A ressignificação do saudável a partir de
Nietzsche e Foucault
Para adentramos no teor da pesquisa faz-se
necessário uma breve explicação do que vem a ser saúde em Nietzsche. Este tema
permeia toda a obra do filósofo e é de capital importância, se estendendo de
maneira ampla sobre diversos aspectos, tais como: avaliação, modos de vida,
cultura, dentre outros. A saúde deve ser entendida conforme a dinâmica da
vontade de poder, esta remete a relações de forças e a pluralidade, nunca força
deve ser entendida no singular, sempre no plural, portanto a saúde não se
restringe a um sentido único e generalizante. Sabemos que Nietzsche estava
inserido num período em que houve o ápice pode-se dizer, dos conceitos
normalizantes, grande incidência das técnicas e ciências que criaram o sujeito
normal, saúde nesse contexto significa seguir a regra, não fugir a normalidade.
Foucault coloca que o poder disciplinar cria o sujeito sujeitado, e Nietzsche
quebra com a normalização imposta à ele na medida em que entende a saúde em
outros termos de forma ampla, e no sentido de aumento de potência, numa
atividade de experimentalidade de si. Agora depois de exposto o básico dessa
noção de saúde, adentramos na quebra da ideia patológica do crime com
Sutherland e Howard Becker.
Segundo Sutherland, as
teorias patológicas do crime (que veem o delito através de uma disfunção no
indivíduo) e as ecológicas (na qual o ambiente vai gerar características) não
tem a condição de fazer uma investigação verossímil do delito, pois como
demonstrado pelo autor o contingente carcerário não esta constituído por
pessoas que necessariamente praticaram um ato declarado delituoso e também
deste mesmo grupo esta excluído as pessoas que praticam os delitos de colarinho
branco, mas não são rotulados criminosas. Logo estas pesquisas desenvolvidas no
ambiente carcerário pegam uma amostra seleta de indivíduos o que induz nessas
teorias ao erro. Então Sutherland baseado na ideia de que delito é todo ato
praticado contra a legislação instituída tendo uma sanção estatal e de que o
delinquente é qualquer um que pratique o ato delituoso e não necessariamente o
que recebeu o rotulo (como em Becker); ele constata que existe uma série de delitos
praticados por pessoas das classes médias e alta como pelas corporações, mas
nem chegam a malha do sistema penal ou passam apenas pelo âmbito civil sem
necessariamente adquirirem o rotulo de delinquente os praticantes. O sistema é
seletivo e o delinquente não vai ser constituído por uma disfunção corporal (seja
ela herdada ou constituída pelo ambiente) e sim aquele que ao entrar em contato
e ter comunicação com um grupo praticante de atos delituosos ou que tem uma
concepção distinta daquelas avençadas na lei. Logo se aprende o delito pela
comunicação (teoria da associação diferencial). O mais importante para atentar
na perspectiva de Sutherland, é mostrar que o indivíduo ir para o sistema
prisional não deriva do fato delituoso em si, mas de fatores externos a ele.
Influenciando-se dessa
perspectiva, Howard Becker também efetua uma quebra da concepção
clássica de delito, o desvio. Para isso ele rompe com duas teorias
tradicionais, a estatística e a patológica. A estatística diferencia os normais
dos diferentes, dita que a maioria é o normal, e a teoria patológica que vê o
desviante como doente. Ou seja, se o corpo está com alguma disfunção ele está
doente. O desviante seria o indivíduo com alguma disfunção (anomia).
Quebra também com o funcionalismo que vê a
sociedade como tendo determinados fins a serem alcançados, e que quem descumpre
essas regras é o desviante, ele se formando nessa perspectiva, numa disfunção
social (anomie). Quando algum órgão não cumpre o seu papel de maneira efetiva,
ou seja, essa teoria é determinista, acredita que a sociedade é que forma o
indivíduo.
Essa ruptura da ideia de anomie e anomia é
feita por Gilberto Velho, podendo-se dizer que a sua teoria e a de Becker são
complementares.
Becker coloca que o desvio é algo criado, e o
outsider vai ser aquele estigmatizado como tal. A sociedade é composta por
diversos grupos que estão em conflito impondo o que é desviante, ou seja, é uma
questão política, luta de perspectivas. Aquele que é considerado outsider é
apenas um agente político, com outro ponto de vista. Desta feita, aqui não se
trata de forma alguma de um possível relativismo, pois estamos falando de
relações de forças onde um grupo impõe ao outro a sua forma de ver e entender
os fatos, isso é perspectivismo. Como
bem coloca o próprio Foucault, a sociedade não é um todo homogênio. O desviante
se torna assim a partir do momento que é julgado, ele é desviante quando é
estigmatizado.
Becker e Sutherland rompem com a visão do
delito como um fato em si, pois ele é criado e como mostra Becker ele vai ser
posto como tal pelo julgamento, e como mostrou Sutherland o rotulamento se dá
mais por questão de status social, as pessoas com menor poder aquisitivo são as
mais abarcadas pelo sistema penal. Portanto, eles quebram com a visão
patologizante quando desessencializam o desvio.
Apesar de Becker e Sutherland terem feito um
avanço na teoria criminológica tradicional, a quebra da ideia patológica do
desvio, eles não colocaram uma alternativa de saúde, ou seja, se não se pode
analisar o desvio em análises patológicas, o que é a saúde? O que é o doentio?
Para abrir e trazer a baila essa discussão adentramos nas teorias de Nietzsche
e Foucault. O poder disciplinar cria o sujeito sujeitado, normalizado, quando isso se pauta em um paradigma da vida estarmos diante
da biopolítica, onde fazer viver mais e de determinada forma passa a ser
atividade do governo e exercício do poder. Essas formas de governar acabam
junto com a poder disciplinar e geram as bases para uma ótica patológica do
delito. Sendo os indivíduos delituosos anormais devendo ser tratados e em
certos casos até eliminados. Mas, quando falamos em relação de forças e relação de poder,
estamos falando necessariamente de resistência, já que a força não pode ser
pensada no singular. Portanto, pode-se dizer que o que Nietzsche e Foucault
trazem as claras é justamente o que Deleuze bem coloca, de dobra da linha de
força, a possibilidade de romper com a forma imposta de normalização e criar a
partir disso novas formas de vida. Vemos, portanto, que a delinquência e a
doença, são tratadas como essencialidades, daí a importância de uma análise
mais aprofundada do que vem a ser saúde, que deve ser entendida como
pluralidade, e não como um conceito fechado.
O trabalho foi apresentado no Primeiro Encontro Internacional de Estudos Foucaultianos: governamentalidade e segurança, da Universidade Federal da Paraíba. E o artigo é em Co-autoria com o Prof. Stefano.
O trabalho foi apresentado no Primeiro Encontro Internacional de Estudos Foucaultianos: governamentalidade e segurança, da Universidade Federal da Paraíba. E o artigo é em Co-autoria com o Prof. Stefano.
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