentária e o
retorno do organismo materno às condições pré- gravídicas”, enquanto o
estado puerperal “seria uma alteração
temporária em mulher previamente sã, com colapso do senso moral e diminuição da
capacidade de entendimento seguida de liberação de instintos, culminando com a
agressão ao próprio filho.”.
Referências:
BITENCOURT,
Cezar Roberto. Tratado de direito penal.
Vol. 2. 3ª ed. São Paulo: Saraiva.
CAPEZ,
Fernando. Curso de direito penal.
Vol. 2. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
COSTA, Pedro
Ivo Augusto Salgado Mendes da.A
problemática do infanticídio enquanto tipo autônomo . Jus Navigandi,
Teresina, ano 11, n. 1508, 18 ago. 2007.
CROCE,
Delton; JR. CROCE, Delton. Manual de
medicina legal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 470/471. 17 GUIMARÃES,
Roberson. op. cit. 18 Idem, ibidem.
DELMANTO,
Celso [et al]. Código penal comentado.
7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
GRECO,
Rogério. Curso de direito penal – Parte
especial. Rio de Janeiro: Impetus, 2007. v. II.
GUIMARÃES,
Roberson. O crime de infanticídio e a
perícia médico-legal. Uma análise crítica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7,
n. 65, maio 2003.
MARANHÃO,
Odon Ramos. Curso básico de medicina
legal. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 181.
NUCCI,
Guilherme de Souza. Código Penal
Comentado - 7ª edição, São Paulo, RT, 2007, pg. 565.
REZENDE,
Jorge de. O puerpério. Et al. (Coord.).
Obstetrícia, p. 373.
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