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domingo, 2 de outubro de 2011

Espaço do docente - Elpídio Donizetti

Um consolo para o abandonado: usucapião do lar desfeito


Elpídio Donizetti é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/MG e Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa. Professor de Direito Processual Civil no Instituto Universitário Brasileiro, Palestrante, autor de diversas obras jurídicas e integrante da comissão de juristas responsáveis pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil.


O texto abaixo está circulando pela internet. É uma interessante matéria sobre o usucapião do lar proposto pelo cônjuge abandonado:


A Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011, acrescentou o art. 1240-A ao Código Civil, criando nova modalidade de usucapião, a qual os juristas vêm denominando “usucapião especial por abandono do lar”, “usucapião familiar” ou, ainda, “usucapião conjugal”.

Em virtude dessa lei, aquele (homem ou mulher) que “exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m2 cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”

Trocando em miúdos, o marido ou a mulher que abandonar o lar conjugal, perde a sua cota parte do imóvel residencial, desde que se enquadre na situação descrita na lei; em contrapartida, o que ficou na casa, adquire a integralidade do bem.

A concretude auxilia na compreensão. Marido e mulher possuem um imóvel de morada (casa ou apartamento na cidade) de até 250 m2, pouco importa se adquirido com economia de ambos ou se o condomínio se formou em decorrência de união estável ou do regime de bens do casamento. O marido se engraçou por uma moçoila e foi viver esse novo amor nas ilhas Maldívias, ficando mais de dois anos sem querer saber notícias do mundo, muito menos da Ex.

Resultado da aventura: se a mulher continuou a morar na casa e não era proprietária de outro imóvel urbano ou rural, adquire a totalidade do bem por usucapião. Para ver o seu direito reconhecido, basta ingressar na justiça e provar os requisitos legais. O que não vai faltar é testemunha com dor de cotovelos para dizer que o marido era um crápula. Esse direito, por óbvio, também pode ser reconhecido ao marido abandonado, cuja mulher se envolveu com um bombeiro. E, nesses tempos de casamento ou união estável entre pessoas do mesmo sexo, ao homem abandonado pelo seu homem e à mulher abandonada pela outra.

Em regra, da análise da lei, extraem-se o seu fundamento e o seu alcance ou finalidade. É o que, a grosso modo, em hermenêutica, denomina-se ratio legis.

As diversas modalidades de usucapião previstas no Código Civil tem como fundamento, como justificativa para a perda da propriedade pelo usucapido e conseqüente aquisição pelo usucapiente, a utilidade social da propriedade.

No caso da usucapião pelo abandono do lar, entretanto, não se enxerga a razão, tampouco a finalidade que levou o legislador a inserir o art. 1240-A no Código Civil.

Trata-se de um Frankestein que surge no meio de uma lei instituidora do programa “Minha Casa, Minha Vida”, que tem por finalidade a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas e a construção de casas para famílias de baixa renda.

As leis, embora visem ao bem comum, às vezes, por descompromisso do legislador com a realidade sobre a qual atua, acabam apenas provocando o mal de todos. É o que, a meu ver, ocorre com a usucapião por abandono do lar, que vai atazanar a vida de quem abandona e de quem é abandonado. Mais proveitoso seria que o legislador, em vez de perder tempo com o acréscimo desse dispositivo ao Código Civil, engrossando a inflação legislativa, tivesse tirado férias – de no mínimo um ano -, ainda que com dinheiro público, numa ilha paradisíaca, para refletir sobre a utilidade das inúmeras leis já existentes.

De minha parte, só vislumbro malefícios nessa modalidade de usucapião. Explico. O requisito nuclear da aquisição da propriedade pelo ex-cônjuge que permanece no imóvel é o abandono do lar pelo outro. Abandono do lar pressupõe culpa ou, no mínimo, falta de motivo justificado para não mais morar sob o mesmo teto. Exemplificativamente, para não perder parte do imóvel, o homem vai ter que provar que saiu de casa porque não mais agüentava as ranzinzices da mulher e esta, por sua vez, vai ter que demonstrar que, cansada de sofrer agressões físicas e psicológicas, resolveu deixar o traste para trás.

O fato é que essa esdrúxula modalidade de usucapião vai ensejar o revolvimento de antigas e dolorosas feridas, tudo no afã de demonstrar que o “meu inferno é o outro”. Estamos assistindo ao retorno do ingrediente denominado culpa, o qual foi abolido da indigesta receita das separações conjugais pela recente EC 66/2010.

A propósito, a principiologia constitucional, na qual se assentam as múltiplas possibilidades de uniões afetivas, sejam casamentos ou uniões estáveis, é informada pelo afeto, o que não se coaduna com qualquer perquirição acerca da culpa. Nessa linha, não se descarta a inconstitucionalidade do novel art. 1241-A. Mas essa é uma questão cujo enfrentamento relego para os institutos especializados dos Direitos das Famílias.

Atento ao desatino do legislador, no afã de preservar o seu quinhão no imóvel, de duas uma: ou o cônjuge, mesmo diante da insuportabilidade da vida em comum, continua morando sob o mesmo teto, com desastrosas e conhecidas conseqüências para os conviventes e sobretudo para os filhos, ou antes de juntar suas trouxas, providencia a separação de direito - o que descaracteriza o famigerado abandono -, com a conseqüente divisão do imóvel.

Se o intuito do legislador, que a todo custo quer mostrar para a população que algo está sendo feito, nem que sejam leis abestalhadas, foi punir quem abandonou o lar, possivelmente não alcançará o objetivo. Se o intuito foi proteger o abandonado, o tiro sairá pela culatra. Isso porque se a opção do cônjuge prevenido for se afastar do outro, dará um jeito de vender o imóvel, colocar os trocados no bolso e sair em busca da felicidade, hipótese em que o abandonado, sem casa, de imediato cairá no olho da rua.

Interessante que o legislador não se preocupou com a sorte de quem foi abandonado num casebre na zona rural. Essa pessoa, abandonada pela sorte e pelo cônjuge, também o foi pelo legislador, que não se dignou em lhe conferir a prerrogativa de aquisição da pequena área de terras onde mora. Dois pesos e duas medidas.

Por todos os ângulos que esquadrinhei a usucapião por abandono do lar, o que pude divisar é que o autor ou autora da idéia que resultou no acréscimo do art. 1240-A ao Código Civil é uma pessoa citatina, rancorosa e amargurada. Por certo foi abandonada pelo cônjuge ou companheiro e assim, via legislador, que tem os olhos exclusivamente voltados para o fisiologismo e a próxima eleição, buscou um consolo para a ruptura da vida conjugal: a perda da propriedade pelo cônjuge ou companheiro.

Bem, se não logrei êxito na procura da ratio legis, pelo menos ofereço um consolo aos meus atentos leitores. Consegui estabelecer o diagnóstico do mal que aflige o mentor ou mentora desta malsinada usucapião por abandono do lar, a qual não tem cara de Senador ou de Deputado - homens e mulheres aquinhoados pela sorte e por isso de bem com a vida -, mas sim de alguma pessoa amargurada, que se casou com o Direito, que só estuda Direito e que, por isso mesmo, não sabe nada direito; é apedeuta em relações afetivas. A essas pessoas, não importa ganhar, querem apenas que o outro perca. Ainda que seja parte do imóvel adquirido com o esforço comum. Que Deus nos livre dos agoureiros.

Espaço do Docente - Roberto Paulino

Sobre o abandono no usucapião familiar


Professor Roberto Paulino é Professor Adjunto de Direito Civil da Faculdade de Direito do Recife, Professor Assistente do Curso de Direito da UNICAP, Doutor em Direito - UFPE. Advogado.

A Lei 12.424 de 2011, que trata do programa de habitação popular Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, foi também responsável pela inclusão no sistema jurídico brasileiro de um novo suporte fático de usucapião. A modalidade, que se pode chamar de usucapião familiar, foi regulada da seguinte forma:

“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”

Os requisitos para a aquisição da propriedade são, portanto, os seguintes: (a) exercício sobre o imóvel de posse própria, contínua e ininterrupta, por dois anos; (b) extensão do imóvel não superior a 250m2; (c) que o imóvel estivesse, antes da aquisição por usucapião, sob a propriedade conjunta do usucapiente e de seu cônjuge ou companheiro, aqui subentendidos os homoafetivos; (d) que não seja o usucapiente proprietário de outro bem imóvel; por fim, (e) que o usucapiente tenha passado a possuir o imóvel comum com exclusividade, nele tendo sua residência, após o abandono do cônjuge ou companheiro.

A regra suscita uma série de dúvidas e está, por certo, destinada a ser polêmica. Sua utilidade e conveniência no plano da política legislativa devem ser examinadas com um grão de sal, dada a exigüidade do prazo e o discutível papel que desempenhará na divisão do patrimônio conjugal após o término da convivência. Este texto, entretanto, não assumirá o dever de analisar todas estas questões, propondo-se apenas a alertar o leitor para uma dificuldade essencial da interpretação do instituto: o sentido e alcance da expressão abandono no suporte fático do art. 1240-A.

Abandono do lar, em direito privado, é expressão que tradicionalmente remete à apuração de culpa na dissolução conjugal. Assim o é porque o abandono, às vistas do direito de família clássico liberal, consiste em violação voluntária do dever de vida em comum no domicílio conjugal – ato jurídico stricto sensu ilícito, portanto. Por tal razão, o Código Civil de 1916 considerava-o como causa suficiente para o desquite (art. 317, IV, frisando o caráter voluntário) e o Código de 2002 manteve a mesma previsão para a separação judicial (art. 1.572 e 1.573, IV).

Há, porém, bastantes motivos para concluir que o art. 1.240-A incida sem reclamar a prova da culpa daquele que se retira do imóvel conjunto no momento da ruptura familiar. xEm que pese o anacronismo do Código Civil de 2002, que continuou a exigir o exame da motivação dos cônjuges para dissolver o casamento, a jurisprudência brasileira havia excluído tal consideração há tempo.

As causas e os prazos para obtenção da separação judicial como requisito preliminar ao divórcio são uma herança do tortuoso processo legislativo que precedeu a Emenda Constitucional nº 9 e a Lei 6.515/77. Diante da disputa entre divorcistas e anti-divorcistas no parlamento, com a vitória dos primeiros a solução foi estabelecer exigências que dificultassem a obtenção do divórcio, entre as quais a alegação e prova da culpa.

A justificativa da paulatina proscrição das causas culposas, que se deu depois de 1988 na prática forense, é conhecida: na concretude dos casos, dificilmente é possível identificar um único culpado pelo fim do casamento. Se o processo se propõe a realizar tal perigosa redução de complexidade, ainda terá de impor ônus que beira a exigência de diabolica probatio. Ademais, como se já não se tivesse inconvenientes em demasia, a privacidade do casal é gravemente invadida pela desnecessária exposição de sua intimidade nos autos.

Por isso, é natural a exclusão jurisprudencial da culpa, que nem mesmo o Código de 2002 conseguiu reverter. Após a Emenda Constitucional nº 66 de 2010, que para a maior parte da doutrina extinguiu a separação judicial, essa exclusão só tende a se consolidar.

Se o direito de família conseguiu evoluir no sentido de objetivar o direito ao divórcio como expressão da legítima autonomia dos cônjuges de não permanecerem casados e não ter de submeter ao Estado as razões pelas quais não desejam fazê-lo, não há como exigir que o art. 1.240-A se lastreie no abandono intencional culposo.

Uma interpretação sistêmica exige, não há dúvida, que o novo usucapião familiar esteja em consonância com a disciplina que o direito de família imprime ao divórcio. Trata-se, afinal, de uma regra acerca do patrimônio comum no momento da dissolução conjugal. Compreender o contrário implica trazer de volta a subjetividade da culpa para o processo de família, além de criar uma distinção de tratamento de difícil solução, já que o suporte fático abrange a união estável e nesta nunca houve tal exame.

Daí a conclusão de que a menção ao abandono deve ser compreendida como indicativa de separação de fato, caracterizando-se a fluência do prazo para o usucapião a partir do momento em que cessam a convivência e a composse.

Nos termos da teoria do fato jurídico de Pontes de Miranda, trata-se de ato-fato jurídico lícito, abstraindo o suporte fático da intenção e mesmo da ilicitude, uma vez que todo cônjuge ou companheiro que se separa de fato pratica exercício regular de direito. O usucapiente pode, inclusive, ser o culpado pela separação nos termos da teoria clássica do direito de família, e ainda assim o prazo terá início.

A solução proposta, tão polêmica quanto qualquer outra que à questão se empreste, traz em seu conteúdo duas vantagens. A uma, harmoniza o usucapião familiar com o sistema do divórcio, e, a duas, evita que a culpa seja reintroduzida em perigoso movimento que pode comprometer a atual liberdade de dissolução das entidades familiares sem intervenção estatal. Parece melhor que assim seja, dado que aos juízes, como um dia já se disse dos cavaleiros andantes, “no les toca ni atañe averiguar si los afligidos, encadenados y opresos que encuentran por los caminos van de aquella manera por sus culpas o por sus gracias (...)”. (Cervantes, Don Quijote de la Mancha, primera parte, capítulo XXX)

domingo, 18 de setembro de 2011

Espaço do acadêmico - Monitora Jessica Lima - Concurso de pessoas

Concurso de pessoas



Marcelo manda Silvio aplicar uma pequena surra em Alfredo para ele saber quem mandava no bairro. Silvio se excede e causa deformidade permanente em Alfredo. Foi provado no inquérito que a ordem limitou-se à pequena surra. Pergunta-se: Marcelo responde em concurso por lesão corporal gravíssima que não desejava ou lesão corporal leve que não aconteceu?

A partir do caso prático exposto acima pode-se avaliar a ocorrência de concurso de pessoas na consecução do crime, além dos crimes de lesão corporal leve e lesão corporal gravíssima (segundo a doutrina). O código penal brasileiro adota a teoria monística ou unitária para discutir se a conduta praticada consiste em um ou vários crimes, tal teoria afirma, segundo Cezar Roberto Bittencourt, que “todo aquele que concorre para o crime causa-o em sua totalidade e por ele responde integralmente”, assim autor e partícipe serão punidos com a mesma pena, contudo existem as exceções contidas no § 1º e § 2º.

Para ocorrer concurso de pessoas alguns requisitos devem ser observados, como a presença do elemento subjetivo, que consiste na consciência e vontade de participar na ação comum e do elemento material, que está presente quando há uma contribuição causal física, puramente objetiva. Também deve estar presente a pluralidade de participantes e condutas que consiste na presença de mais de uma pessoa para a execução de um crime e apesar dos participantes apresentarem o desejo de contribuir não devem agir, necessariamente, da mesma maneira e diante das mesmas condições. A relevância causal de cada conduta é outro requisito, em que a conduta típica ou atípica de cada participante deve ser integrada às causas que determinam a ocorrência de determinado resultado. O vínculo subjetivo entre os participantes é um liame psicológico entre eles, assim o simples conhecimento ou a concordância psicológica não se enquadram nesse requisito, caracterizam uma conivência que apenas será punível se der contribuição causal. Por fim tem-se como requisito necessário para o concurso eventual de agentes a identidade de infração penal, que consiste na prática de algo juridicamente unitário para que possa ser atribuído a todos que participaram.

Há três teorias acerca da autoria e conceito de partícipe: restritiva, extensiva e do domínio do fato. A teoria adotada pelo código penal a respeito do tema é a teoria restritiva, art.29, para a qual autor é aquele que realiza a conduta no tipo penal, sendo partícipe todo aquele que concorre para o delito induzindo, instigando ou auxiliando materialmente o autor -participando moral ou material- sem praticar, todavia ato executório. Por esta teoria, mandante de crime e autor intelectual não são propriamente autores, mas partícipes, pois não realizam diretamente a conduta tipificada no CP.

Além disso, a doutrina e jurisprudência entendem que deve ser utilizada a teoria do domínio do fato, que considera autor aquele que tem o domínio do controle final do fato (o mandante e o autor intelectual tem o controle do fato). Essa teoria considera também considera como autor quem domina toda a realização delituosa com totais poderes para decidir sobre a prática, interrupção e circunstância. Adotada a teoria do domínio do fato mandante e autor intelectual são autores e não partícipes. Assim pela teoria restritiva do CP, Marcelo é considerado partícipe, pois não realiza o tipo penal, apenas induz Silvio a fazer. Já pela teoria do domínio do fato Marcelo é autor, pois tem domínio sobre a prática, interrupção e circunstância.

Com a presença dos requisitos, conclui-se que, no caso prático exposto, Marcelo e Silvio concorrem na prática do crime em concurso de pessoas codificado no art. 29 do CP, basta saber agora por qual crime Marcelo será penalmente responsabilizado, pelo crime de lesão corporal leve (art. 129, caput) ou lesão corporal grave (art. 129, § 2º, IV) que foi o crime que realmente ocorreu.

A Marcelo será aplicada a pena de lesão corporal leve (art. 129, caput), pois quis participar do crime menos grave, cuja pena poderá ser aumentada até a metade se o resultado decorrente da conduta de Silvio for previsível, de acordo com o art. 29, § 2º. Silvio irá responder pelo crime de lesão corporal grave, tipificado no art. 129, § 2º, IV.

Espaço do acadêmico - Camila Ferreira - Concurso de pessoas

Concurso de pessoas



Questão: Marcelo manda Sylvio aplicar uma pequena surra em Alfredo para ele saber quem mandava no bairro. Sylvio se excede e causa deformidade permanente em Alfredo. Foi provocado no inquérito que a ordem limitou-se à “pequena surra”. Marcelo responde em concurso por lesões gravíssimas que não desejava ou por lesões corporais leves que não aconteceram? Para podermos analisar corretamente este fato, é necessário que antes voltemo-nos a assuntos passados, já vistos pela cadeira de Direito Penal II.

O primeiro assunto a analisarmos brevemente é o chamado concurso de pessoas tipificado em nosso Código Penal, no artigo 29,30 e 31, e conceituado segundo Mirabete, como a ciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na mesma infração penal. De acordo com o Código Penal atual, adepto da teoria monista, todos aqueles que concorrem para o mesmo crime, respondem por este conforme a sua culpabilidade. Além disso, ao observarmos o parágrafo segundo do artigo 29, nos deparamos com a chamada cooperação dolosamente distinta, a qual se caracteriza como um desvio subjetivo de conduta do autor material, ou seja, do autor que executa o crime.

Além deste assunto, é preciso ressuscitar a teoria do Domínio do fato, que versa sobre a questão da autoria e é atualmente adotada pelo Direito Penal brasileiro. Segundo esta, o autor é aquele que possui o controle final do fato, isto é, é quem tem o poder decisivo sobre a execução e consumação do crime. Não possuindo o domínio do fato, este não será autor, e sim, partícipe.

Voltando agora para o caso, observamos claramente, estarmos diante da hipótese de concurso de pessoas, no qual existe um desvio subjetivo de conduta, ou seja, estamos diante de um caso de cooperação dolosamente distinta.

Marcelo, inicialmente era tido como autor intelectual, o mandante, pois planejou o crime e mandou Sylvio, autor material, executá-lo. Entretanto, durante a execução do tipo, Sylvio excedeu-se, causando assim consequências que não foram pretendidas por Marcelo. Então conforme o parágrafo segundo do citado artigo, Marcelo, que quis participar de crime menos grave, ou seja, pelo crime de lesão corporal leve, responderá por este, isto é, será aplicada a pena regulamentada pelo artigo 129, caput, do Código Penal. Entretanto, a sua pena será majorada no caso de previsibilidade, ou seja, se a conduta não desejada praticada por Sylvio fosse previsível por Marcelo, este deverá ter a sua pena aumentada até a metade.

Sylvio, que executou a conduta típica, inicialmente planejada por Marcelo, responderá por crime de lesão corporal gravíssima, o mesmo tipificado pelo artigo 129, parágrafo segundo, inciso IV do Código Penal, pois deste resultou debilidade permanente.

Sylvio será considerado como autor do crime de lesão corporal gravíssima, pois ele possui o poder sobre a execução da conduta típica. Já Marcelo será tido como partícipe, mesmo inicialmente tendo sido autor intelectual, pois no momento da realização do tipo, este não possuía mais o domínio do fato.

Espaço do acadêmico - Luciana Vasconcelos

Compreensão da presença das elementares no direito penal

Um crime possui requisitos genéricos e específicos que o compõe, os genéricos são formados pela conduta típica, ou seja, aquela que é descrita em lei, por um fato antijurídico, contrário, pois, ao Direito e, além desses elementos a atitude deve ser culpável, isentando com isso casos em que há o estado de necessidade e a legítima defesa; já os específicos são caracterizados pelas elementares do crime, que são, na verdade, a maneira com que o crime é praticado, tendo como consequência o seu aumento ou diminuição.

As elementares fazem parte do tipo penal descrito em lei, logo, o crime só será praticado se houver esse elemento constituidor do crime. São exemplos de elementares, o crime de infanticídio que só pode ser praticado pela mãe quando estiver no estado puerperal e o crime funcional que só pode ser cometido pelo funcionário público e não por terceiro. O resultado do crime, segundo o art. 13 só será imputável por quem o tenha lhe dado causa, sendo assim seria impossível alguém que não seja funcionário público praticar o crime funcional.

Porém, há divergência dos doutrinadores quanto à influência da elementar atingir a um terceiro que estava de acordo (consciente) com os fatos cometidos e, inclusive, das condições pessoais nele envolvidas. Os juristas que raciocinam dessa maneira levam em conta a positividade das leis e não os efeitos por ela produzidos, assim, proferem o art. 29 do Código Penal “Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” e o art. 30 do mesmo código diz que “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. Logo, quem auxiliasse uma mulher quando esta estivesse no estado puerperal, a matar o seu bebê, responderia, pois, como se estivesse no mesmo estado.

Essa linha de interpretação deve ser feita levando-se em conta o bem que está sendo tutelado, no caso da mãe no estado puerperal é causa de diminuição de pena, não podendo com isso atingir um terceiro que não esteja sob efeito e emoção desse estado, além de que, o bem tutelado nessa situação é a vida, bem maior do Direito. Porém a doutrina é unânime em relação à situação do funcionário público, pois o crime praticado pelo funcionário público é mais grave do que o de peculato, logo, se o terceiro sabe do cargo funcional do seu parceiro e assume o risco, cometendo crime contra a administração pública, responderá como crime funcional, pois, o bem tutelado estará mais bem protegido. Não devemos ter uma visão pragmática acerca do Direito, deve-se, pois, analisar os casos de acordo com as situações concretas para não darmos margens a interpretações injustas e geradoras de insegurança para a sociedade como um todo.


Referências Bibliográficas:

JORGE, Mário Helton. A quantificação da pena em face das circunstâncias. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/5095/a-quantificacao-da-pena-em-face-das-circunstancias
 .
JÚNIOR, José Caetano Baptista. A Comunicabilidade das elementares pessoais no crime de infanticídio e nos crimes funcionais. Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/view/453/446
 .
TOSCANO, Fernando. O Crime - Características, requisitos, elementos e circunstâncias Ilícito penal e Ilícito civil. Disponível em: 

Espaço do acadêmico - Nicolle de Menezes Lima Correia - Infanticídio

Infanticídio: concurso de pessoas



 

O crime de infanticídio encontra-se descrito no art. 123 do CP: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após.” Há dois critérios que fundamentam o infanticídio: psicológico e fisiológico. O psicológico pretende se justificar no desejo de preservar a hora pessoal. O fisiológico admite a influência do estado puerperal. Entende-se por estado puerperal a alteração do psiquismo da mulher dita normal. Ou seja, tal estado existe sempre, mas nem sempre produz pertubações emocionais que podem levar a mão a matar o próprio filho.



É fundamental a relação de causalidade entre o estado puerperal e a ação delituosa praticada; esta tem de ser consequência daquela,caso contrário,a morte praticada se enquadrará na figura típica do homicídio (art. 121, CP). Mas, e quando terceiro realiza o verbo típico ou concorre para a prática do crime? O terceiro é autor ou partícipe de infanticídio ou homicídio? Trata-se de crime próprio, que exige determinada qualidade de condição pessoal do agente. No caso do infanticídio, condição natural, logo somente a mãe pode ser sujeito ativo, desde que se encontre sob influência do estado puerperal. Entretanto, essa qualificação doutrinária não afasta a possibilidade de concorrência delituosa.



Diz o art. 29, “caput”, 1ª parte do CP: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas.” Dessa forma, quem concorrer para a prática do infanticídio, por este responderá, ainda que o estado puerperal seja elementar personalíssima do tipo legal.



Porém, não há uma solução pacífica. A discussão maior se dá em relação à comunicabilidade da elementar: “influência do estado puerperal”, nos termos do art. 30, CP: “Não se comunica as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. Sendo o elemento típico transmitido ao terceiro, responde-se por infanticídio. Caso contrário, por homicídio.



No Brasil, adota-se a teoria unitária ou monista, onde não há distinção no concurso de pessoas entre autor e partícipe, instigação e cumplicidade. Todo aquele que concorre para o crime causa-o em sua totalidade e por ele responde integralmente. O crime é o resultado da conduta de cada um e de todos, único e indivisível.



A reforma penal de 1984 mantém a teoria monística. Adota, porém, a teoria restritiva do autor,fazendo perfeita distinção entre autor e partícipe, que, abstratamente, incorrem na mesma pena cominada ao crime que praticarem,mas que concretamente variará,segundo a culpabilidade de cada participante. Assim, é bastante divergente a questão do concurso de pessoas no tocante ao infanticídio. Por um lado, o Código Penal brasileiro adota a teoria monista, por outro, há a mitigação de tal teoria no próprio art. 29, CP.



Particularmente, acredito que já se passou a hora de uma revisão na letra da lei. Em face da toeria monista e das exceções pluralista que esta contém, tal situação (partícipe de infanticídio) deveria ser analisada com mais rigor. Já que se aceita o estado puerperal como uma forma de atenuar o delito, o partícipe da conduta materna ou mesmo o autor, tem o dolo,estando livre de qualquer alteração psíquica que tal estado resulta durante a prática do crime.





Espaço do acadêmico - Marcela Buarque

Elementares do Crime

Para uma melhor compreensão das elementares do crime, é necessária uma breve explanação sobre tipo penal. Tipo penal é uma descrição abstrata de uma conduta, pois o ser humano pratica condutas que violam bens jurídicos e o estado através das normas penais tenta tutelá-los. São modelos de comportamentos vedados pelo direito penal, transformados em crime e cuja prática é considerada ilícita.

Segundo Bittencourt, “tipo é o conjunto dos elementos do fato punível descrito na lei penal. O tipo exerce uma função limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente relevantes. É uma construção que surge da imaginação do legislador, que descreve legalmente as ações que considera, em tese, delitivas. Tipo é um modelo abstrato que descreve um comportamento proibido. Cada tipo possui características e elementos próprios que os distinguem uns dos outros, tornando-os especiais, no sentido de serem inconfundíveis, inadmitindo-se a adequação de uma conduta que não lhes corresponda perfeitamente”.

Se tais fatos são considerados puníveis, suas prática são consideradas, quase sempre, antijurídicas. Quando o fato praticado pelo agente esta em conformidade com o que abstrativamente descreve a lei, tem se a tipicidade.

As elementares do tipo penal:
Sendo o tipo, o modelo legal da conduta proibida. Os elementos são os componentes, que integram o tipo penal incriminador. Ou seja, os atos do agente criminoso necessários para caracterizar o delito e que têm que se exteriorizar a fim de que ele possa ser responsabilizado penalmente.

Vale destacar os componentes subjetivos e objetivos:

- Os objetivos, dizem respeito ao fato em si, não sendo relevante a vontade do agente. Subdivide-se em descritivos e normativos.

- Os elementos descritivos são os componentes do tipo passiveis de reconhecimento por juízos de realidade, facilmente perceptíveis pela simples constatação sensorial. Tem-se como exemplo o estudo do crime de homicídio, composto integralmente por elementos descritivos. ”matar”-é eliminar a vida; ”alguém”-é a pessoa humana.

- Os elementos normativos: são os componentes não perceptíveis aos sentidos, para notar-se sua presença é necessário fazer-se um juízo de valor sobre o fato. É desse juízo de valor que resultará a conclusão sobre estar ou não presente o elemento do tipo. Exemplo: quando se analisa o crime de ato obsceno (art. 233, CP).

“Ato obsceno: praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena-detenção, de 3(três) meses a (um) ano,ou multa.”

Na análise deste artigo, percebe-se que é passível nitidamente de uma valoração cultural, demonstrando tratar-se de um elemento normativo do tipo penal. Pois, trata-se de um conceito mutável com o passar do tempo e localidade.

Os elementos subjetivos do tipo penal, devem ser procurados no psicológico do autor do crime. Estão relacionados com a vontade do agente (culpa ou dolo). Analise de questões do tipo: meta que o agente deseja obter com a prática da conduta inscrita no núcleo do tipo, estado de consciência do agente, entre outras. Os subjetivos específicos estão relacionados com os tipos penais que necessitam, expressamente, finalidades especificas por parte do autor do crime, do contrário não se realizam.

As elementares do crime do crime de infanticídio (art.123, CP), segundo doutrinas, são:

Matar: o verbo matar significa a eliminação da vida humana extra-uterina provocada por outra pessoa;

O próprio filho: é o descendente da agente criminosa. A esse tipo de crime não se aplicarão as agravantes genéricas de crime cometido contra descendente ou contra criança (art. 61, II, alíneas “e” e “h”, do Código Penal brasileiro) porque o fato de ser o crime cometido contra descendente já é elementar do tipo penal infanticídio. Caso fosse aplicada alguma das referidas agravantes a esse crime, haveria bis in idem;

Sob a influência do estado puerperal: segundo A. Almeida Júnior e J. B. O. Costa Jr. (1977, p.381 e 382), no estado puerperal se incluem:

[...] os casos em que a mulher, mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstétrico, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem a sofrer um colapso do senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho. De um lado, nem alienação mental, nem semi-alienação (casos estes já regulados genericamente pelo Código). De outro, tampouco a frieza de cálculo, a ausência de emoção, a pura crueldade (que caracterizariam, então, o homicídio). Mas a situação intermédia, podemos dizer até normal, da mulher que, sob o trauma da parturição e dominada por elementos psicológicos peculiares, se defronta com o produto talvez não desejado, e temido, de suas entranhas. -para se chegar a essa conclusão é preciso uma avaliação médica, sendo este um elemento objetivo normativo.

Espaço do acadêmico - Natália Lobo Mota

Omissão em caso de suicídio


"A" está doente e piora com o passar dos dias. "B" vendo-a nessa situação e sabendo que há uma arma munida numa gaveta ao lado da cama de "A", não esconde tal arma com a qual "A" usará para dar fim à sua própria vida.

Na situação acima descrita, "B" terá alguma responsabilidade sob a ótica do Direito Penal?

A situação hipotética nos leva à seguinte pergunta: É possível participação por omissão num suicídio? Os doutrinadores¹ divergem e isso se deve à interpretação do artigo 122 no que tange à palavra auxílio. A corrente majoritária, entretanto, entende que é possível haver a participação por omissão no suicídio. Essa omissão, vale dizer, deve se enquadrar entre as hipóteses previstas no art. 13, § 2º, quais sejam as omissões penalmente relevantes: quem tem por lei obrigação de cuidado, proteção e vigilância; quem de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; quem, com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Exemplos clássicos na doutrina são os seguintes: Se um preso faz greve de fome e o administrador do estabelecimento prisional se mantém inerte, considera-se que houve uma instigação, uma anuência por parte deste com a posterior morte do preso. Ora, o administrador tem o dever de agir. Se ele se omite e o preso morre, ele será responsabilizado penalmente. Outro exemplo: filha chega em casa chorando porque terminou o noivado e dizendo que vai se matar, e o pai não faz nada. Se ela se matar, o pai vai responder por participação em suicídio por omissão, porque tinha o dever legal de impedir.

Conclui-se, portanto, que para a existência de participação por omissão no suicídio é pressuposto fundamental que a omissão seja imprópria. Entre a omissão e a conduta do suicida deve haver, inequivocamente, uma relação de causalidade.

Outro aspecto que merece destaque é o elemento subjetivo por parte do agente ativo já que o artigo 122, em foco, não admite a forma culposa. Aquele que instiga, induz ou auxilia deve ter o querer voltado para a morte consciente e voluntária do suicida. E isso, acrescente-se, vale tanto para a participação comissiva quanto para a participação omissiva do sujeito ativo. Ele quer a morte da vítima, mas age no sentido de fazer com que ela mesma se mate.

No caso em análise, entendo que a conduta reiterada de B, que durante as visitas a A abria a gaveta e constatava a presença da arma, é exemplo de sua vontade voltada para o fim de A. Fica nítido que a preocupação de B com a arma na gaveta ( o que se constata pelo fato de B sempre abri-la quando ia visitar A) constitui um auxílio material indireto.

Nesse sentido, B haveria de ser responsabilizado tal qual dispõe o artigo 122 por ter auxiliado A ao suicídio cabendo-lhe a pena de reclusão de 2 a 6 anos.
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¹ Damásio de Jesus. Código Penal anotado, p. 323 e Frederico Marques. Curso de direito penal, p. 130, entendem que não há o auxilio por omissão pois a expressão prestar auxílio é indicativa da conduta de franca atividade, ou seja, sempre comissiva.
Segundo Aníbal Bruno, que escreve sob a vigência da antiga Parte Geral do Código, a resposta é positiva, em termos de auxílio, desde que preexista “relação de direito que crie a obrigação de custódia e assistência em face do suicida”(Direito penal, v. 4, 1966, p. 137).